Integração econômica e comercial entre Peru e Brasil a partir do ano 2000

AutorMiriam Glenda Anyosa Chuchon
CargoMestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina - Prolam/USP ? Prolam/USP
Páginas111-131

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Introdução

Este artigo pretende identificar convergências e divergências nas relações comerciais entre Peru e Brasil a partir do ano 2000 objetivando distinguir os benefícios e as oportunidades decorrentes da “integração comercial”, ignorada no passado, mas alterada paulatinamente ao longo da última década. É necessário ressaltar que, no caso, o maior crescimento das transações bilaterais certamente poderá ser impulsionado caso sejam adotadas estratégias, ações de complementaridade e políticas específicas por ambas as partes.

Após traçar os perfis econômicos nacionais das relações bilaterais, uma reflexão sobre o comércio exterior entre o Brasil e o Peru servirá de apoio na tentativa de responder ao questionamento quanto à possibilidade de um acordo de negócios entre essas nações latino -americanas vizinhas propiciar uma integração efetiva entre ambas e contribuir para fomentar uma maior integração econômica regional sem regulamentações interestatais. Esta certamente pode aflorar, a exemplo do que já aconteceu em outras partes do mundo, sem envolver necessariamente integração política e a “formação de blocos”.

A pesquisa envolveu levantamentos bibliográficos e outros de natureza bibliográfico-digitais, além de análise exaustiva das informações disponíveis aplicáveis a cada situação peculiar. A abordagem dos dados do comércio exterior entre Brasil e Peru compreendeu a compatibilização dos informes estatísticos de ambas as partes e a averiguação de divergências ou não — sejam normativas ou reguladoras — na qualificação dos produtos. Estas, caso aconteçam, certamente deverão ser objeto de medidas próprias a fim de serem minimizadas ou eliminadas.

1. Relações bilaterais comerciais entre Peru e Brasil

Antecedentes — Ao longo da história, as relações entre Peru e Brasil foram pouco significativas; na agenda bilateral peruana/brasileira, foi dada prioridade à solução das questões limítrofes carecendo de conteúdo econômico-comercial. Segundo Costa (1987, p. 44), mesmo depois da solução apressada que se deu às diferenças limítrofes e acordos com ausência de enfrentamentos bélicos na subscrição do Tratado de Rio Branco em 1909, o Peru sempre teve receio das futuras e potenciais aspirações expansionistas do Brasil, pela insistência que demonstrou em utilizar o princípio do uti possidetis facto na solução das disputas territoriais e sua política de assentamentos bandeirantes em amplos setores da Amazônia.

Esta insegurança que o Peru tinha na época foi resultado também da estratégia que o Brasil usou no final da década de cinquenta para ocupar seus territórios amazônicos. Segundo Mercado Jarrin (1986), a ocupação do Planalto Central onde está o divortium aquarium das três maiores bacias hidrográficas brasileiras — Prata, Amazonas e São Francisco —, só se conseguiria mediante um plano de integração vial (meio de transporte) do litoral atlântico unindo o polo industrial dos estados do sul (Paraná, Santa Catarina, e Rio Grande do Sul) com os principais centros urbanos do nordeste. Este plano seria complementado com cinco projetos de grande relevância: a) a mudança da capital do país para Brasília (1960) e sua união por estrada com a cidade de Belém; b) a construção da rodovia Transamazônica paralela ao sul do rio Amazonas em direção leste-oeste, desde recife no

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Atlântico até Cruzeiro do Sul, muito perto da fronteira com Peru; c) o projeto da rodovia Periférica do Norte, que percorreria as fronteiras das Guianas, Venezuela, Colômbia e o nordeste de Peru; d) o ressurgimento de Manaus como zona franca; e) o projeto SUDAM/ RADAM para desenvolver projetos agropecuários na Amazônia. Destes, só a estrada Periférica do Norte não se concretizou com êxito.

A ocupação da Amazônia teve várias implicações para os países limítrofes, segundo Costa (1984, p. 14), sendo estas as consideradas mais relevantes: a) facilitou-se a presença de empresas e capitais estrangeiros na região, pela própria falta de recursos próprios do governo brasileiro, criando problemas de segurança nacional com o governo militar peruano;
b) pelo interesse de diferentes grupos do meio ambiente em defender dos possíveis efeitos nocivos que a crescente exploração da Amazônia ocasionaria em longo prazo, como a depredação e o recuo de comunidades nativas entre outros; c) a ênfase de desenvolvimento imposto pelo Brasil na região fez ressurgir o chamado fantasma do “expansionismo brasileiro” e as suspeitas de uma eventual militarização da Amazônia, sendo este o motivo principal para modelar a política geoestratégica peruana em relação ao Brasil nas décadas de 1960 e 1970 do Século XX.

