Educação em e para direitos humanos

AutorCarlos José Cordeiro - Josiane Araújo Gomes
Páginas17-54

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1 Introdução

Objetiva o presente estudo discorrer a respeito da Educação em Direitos Humanos, com vistas tanto a definir a abrangência dos seus termos ? educação e Direitos Humanos ? quanto, principalmente, a alcançar o real e adequado sentido da expressão, que, muito além de significar uma educação voltada ao conhecimento sobre os Direitos Humanos, deve primar pela promoção e garantia desses direitos ? ou seja, Educação para Direitos Humanos.

A importância de tal análise reside no fato de que, na sociedade hodierna, verifica-se a substituição da família pela escola, sendo o(a) denominado(a) "tio(a)" - o(a) professor(a) - o(a) responsável pela educação - para não dizer criação - das crianças e dos adolescentes. Por isso, tem-se que o ensino fornecido pela escola não deve se resumir às matérias inerentes a tal ambiente - p. ex., matemática, português etc. -, pois é na escola que os alunos buscam obter respostas para todas as situações decorrentes do convívio social, o que, por si só, já justifica a necessidade de reflexão, por parte dos educadores, acerca dos Direitos Humanos. Outrossim, outro aspecto que se faz determinante é o avanço nas políticas públicas balizadoras de Direitos Humanos respaldados na Constituição Brasileira de 1988 e, posteriormente, regulamentados em leis específicas, que apontam

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para a necessidade de a escola dialogar em caráter inter e transdisciplinar com as exigências e direitos conquistados. Desta maneira, entende-se que uma educação perpassada pelo compromisso com a promoção dos Direitos Humanos contribui, decisivamente, para uma sociedade pautada nos princípios da equidade e da justiça social.

Nesse contexto, a princípio, verifica-se que, no âmbito nacional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), em seu art. 2º, dispõe que a "educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Nesse contexto, no ano de 2003, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e o Ministério da Educação (MEC), com o apoio de outros órgãos do governo, apresentaram o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), como resultado do trabalho do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, instituído pela Portaria nº 66, de 12 de maio de 2003, da SEDH, que reuniu especialistas da área. Em referido documento, restou consignado que "o PNEDH foi concebido com o objetivo de contribuir para a vigência de um Estado Brasileiro realmente democrático, embasado em uma proposta de governo que prioriza as políticas públicas em busca da melhoria das condições de vida da população".1E, assim, foram elencados os seguintes objetivos gerais do PNEDH, in verbis:

1. Fortalecer o Estado Democrático de Direito.

2. Enfatizar o papel dos direitos humanos no desenvolvimento nacional.

3. Contribuir para a efetivação dos compromissos assumidos com relação à educação em direitos humanos no âmbito dos instrumentos e programas internacionais e nacionais.

4. Avançar nas ações e propostas do Programa Nacional de Direitos Humanos.

5. Orientar políticas educacionais direcionadas para o respeito aos direitos humanos.

6. Estabelecer concepções, objetivos, princípios e ações para a elaboração de programas e projetos na área de educação em direitos humanos.

7. Incentivar a criação e o fortalecimento de instituições e organizações nacionais, estaduais e municipais de direitos humanos.2

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Em 2006, foi apresentada nova versão do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), obtida após a realização de encontros, seminários e fóruns em âmbito internacional, nacional, regional e estadual, nos anos de 2004 e 2005. Referida versão do PNEDH se destaca enquanto política pública em dois sentidos principais: "primeiro, consolidando uma proposta de um projeto de sociedade baseada nos princípios da democracia, cidadania e justiça social; segundo, reforçando um instrumento de construção de uma cultura de direitos humanos, entendida como um processo a ser apreendido e vivenciado na perspectiva da cidadania ativa". Para tanto, foram estabelecidas "concepções, princípios, objetivos, diretrizes e linhas de ação, contemplando cinco grandes eixos de atuação: Educação Básica; Educação Superior; Educação Não-Formal; Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança Pública e Educação e Mídia".3Por decorrência, no ano de 2014, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) sofreu alteração ? Lei nº 13.010/14 ?, passando a prever, in verbis: "Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático adequado" (art. 26, § 9º).

