EBSERH no HU da UFSC: da resistência à gestão pela empresa

AutorTânia Regina Kruger, Bruna Veiga de Moraes, Cristiane Borghezan Sobieranski
Páginas152-164

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DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592020v23n1p152

ESPAÇO TEMA LIVRE

EBSERH no HU da UFSC: da resistência à gestão pela empresa

Tânia Regina Krüger¹

http://orcid.org/0000-0002-7122-6088

Bruna Veiga de Moraes2https://orcid.org/0000-0001-6740-4673

¹Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação em de Serviço Social, Santa Catarina, SC, Brasil

2Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação em de Serviço Social, Santa Catarina, SC, Brasil

3Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Serviço Social, Santa Catarina, SC, Brasil

EBSERH no HU da UFSC: da resistência à gestão pela empresa

Resumo: Este texto trata de um relato de experiência com o objetivo de apresentar o processo de resistência à adesão e os primeiros anos de gestão do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC) pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Na primeira parte problematiza-se sobre a lógica gerencialista empregada para as políticas públicas como uma suposta solução a crise econômica do Estado. Em seguida, apresentam-se as tensões do debate entre os seguimentos pró e contra a adesão do HU/UFSC à EBSERH até o momento em que o Conselho Universitário votou pela adesão. Na sequência, são apresentados alguns elementos do período de três anos da gestão do HU UFSC pela EBSERH. O texto aponta que as promessas do Contrato da UFSC e EBSERH não conseguiram se cumprir por impedimentos políticos, econômicos e administrativos desde 2016, tendo por consequência a reduzidíssima ampliação de leitos e serviços, do quadro de pessoal e do parque tecnológico, implicações que afetam a finalidade do hospital-escola e do atendimento SUS.

Palavras-chave: Hospital Universitário. EBSERH. Saúde. Universidade.

A company managing the university hospital: from resistance to corporate management

Abstract: This study shows the process of resistance to assimilate the management of the Federal University of Santa Catarina’s (UFSC) University Hospital (HU) by the Brazilian Company of Hospital Services (EBSERH), as well as reporting the first years of this experience. The first part of the article discusses the managerialist logic applied in public policies as a supposed solution to the state’s economic crisis. The second part describes the tensions in the debate between groups in favor and against EBSERH taking over HU’s management, until the moment the University Board voted in favor of EBSERH management. The article presents some elements of the three years of EBSERH’s management of the hospital. The study shows that the promises established in the contract between UFSC and EBSERH have not been fulfilled because of political, economic, and administrative barriers since 2016. Therefore, there was a timid expansion in the number of beds and services, staff, and technology, affecting the fulfillment of HU as a teaching hospital and a service provider as part of the Brazilian Unified Healthcare System (SUS).

Keywords: University Hospital. EBSERH. Health. University.

Recebido em 28.01.2019. Aprovado em 17.09.2019. Revisado em 03.10.2019.

© O(s) Autor(es). 2020 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar, distribuir e reproduzir em qualquer meio, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material, desde que para fins não comerciais e que você forneça o devido crédito aos autores e a fonte, insira um link para a Licença Creative Commons e indique se mudanças foram feitas.

R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 152-164, jan./abr. 2020 ISSN 1982-0259

Cristiane Borghezan Sobieranski3https://orcid.org/0000-0001-5456-8767

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Introdução

Nas últimas décadas vimos se intensificar no Estado brasileiro as ideologias e práticas de gestão pautadas na contrarreforma, também chamadas de inovação. Esta lógica político-administrativa vem instaurando uma nova racionalidade em termos políticos, ideológicos, jurídicos e culturais para gestão das políticas sociais, ao permitir que se transforme parte do patrimônio público em serviços mercantis. E uma situação exemplar tem acontecido no Brasil com os Hospitais Universitários (HUs). Não poucas vezes, os HUs foram caracterizados pela Organização Mundial da Saúde e por gestores brasileiros como instituições crescentemente inadaptadas à realidade do setor saúde e às mudanças em curso nos sistemas de saúde (MEDICI, 2001). Em nosso entender essa inadaptação foi construída num processo de desfinanciamento e sucateamento por quase 20 anos e culminou numa crise, que para sua solução o governo federal criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH)1. Tal solução se contrapõe as conquistas democrático-populares brasileiras no âmbito da saúde e da educação dos anos de 1980, no qual os HUs possuem relevante papel de formar profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Desse recorte macro conjuntural, reconhecendo as implicações e particularidades em cada Hospital Universitário brasileiro, o objetivo desse texto é fazer um relato de experiência do processo de resistência (2012-2015) e da adesão (2016-2018) do HU da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

