Educação e expertise. A sociologia como 'profissão' nos Estados Unidos

AutorWilliam Buxton - Stephen Turner
CargoWilliam Buxton é professor do Departamento de Estudos da Comunicação da Concordia University. - Stephen Turner é professor do Departamento de Filosofia da University of South Florida.
Páginas215-260
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n41p215/
215215 – 260
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Educação e expertise. A sociologia
como “prossão” nos Estados Unidos12
William Buxton3
Stephen Turner4
Nota de Stephen Turner para a presente tradução
No início dos anos 1990, quando esse artigo foi escrito, a sociologia es-
tadunidense atravessava um período de crise. Uma crise que, como todas as
crises, era difícil de ser entendida por seus contemporâneos. A quantidade de
matrículas tinha caído dramaticamente, e o número de egressos da graduação
não chegava a representar um quarto do pico registrado duas décadas antes.
A sociologia tinha feito importantes incursões nas agências de nanciamento
governamentais nos anos 1960, especialmente nas áreas da saúde e da saúde
mental. Também tinha presença nas faculdades de medicina. Aqueles êxitos,
contudo, estavam agora se perdendo na medida em que os enfoques biológicos
ganhavam destaque. Nos anos 1960, os sociólogos eram levados a sério pelo
público mais amplo; mas, no período da escrita desse artigo, eles eram crescente-
mente dispensados: o sentimento de que a sociologia estava antiquada tornou-
-se parte da consciência pública. Havia, por outro lado, a percepção de uma
crise interna tal como pode ser registrado em alguns livros do momento como
aquele de Stephen Cole (2001) ou de Irving Horowitz (1993). Nesse marco,
a ideia da sociologia como uma “ciência” estava também sendo abandonada
silenciosamente. O livro que eu tinha publicado em 1990 junto a Jonathan
1 Publicado originalmente em: Terence Halliday e Morris Janowitz (Ed.). Sociology and its Publics. The Forms
and Fates of Disciplinary Organizations. Chicago, University of Chicago Press, 1992. p. 373-407. Agradecemos
à autorização da University of Chicago Press para a publicação da tradução ao Português.
2 Tradução de Juan Pedro Blois. Agradeço a leitura de Ana Beraldo de Carvalho e Luna Campos.
3 William Buxton é professor do Departamento de Estudos da Comunicação da Concordia University.
4 Stephen Turner é professor do Departamento de Filosofia da University of South Florida.
Educação e expertise. A sociologia como “prossão” nos Estados Unidos| William Buxton; Stephen Turner
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Turner, “e Impossible Science”, parece em retrospectiva uma obra sobre a
ascensão e a posterior caída da ideia da sociologia como uma ciência. Naquela
época ele foi, de fato, lido como parte da literatura da “crise”.
O livro no qual o artigo aqui traduzido foi originalmente publicado foi o
produto de uma conferência que procurou enfrentar um dos aspectos mais sig-
nicativos daquela crise: o problema da relação da sociologia com os seus públi-
cos. Eu não pude assistir à conferência devido a um problema de agenda, mas
Bill Buxton, o coautor, participou. Nosso paper se propôs a delinear a história
da mudança principal na relação da sociologia com seus públicos que, segundo
o nosso olhar, tinha passado de um modelo no qual os sociólogos se dirigiam
diretamente à população a um modelo onde eles se ofereciam como especialistas
que deveriam aconselhar e orientar as prossões. O paradigma daquela visão
do papel da sociologia era oferecido pela participação e assessoramento que
os sociólogos estavam oferecendo na pesquisa e no treinamento dos médicos.
Nesse marco, nós nos focamos em duas guras-chave, que expressavam ambos
os momentos da transição: Charles Ellwood e Talcott Parsons. Parsons tinha
sido o teórico de um novo modelo de prossionalização e um ativo promotor
da reforma da disciplina. Ellwood, por sua vez, tinha sido um autor muito
bem-sucedido, com livros que eram muito bem recebidos pelo público geral.