Diante desse introito, indaga-se: o que são os Direitos Humanos? Qual a sua origem e abrangência? A Educação é um Direito Humano? Em que consiste a Educação em Direitos Humanos? E a Educação para os Direitos Humanos?

2 Direitos humanos: conceito, precedentes históricos e universalização

Para que se torne possível a adequada análise acerca da Educação em e para Direitos Humanos, é indispensável analisar, de modo breve, os precedentes históricos e o processo de internacionalização e universalização dos Direitos Humanos4, na medida em que referido processo histórico

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é responsável por culminar na positivação dos Direitos Humanos nas Constituições de diversos Estados, dentre eles o Brasil.

Nesse passo, em primeiro lugar é necessário traçar o conceito de Direitos Humanos. Constituem posições jurídicas reconhecidas aos seres humanos5como tais, possuindo, assim, origem na própria natureza humana, o que atribui a referidos direitos o caráter inviolável, intemporal e universal. Dessa forma, os Direitos Humanos recebem tal denominação6 devido à essencialidade de seu conteúdo, possuindo, assim, função estruturante no que diz respeito à fixação dos limites existentes nas relações jurídicas travadas entre o indivíduo e o Estado, entre os indivíduos ou grupos de indivíduos e em relação a todo o gênero humano. Por isso, afirma Weis7que tais direitos "são denominados de humanos não em razão de sua titularidade, mas de seu caráter nodal para a vida digna, ou seja, por terem em foco a definição e proteção de valores e bens essenciais

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para que cada ser humano tenha a possibilidade de desenvolver as suas capacidades potenciais".

Traçado o seu conceito, verifica-se que a gênese do reconhecimento dos Direitos Humanos ocorre concomitantemente às alterações políticas de organização dos Estados, representando, notadamente, o fundamento de limitação do poder estatal.

Com efeito, observa-se que a ideia de igualdade e liberdade dos seres humanos e, portanto, o nascimento propriamente dito dos Direitos Humanos, somente ocorrerá com o advento de dois eventos históricos de suma importância para a sociedade ocidental: a Independência dos Estados Unidos da América (1776) e a Revolução Francesa (1789).

No que se refere à Independência dos Estados Unidos da América, tem-se que a sua proclamação, em 4 de julho de 1776, é considerada a primeira exposição de uma série de direitos do homem8, representando o ato inaugural da democracia moderna, por combinar a proteção desses direitos à representação popular com a limitação de poderes governamentais. O traço da sociedade americana formada pela independência das 13 colônias era o princípio da igualdade jurídica entre os homens livres, o qual se resumia apenas à igualdade perante a lei - ou seja, era preservada a garantia fundamental da livre concorrência. Além disso, restou consagrada a proteção das liberdades individuais e a submissão dos poderes governamentais ao consentimento popular.

Dessa forma, tem-se que a Declaração de Independência dos Estados Unidos constitui o primeiro documento político que reconhece, ao lado da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a toda a pessoa, independentemente de suas qualidades pessoais ou sociais. E, a enumeração desses direitos individuais, ficou a cargo das Declarações de Direitos redigidas por cada Estado-membro dos Estados Unidos, sendo que o primeiro a produzir uma Declaração de Direitos foi o Estado de Virgínia.9Diante disso, em 1791, são ratificadas as dez primeiras emendas

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à Constituição dos Estados Unidos, que consistem no Bill of Rights em nível federal, e que tiveram por função confirmar o rol de direitos individuais já reconhecidos nas Constituições dos Estados-membros.

Por sua vez, no que diz respeito à Revolução Francesa, tem-se que o seu principal acontecimento é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada na Constituinte Francesa de 26 de agosto de 1789. A importância de referido documento reside no fato de constituir a base de formação da noção dos direitos públicos subjetivos do indivíduo no direito positivo dos Estados do Continente europeu. Com efeito, conforme afirma Jellinek:

La literatura jurídico-política sólo conocía hasta entonces derechos de los Jefes de Estado, privilegios de clase, de los particulares o de ciertas corporaciones, no manifestándose los derechos generales de los súbditos sino bajo la forma de deberes del Estado, sin constituir para los individuos títulos jurídicos caracterizados. Merced a la Declaración de los Derechos es como se ha...

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