A Educação Integral em Tempo Integral

AutorFelipe Chiarello de Souza Pinto; Michelle Asato Junqueira; Laís Lara Moreno de Toledo
Páginas106-117

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Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive. Ricardo Reis

1. Introdução

Entre uma conta de álgebra e uma regra ortográfica, existe um mundo de descobertas a ser explorado. No rol dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, a educação vem como destaque na transformação da realidade social e como peça fundamental no desenvolvimento cidadão de cada aluno.

Conforme disposto no art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvol-vimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”; em consonância, a Constituição Federal, como já mencionado em seu art. 205, vincula a educação à instrução para o exercício da cidadania, entendida aqui não só pelo direito de votar e ser votado, mas sim num conceito amplo, desfrutando de direitos civis, sociais e políticos1.

Assim, o direito à educação, para ser efetivado, deve ser visto como um direito individual capaz de transformar a criança em um cidadão, apto à tomada de decisões políticas e capacitado para o futuro tra-

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balho, mas também, e ainda mais importante, que a educação seja enxergada como um direito social que mira o desenvolvimento social, cultural e econômico de um país e de uma nação.

Nesse contexto, a discussão acerca da educação integral em tempo integral visa criar instrumentos para a efetivação dos objetivos da República e, por consequência desta tarefa árdua, engloba toda a complexidade da educação, propondo a expansão do processo educativo em todo o tempo escolar; assim, não é possível limitar-nos à ampliação da jornada escolar, mas devemos pensar o aluno em todo o seu processo formativo de participação social, de construção da autonomia e da emancipação.

2. Desenvolvimento

A educação em tempo integral vem com a proposta de ampliar e desenvolver o ser humano em seus mais diversos aspectos, entre os cognitivos, afetivos e, principalmente, socioculturais, bem como meio para se atingir uma educação plena e de qualidade.

A pauta da educação integral não é nova.

Historicamente2, a necessidade de um modelo educacional eficiente já aparece no festejado “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”3, de 1932, que, idealizado por Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Cecília Meireles e outros intelectuais brasileiros, defendia a implementação de um Sistema Educacional de Ensino Público no Brasil capaz de integrar várias vertentes de aprendizagem: leitura, aritmética, escrita, ciências físicas e sociais, artes industriais, desenho, música, dança, educação física, saúde e alimentação.

Em 1950, Anísio Teixeira4, um dos maiores representantes do movimento da “Escola Nova”, então Secretário da Educação e Saúde da Bahia, implementa as chamadas “escolas-parque” em complementação às “escolas-classe” (Projeto Centro Educacional Carneiro Ribeiro) aquelas garantiam alimentação, atividade esportiva, artística, higiene, socialização, preparação para o trabalho e discussões sobre cidadania e cultura colaborativa.

Anísio Teixeira expande seu programa em conjunto com Darcy Ribeiro, em 1960, criando o Plano Humano do Distrito Federal e possibilitando a criação de Centros Educacionais semelhantes àqueles introduzidos anteriormente na Bahia.

O sistema idealizado por Anísio Teixeira vai possibilitar a criação do Plano para a Educação Básica, marco importante na discussão da educação como pauta política nacional.

Durante a ditadura militar, a discussão e a expansão da educação integral ficaram adormecidas.

Em 1980, já no processo de redemocratização, Darcy Ribeiro idealiza o projeto que criaria os “Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)”, construindo quinhentos prédios da chamada “Escola Integral em Horário Integral” que atendiam crianças e adolescentes em turnos estendidos, aliando as atividades pedagógicas tradicionais com outras possibilidades educativas, recreativas e culturais, além de amparo assistencial com atenção básica à saúde e alimentação.

Durante a década de 1990 e a primeira década do novo milênio, podemos apontar também alguns outros projetos de caráter mais isolado, entre eles:

  1. Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) de Seropédica, idealizado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro;

  2. Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambuco (CEEGP); neste projeto, os jovens são chamados a ser protagonistas de seu processo educativo e construir o seu “projeto de vida”. O modelo inspirou as escolas de tempo integral nas macrorregiões de Pernambuco e foi transformado em 2008 em política pública estadual. Desde então, a proposta tem sido ampliada para

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    os Estados do Ceará, do Piauí, de Sergipe, de São Paulo e de Goiás;

  3. Centros Educacionais Unificados (CEUs), implantados nos anos 2000 no município de São Paulo na gestão da então Prefeita Marta Suplicy, têm por proposta agregar a comunidade no desenvolvimento de atividades educacionais, culturais e esportivas;

  4. Bairro Escola Nova Iguaçu; no ano de 2006, os espaços públicos do bairro (ruas, parques, clubes e teatros) passaram a ser extensões da sala de aula e os transformaram em espaços educativos;

  5. Escola Integrada de Belo Horizonte, também de 2006, criada com a finalidade de fortalecer o vínculo entre escola e comunidade, amplia para nove horas a carga educativa diária, incluindo a formação pessoal, artes, esporte, cultura e lazer.