Retomada dos Acordos Comerciais Bilaterais — Um mês depois do golpe militar de Morales Bermúdez, em novembro de 1975, o Chanceler brasileiro Azevedo da Silveira foi a Lima para discutir uma nova agenda com três pontos-chaves: a) a possibilidade de um acordo bilateral; b) o interesse do Brasil na exploração de metais e minerais não ferrosos peruanos; c) a promoção da cooperação científica e tecnológica, especialmente no âmbito nuclear, como indica Costa (1987, p. 49-51). Mais uma vez, na reunião da cúpula presidencial peruana-brasileira em cinco de novembro de 1976, como resultado dos trabalhos anteriores, o tema de cooperação bilateral que maior ênfase teve foi a cooperação amazônica. Mesmo assim esta reunião de Morales Bermúdez-Geisel marcou o fim de um período de isolamento político para ambos os países.

Durante os anos seguintes, houve tentativas de programar ações conjuntas com o intuito de avançar na cooperação econômica e física regional que permitissem fortalecer a democracia e enfrentar a proliferação das ameaças de caráter transnacional. Assim, a partir da visita do presidente Fernando Henrique Cardoso ao Peru em 1999, como afirma Samanez Bendezu (2001, p. 12-14), se assinou o chamado “Plano de Ação de Lima” que estabeleceu sete grupos de trabalho: 1. Amazônia e Fronteira Comum; 2.Integração Física e Transportes;
3. Meio Ambiente; 4. Narcotráfico; 5. Cooperação Técnica; 6. Promoção Econômica e Comercial; e 7. Relações Culturais.

A retomada da relação bilateral que Fernando Henrique Cardoso propôs está baseada no critério geográfico que vincula complicadamente, ou melhor, desvincula ambos os países. Foi este o entendimento que levou o Itamaraty a convocar em Brasília para a primeira “Cúpula Sul-americana” (Cumbre Sudamericana) em 31 de agosto/01 de setembro de 2000. Nela, a discussão girou em torno do aproveitamento da geografia e dos recursos naturais, assim como a promoção da integração física dos espaços como um próximo sinônimo de crescimento econômico da sub-região.

Depois da primeira Cúpula Sul-americana, o Ministro das Relações Exteriores do Peru, Diego García Sayan, visitou o Brasil oficialmente em junho de 2001, com a finalidade

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de fortalecer as relações bilaterais. Como primeiro resultado, o governo de transição do Presidente Valentin Paniagua concordou em estabelecer um “Mecanismo Bilateral de Consulta e Coordenação Política ao nível de Ministros das Relações Exteriores” entre ambos os países. Este mecanismo substituiu o existente até aquele momento. Cabe ressaltar que, durante a reunião de García Sayán e Celso Lafer, também foi relevante a discussão sobre a integração física dentro dos moldes da “Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul” (IIRSA) — criada pela Primeira Cúpula Presidencial Sul-americana. Para Samanez Bendezu (2001, p. 18), a partir das declarações formuladas durante o encontro dos Chanceleres em Brasília, pode-se deduzir que os governos do Peru e do Brasil consideram a integração física como o meio sine qua non para o incremento do escasso intercâmbio comercial bilateral. Constitui, portanto, um novo começo crucial por vincular explicitamente, pela primeira vez na história das relações bilaterais, os temas de integração física e comércio, que sempre foram considerados separadamente na Agenda Peruana-brasileira desde os inícios da década de 1970.

As reuniões dos presidentes Alejandro Toledo de Peru e Luis Ignácio Lula da Silva, ocorridas nos dias 24 e 25 de agosto de 2003, representam a culminância dos esforços diplomáticos de ambos os governos em estabelecer uma nova ligação estratégica que sirva de base para o projeto de um possível espaço geográfico amplo e integrado na América do Sul.

É necessário observar que esta nova ênfase na política exterior, especialmente relacionada à liberalização bilateral dos mercados, gerou muitos temores por causa da maior competitividade da indústria brasileira e pelo ingresso de produtos manufaturados provenientes da Zona Franca de Manaus; por isso, se faz inevitável estabelecer uma nova relação estratégica.

Toledo e Lula assinaram oito acordos bilaterais, sendo o mais relevante o Memorando de Entendimento sobre Integração Física e Econômica entre Peru e Brasil. Esse Memo-rando impulsionaria a integração das vias mediante a consolidação de três eixos para a comunicação, integração e desenvolvimento que são o amazônico, o transoceânico central e o interoceânico do Sul. Ambos os governos se comprometeram a priorizar o financiamento com fontes próprias. Também se assinou um acordo que permitirá o Peru fazer parte do Sistema de Proteção e Vigilância Amazônica (SIVAM).

Com a finalidade de velar pelo cumprimento dos acordos, foi criado um novo mecanismo de consulta que substituiu o estabelecido em junho de 2001. Neste último, se considera reunião anual dos...

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