Seu livro didático [textbook] sobre os problemas sociais (ElLwood, 1910) tinha
denido o campo, e tinha sido massivamente vendido no período anterior à
Segunda Guerra Mundial. Em grande medida, Ellwood seguiu o modelo do
seu professor Albion Small, que entendia que a tarefa da sociologia consistia
na claricação e articulação das preocupações da população ou público geral.
O período crítico foi eventualmente superado; mas seus efeitos podem se ver
ainda nos debates mais recentes sobre a redenição [respecication] do papel
da sociologia tal como aparece no conceito de “sociologia publica” de Michael
Burawoy ([2004] 2006). Esse foi um dos legados da crise. Outro legado foi
uma mudança na estrutura mesma da disciplina. Desde aquele momento, com
efeito, a sociologia precisou se preocupar muito mais ativamente em ser mais
atrativa para os estudantes; e o atrativo passou pela massiva acolhida do “en-
gajamento” e da defesa de várias causas sociais, especialmente a feminista, mas
também a racial com a preocupação pela interseccionalidade. Nesse contexto,
boa parte da sociologia passou a ser indistinguível dos estudos da mulher, da
teoria crítica sobre questões raciais, ou do chamado movimento decolonial.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 41 - Jan./Abr. de 2019
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A identicação foi tanta que alguns departamentos, inclusive, passaram a se
identicar explicitamente com o valor da “Justiça Social”, incorporando-o
como parte dos seus princípios declarados, como pode ser ver, por exemplo, nos
seus sítios web. Isso levou a um aumento parcial das matrículas, mas também a
uma abertura para qualquer tema ou enfoque que parecia aumentar o número
de estudantes. Contudo, o modelo do sociólogo prossional tal como tinha sido
promovido por Parsons não foi completamente abandonado: os sociólogos ain-
da continuaram a encontrar emprego em faculdades voltadas para o mercado
de trabalho e a fazer pesquisa a serviço de prossões como medicina, direito,
administração de empresas e, por vezes, engenharia. Participaram também de
estudos vinculados a políticas públicas.
A sociologia estadunidense esteve sempre em luta. Primariamente, essa
luta esteve voltada a fazê-la mais cientica e, com isso, mais respeitável en-
quanto empreendimento intelectual. Aquela foi de fato a história contada
em “e Impossible Science”. O resultado da crise foi uma trégua, que tomou
essa forma: enquanto a maquinaria da American Sociological Association foi
crescentemente dominada pelas mulheres e as minorias, as universidades de
elite caram parcialmente por fora dessa tendência, embora estas precisaram
se abrir aos métodos não quantitativos. Em termos mais gerais, a disciplina
tornou-se ideologicamente mais monolítica, identicando-se com a esquerda.
O modelo de Burawoy do sociólogo público como defensor dos movimentos
sociais foi nesse contexto valorizado, embora o impacto real desse tipo de soció-
logos tenha sido limitado: a inuência pública dos anos 1960 nunca foi recu-
perada. Atualmente, o campo tem superado a crise. Mas as grandes esperanças
do passado, que estivessem vinculadas com a prossionalização, o impacto no
espaço público ou a consolidação como uma ciência, não foram concretizadas.
Outras disciplinas, principalmente economia e mais recentemente as ciências
cognitivas, têm assumido o controle daquilo que no passado foi parte central
dos temas dos sociólogos.
Sem dúvidas, a aliança com a justiça social e o ativismo representa uma
volta à antiga confusão, ou falta de distinção, entre a sociologia e a vocação pela
reforma social. Esse foi precisamente o tema de meu pequeno livro “American
Sociology from Pre-disciplinary to Post-normal” (TURNER, 2014a). Aquilo
que originariamente diferenciou a sociologia da reforma (ou assistência) social
foi o desejo de ser “cientíca”, seja qual for o sentido que esse termo podia ter

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