Editorial: A questão fundiária do mundo agrário e urbano atual

AutorBernardo Mançano Fernandes
Páginas171-174
EDITORIAL
R. Katál., Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 171-172, jul./set. 2016
A questão fundiária do mundo agrário e urbano atual
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Compreender a questão fundiária do mundo agrário e urbano atual é um enorme desafio; contém rugosidades
cujas marcas são expostas pelas análises dos paradigmas da questão agrária e urbana e do capitalismo agrário e
urbano. Agrário e urbano são espaços contínuos com questões que se encontram e se colidem revelando diferen-
tes modelos de desenvolvimento. Envolvem corporações, interessadas na especulação imobiliária, e também
pessoas comuns, que querem apenas um lugar para viver e trabalhar. No Brasil esses são exemplos das marcas
do passado gravadas nos territórios do campo e da cidade, como a permanência da estrutura fundiária concentra-
da e controlada pelas corporações capitalistas, constituindo-se em secular modelo hegemônico, além da persistên-
cia das lutas camponesas e populares, cunhando suas pequenas unidades de produção e de espaços de vida por
meio do milenar modelo alternativo. O hegemônico e o alternativo são modelos de desenvolvimento agropecuário
e de moradias que disputam territórios. Os respectivos modelos, problemas e disputas, são analisados pelo debate
paradigmático entre posições antagônicas e posições combinadas. A incompatibilidade dos modelos pode ser
compreendida ao se analisar as relações sociais que os produzem e determinam suas escalas, tecnologias,
ordenamento territorial e relações com a natureza. Por se constituírem em relações sociais capitalistas, comunitá-
rias e familiares, produzem diferentes territórios e, portanto, distintas territorialidades.
Paradigmas são modelos interpretativos compostos por tendências. Promover o debate paradigmático é
um procedimento para analisar suas diferenças, relações e proposições. A construção do conhecimento por
meio de elaborações teóricas constituem visões de mundo, sendo, portanto, uma opção política para se desen-
volver os modelos alternativos e/ou o hegemônico. O paradigma da questão agrária e urbana entende que as
relações capitalistas produzem desigualdades que provocam a destruição do campesinato e das experiências
populares, portanto o problema está no sistema que, pela concentração fundiária, mantém há séculos o modelo
hegemônico de produção monocultora em grande escala para exportação e na produção homogênea dos
territórios de controle nas cidades. O paradigma do capitalismo agrário e urbano defende que o problema não
está em suas relações, mas na agricultura camponesa, que não é competitiva, embora haja uma fração, em
torno de 10%, que pode parcialmente estar subordinada ao agronegócio. Desde a visão do paradigma do
capitalismo agrário seria necessário desterritorializar 90% dos camponeses brasileiros, de modo que o agronegócio
ou modelo hegemônico possa se apropriar desses territórios, intensificando a concentração fundiária.
Nas cidades, as experiências populares de luta pela moradia, ocupando edifícios e terrenos, desafiam o
modelo corporativo de produção monocultora de moradias. A desterritorialização dos camponeses pode signi-
ficar o crescimento das lutas por moradias nas cidades, encontros e colisões de espaços em disputas transfor-
mados em frações de territórios. As interpretações dos fatos são produzidas pela ciência e tornam-se referên-
cias para a elaboração de políticas públicas que compõem o debate paradigmático.
Este é o debate que expressa disputas por modelos de desenvolvimento no campo: o agronegócio como
criação das corporações capitalistas e da agroecologia como (re)criação das organizações camponesas. O
poder hegemônico do agronegócio e os discursos de seus ideólogos não conseguem impedir a emergência e a
insurgência da agroecologia, distintos modelos de desenvolvimento territorial em que para cada um o uso da
terra e do território é pensado e planejado de modo diferente. São visões de mundo que apontam para direções
opostas e, em parte, sobrepostas, com perspectivas antagônicas em que a natureza e a sociedade são compre-
endidas como mercadoria e como vida, onde se destrói e se constrói, onde o produto pode ser commodity ou
comida. Nesse debate a ideia de consenso não contém o sentido da harmonia, mas do avesso, do embate
gerado pela conflitualidade. Na cidade, as corporações e os movimentos socioterritoriais de luta pela moradia
disputam territórios de permanências e de mudanças, preservando e transformando, criando territorialidades
distintas pelas conflitualidades permanentes.

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