O relato parte da experiência das autoras de estudo sobre o tema e da participação ativa nos debates desde 2012 na UFSC, sempre correlacionado com a conjuntura nos demais estados da federação e as determinações do governo federal para resolver a chamada crise dos HUs. A literatura da área da saúde, educação e gestão pública; documentos e vídeos produzidos na UFSC durante o processo de debate pró e contra a adesão e atas do Conselho Universitário (CUn) da UFSC subsidiaram a construção desse texto. Optou-se por citar todos os nomes dos sujeitos envolvidos no processo e que constam nos documentos referenciados, por se tratar de documentos públicos e por estes exercerem uma função pública.

Inicialmente o texto problematiza a perspectiva gerencialista empregada para as políticas públicas como uma suposta solução à crise econômica do Estado e que está determinando a mudança de gestão de instituições públicas do direito público para o direto privado, em meio a um processo ampliado de privatização dos serviços sociais. Em seguida, apresentam-se as tensões do debate entre os seguimentos pró e contra a adesão do HU/UFSC à EBSERH até o momento em que o CUn votou pela adesão. Por último apresentam-se alguns elementos sobre o período de três anos da adesão do HU/UFSC à EBSERH, uma atitude simbólica e politicamente regressiva na UFSC do ponto de vista democrático-popular.

A gestão gerencialista das políticas públicas

Nos anos de 1990 e 2000 observou-se no Estado brasileiro a intensificação das ideologias e de práticas de gestão pautadas na contrarreforma, as quais submetem progressivamente as necessidades sociais aos interesses econômicos. Esta chamada de inovação está significando a redução do tamanho do Estado no atendimento às necessidades da cidadania e vem sustentando a concepção de que não cabe ao Estado à responsabilidade de provisão social, e sim à sociedade (mercado). Esta perspectiva de gestão vem instaurando uma nova racionalidade em termos políticos, ideológicos, jurídicos e culturais para gestão das políticas sociais, ao permitir que se transforme parte do patrimônio público em serviços mercantis. Esta racionalidade despreza a cultura forjada nos anos de 1980 e trata com ironia a esquerda democrática, a fim de despolitizar as políticas sociais do Estado democrático, em nome da liberdade do mercado.

Este projeto de contrarreforma, denominado de gestão gerencialista, cindi economia e política, como se não fossem uma totalidade, igualmente cindi teoria e prática, como se as exigências de reformas fossem apenas necessidade técnica, escamoteando o projeto que pretende se universalizar. Em nome de uma eficiência e modernização na gestão pública o que está oculto é a busca de novos meios de recuperar e ampliar as taxas de lucratividade do capital. Esta ofensiva ideológica, para legitimar suas práticas, reforça apelos sobre as possibilidades de mobilidade social, de crescimento do consumo, de aumento de emprego formal, oportunidades de qualificação profissional, modernização da gestão pública e das práticas empresariais, estimulo a negócios próprios/empreendedorismo e serve para obter a adesão e o consentimento dos trabalhadores (MOTA; AMARAL, 2014). Esta retórica envolve a subjetividade e apela para as necessidades mais básicas de sobrevivência. Segundo Souza Filho (2006,
p. 323), a hegemonia ideológica do:

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Projeto gerencialista ataca a finalidade de universalização de direitos e sua dimensão racional/impessoal da ordem administrativa burocrática que potencializaria aquela finalidade. Ratifica-se uma finalidade fundada no atendimento de necessidades mínimas da população, coerente com a proposição neoliberal de reforço do mercado, e na mudança da estrutura burocrática para flexibilizá-la, na medida em que não se propõe a universalização de direitos.

Por sua vez, apresentamos o entendimento sobre administração pública gerencial de seus idealizadores e da elite política e econômica que defende. Para eles a:

administração pública gerencial é aquela construída sobre bases que consideram o Estado uma grande empresa cujos serviços são destinados aos seus clientes, outrora cidadãos; possui na eficiência dos serviços, na avaliação de desempenho e no controle de...

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