    No âmbito internacional, cabe citar o projeto desenvolvido na cidade de Barcelona (em 1990) chamado de “Cidades Educadoras”, que propõe a integração de toda a cidade no processo educativo, valorizando o aprendizado vivencial. Iniciado na Espanha, hoje envolve mais de 450 cidades ao redor do mundo. Entre as brasileiras, podemos citar: Belo Horizonte, Caxias do Sul, Itapetininga, Jequié, Porto Alegre, Santiago, Santo André, Santos, São Bernardo do Campo, São Carlos, São Paulo, São Pedro e Sorocaba. Em 2002, um projeto idealizado pelo Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE) da Universidade Federal de São Carlos e pelo Instituto Natura a partir das investigações e dos estudos do Centro Especial en Teorias y Prácticas (CREA), da Universidade de Barcelona, propõe as “Comunidades de Aprendizagem”, envolvendo toda a comunidade no projeto de aprendizagem.

    O movimento das Cidades Educadoras, iniciado na década de 1990 em Barcelona, despertou a consciência de que as pessoas que moram em uma cidade são educadas pelo modo como suas ruas, vielas e praças são estruturadas e usadas, pelos serviços públicos que possuem e pela forma de como esses serviços são oferecidos, pelas diferentes formas como os seus moradores habitam, trabalham, se transportam e se comunicam.5

    O ano de 2007 é um grande marco na nossa temática com a criação do “Programa Mais Educação”, que consta como objetivo do Plano de Desenvolvimento em Educação. O programa tem como foco a ampliação da jornada escolar e a reorganização curricular, visando uma educação integral, com um processo pedagógico que conecta áreas do saber à cidadania, ao meio ambiente, aos direitos humanos, à cultura, às artes, à saúde e à educação econômica.

    Com propriedade, Lígia Coelho anuncia: “Na educação brasileira, há temas permanentes, mas também temas recorrentes, cujo debate nem sempre se concretiza em práticas/políticas públicas consistentes. A nosso ver, a educação integral se encaixa nesse segundo perfil”6.

    É certo que a discussão acerca da educação integral pode abordar diversas concepções do ponto de vista teórico e conceitual, e também será variável de conformidade com a ideologia política empregada. Contudo, a preocupação que nos aponta o sentido jurídico do instituto é a necessidade de formação humana completa, ou seja, a concepção ampliada da educação já constante da Padeia Grega7.

    A educação libertária pregava que ela “se faz concomitantemente sensitiva, intelectual, artística, esportiva, filosófica, profissional e, obviamente, política”. Esse cunho político vai se dar através de um conjunto formado pela pedagogia da pergunta, pela solidariedade das tarefas manuais e pelo espírito coletivo dos esportes, formando o cidadão “emancipado, questionador e construtor de uma história coletiva”8.

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    Paul Monroe aponta que a educação contemporânea deve conciliar interesse e esforço, relacionando as tarefas escolares com a vida real da criança, auxiliando em seu crescimento de modo que ela consiga assimilar à sua própria personalidade aquilo que é essencial à vida social, formando a sua personalidade e o seu caráter. Assim, o sentido da educação e sua preocupação atual, induzindo a ideia da necessária educação integral, podem ser traduzidos na indagação do mesmo autor: Como educar o indivíduo de modo a assegurar o desenvolvimento completo da personalidade e ao mesmo tempo conservar a estabilidade da vida institucional e, ainda, promover a sua evolução para mais altos estádios?9

    Ao tratarmos da educação integral, o que se deve ter em mente é que, mais do que a educação dar-se em período integral — ou seja, em horário ampliado —, ela deve conter elementos capazes de promover o desenvolvimento pleno do indivíduo, a formação para a cidadania e a preparação para o mercado de trabalho, consolidando o caráter individual e coletivo da educação.

    Individual na medida em que a educação abre um novo mundo de possibilidades ao indivíduo, fazendo-o pertencente ao mundo em que vivemos, fazendo-o reconhecer-se como integrante da socie-dade.

    Coletivo porque visa ao desenvolvimento de um país, de uma cultura. Uma sociedade de indivíduos educados migrará sempre para o progresso, construirá e perpetuará cidadãos atuantes e conscientes de sua construção social.

    Mas o que é ser cidadão?

    A pergunta é relevante na medida em que o texto...

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