Educação, narrativa e experiência

AutorEloiza Gurgel Pires
Páginas5-26
http://dx.doi.org/10.5007/1984-8951.2014v15n106p5
Educação, narrativa e experiência
Education, narrative and experience
Eloiza Gurgel Pires
1
Resumo
Contrapondo-se ao saber científico e a um empobrecimento cultural gerado
pelo conhecimento instrumental, homogeneizante já nas primeiras décadas do
século XX, Walter Benjamin alertava para a importância da experiência
narrativa como condição da historicidade do ser humano. De acordo com esse
autor, a dificuldade de intercambiar experiências e, consequentemente, o
declínio da arte de narrar no mundo moderno, alteraram os modos de sentir e
de saber do sujeito em formação. Este tem sua experiência subtraída pelo
tempo linear esvaziado de sentido, homogêneo e cronológico, pelo acúmulo de
informações e saberes, pelo bombardeio das “novidades” geradas nos meios
comunicativos e por uma ação formadora, fundada no pensamento empírico-
técnico. Este artigo discute o declínio da experiência e o desaparecimento da
narrativa tradicional, retomando os limiares benjaminianos nos escritos e nos
espaços de errâncias, que condensam o pensamento do filósofo em torno do
processo de modernidade e suas implicações no campo educativo.
Palavras-chave: Educação. Narrativa. Experiência. Modernidade.
Abstract
Walter Benjamin was opposed the scientific knowledge, and cultural
impoverishment generated by instrumental knowledge, homogenizing, in the
early decades of the twentieth century. Then he warned about the relevance of
the narrative experience as a condition of the historicity of the human being.
According to this author, the difficulty of interchange experiences and
consequently the decline of the art of storytelling in the modern world have
changed the ways of feeling and knowing the subject in formation. The
experience of this subject was taken away from him by a meaningless linear
time, homogeneous and chronological, by the accumulation of information and
knowledge, by the bombardment of the "news" created in the means of
communication and by an action, established on the empirical thinking-
technical. This article discusses the decline of the experience and the
disappearance of the traditional narrative, taking back the thresholds
benjaminian in the writings and in the wandering spaces that condense the
philosopher's thought about the process of modernity and its implications in the
educational field.
Keywords: Education. Narrative. Experience. Modernity.
1 Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Professora do Instituto de Artes, da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. E-mail: eloizagurgel@uol.com .br.
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Adaptada.
Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, Santa Catarina, ISSN 1984-8951
v.15, n.106, p. 5-26 jan./jun. 2014
6
1 O declínio da arte de narrar
Desde a Odisséia de Homero, paradigma primeiro das buscas e das
errâncias humanas, o modo como o sujeito se constitui na linguagem, em um
processo de criação-nomeação do mundo, implica em como esse sujeito
significa as suas experiências, isto é, como ele as traduz. Essa questão se
refere aos modos como a humanidade se conta a si mesma, se recria na
tradição. Segundo Bornheim (1972), esse termo tem origem no latim traditio,
verbo: tradire, e significa entregar. Em suas palavras: “designa o ato de passar
algo a outra pessoa, ou de passar de uma geração a outra geração”; está
relacionado também ao conhecimento oral e escrito: “através da tradição, algo
é dito e o dito é entregue de geração em geração” (BORNHEIM, 1972, p. 18).
Esse movimento se dirige ao outro, e mergulha o indivíduo no tempo da
coletividade.
Com as Guerras Mundiais e a crença na razão e no progresso, houve no
mundo moderno uma redução drástica da experiência do tempo, o que
repercutiu nos modos dos indivíduos se relacionarem e de traduzirem as suas
experiências. A busca exacerbada pelo novo passou a ser um imperativo que
anunciava a morte do sujeito clássico e a desvalorização de todo um
patrimônio cultural. Da ruptura com o passado, decorre a impossibilidade de
toda memória comum, a degradação da experiência coletiva, o fim das formas
seculares de transmissão e comunicação de saberes. Por outro lado, do ponto
de vista do materialismo histórico, daí decorre também o desejo de romper com
a história escrita pelos vencedores; a história que ignorou o sofrimento dos
explorados e oprimidos.
Nas primeiras décadas do século XX, as vanguardas históricas traziam
novas propostas artísticas que compartilhavam da atitude de repúdio à
tradição, em um desejo de renovação. Valores que até então eram tidos como
inquestionáveis passam a ser postos em xeque suscitando transformações
sociais, políticas e econômicas paralelamente ao desenvolvimento do
pensamento filosófico e científico. Concomitante a esse desejo de renovação
em praticamente todos os campos, há o colapso de sistemas e valores
autoritários tradicionais em face do fortalecimento dos partidos socialistas com

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