Education policies for work and the knowledge socialization/Politicas de formacao para o trabalho e a socializacao do conhecimento.

AutorRamos, Moacyr Salles

Introducao

Pensar as politicas sociais e o trabalho na sociedade capitalista e nao so tentar compreender as varias contradicoes sociais existentes, mas tambem as formas de ler tais contradicoes. No caso do Brasil, entre outros fatores, implica pensar que, apesar de vivermos no pais que tem o 7[degrees] maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, convivemos com um enorme atraso em nosso sistema educacional: cerca de 13 milhoes de analfabetos com idade acima de 15 anos, alta taxa de distorcao idade/serie, entre outros dados alarmantes (IBGE, 2015). Entao, por onde comecar?

Dialogando com os escritos iniciais de Florestan Fernandes (19201995), percebemos sua luta para que o povo tivesse cultura e desenvolvesse a consciencia critica, universalizando, assim, a cidadania. Tambem fica claro que, durante muito tempo, o Estado brasileiro minou a criacao de um sistema educacional publico e democratico, fazendo com que seus recursos fossem destinados a expansao das escolas confessionais e particulares. Apesar de a ampliacao da educacao publica ser uma das bases para a democracia liberal, nossa burguesia, inicialmente, buscou impedir esse processo (FERNANDES, 1986; 1966).

Procurando entender esse cenario numa conjuntura politica diferenciada, Florestan, em seus ultimos escritos, conclui que, no sistema capitalista, a crescente flexibilidade tecnologica e economica sempre corresponde a uma forte rigidez ideologica e politica, abrindo o processo de negacao da existencia das classes sociais nas sociedades capitalistas ditas democraticas. Dizendo de outra forma, tratava-se da ideia de que a democracia no capitalismo pode substituir os ideais socialistas, a exemplo dos paises centrais, que haviam "superado" os efeitos nocivos do capital (FERNANDES, 1975).

No entanto, essa superacao nao esta ao alcance de todos os paises. Isso porque, no arranjo societario do capitalismo, o mesmo se materializa como forca social de formas distintas e especificas. Exemplo disso sao os paises da America Latina, cuja dependencia e encarada como um atraso em relacao ao avanco capitalista; contudo, de fato, esta e a forma como esse sistema se consolidou e permanecera, pois a relacao de dependencia nao pode ser superada progressivamente pela democracia, uma vez que nao e apenas um estagio e sim uma condicao. Nessa direcao, o capitalismo dependente no Brasil e a realidade substantiva propria de nosso pais no contexto capitalista. Nem o Estado nem a democracia liberal podem, portanto, exterminar essa relacao de dependencia e muito menos as relacoes de dominacao no interior do nosso pais. Porem, essa situacao nao coloca todos os brasileiros como vitimas, mas configura o processo de dominacao conjugada entre a burguesia internacional e a nacional, especialmente sobre o trabalho (FERNANDES, 1975).

A condicao de pais de capitalismo dependente tem implicacoes diretas na estruturacao de nosso sistema educacional e na forma homeopatica ou exclusivista como o conhecimento tem sido socializado. Diante disso, bastaria a luta pela democratizacao do sistema educacional dentro do capitalismo, se tal processo nao resultasse necessariamente na total extincao da propriedade privada e da extracao de mais-valia? Ou seja, permitir a classe trabalhadora o acesso a escola e a programas educacionais dara conta de transformar a relacao de exploracao capital versus trabalho? Como obter as ferramentas culturais necessarias ao enfrentamento da exploracao capitalista sem acesso a um sistema educacional democratico e que forme sujeitos criticos?

Entendemos que a democratizacao da oferta de vagas seja importante, mas, se ela nao articular formacao para o trabalho com formacao cientifica, cultural e filosofica, integrando teoria e pratica, essa democratizacao tende a obnubilar a classe trabalhadora em sua organizacao e luta contra o capital. Desse modo, as especificidades da dominacao burguesa no Brasil ainda nos apresentam grandes desafios, dentre os quais esta a socializacao do conhecimento no interior das instituicoes e programas educacionais. O resultado dependera da correlacao de forcas entre as classes fundamentais na sociedade civil (1), logo, na ossatura do Estado ampliado (2). Alem disso, nessa disputa, as classes nao partem do mesmo lugar, nem possuem os mesmos conhecimentos e recursos.

Por essa razao, a proposta deste artigo e refletir sobre os limites e possibilidades dos programas de formacao para o trabalho na elevacao intelectual da classe trabalhadora e, consequentemente, em sua luta por emancipacao. Tal questao e central no debate atual das politicas de formacao para o trabalho em curso no Brasil, por isso apresentamos, brevemente, algumas notas sobre as principais transformacoes nessa area a partir dos anos 1990, contexto de criacao de programas como o Programa Nacional de Inclusao de Jovens (ProJovem) e o Programa Nacional de Integracao da Educacao Profissional com a Educacao Basica na modalidade de Educacao de Jovens e Adultos (Proeja). Alem disso, aprofundamos o debate com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tecnico e Emprego (Pronatec).

O foco dado ao Pronatec, neste artigo, nao foi feito de modo aleatorio, mas intencional. Isto porque este programa foi criado a fim de democratizar o acesso a educacao profissional no Brasil, constituindo-se como o principal veiculo no que tange as acoes governamentais para a formacao de trabalhadores desde a sua criacao, no final de 2011. Sua centralidade tem atraido grande visibilidade social, como tambem gerado muitas expectativas para o enfrentamento das expressoes da questao social (3). Alem disso, temos sobre esse programa dados empiricos, resultantes de uma pesquisa concluida no ano de 2014 (4), que nos ajudam a compreende-lo para alem dos documentos governamentais, ou seja, em sua materializacao. Os resultados dessa pesquisa, somados a revisao bibliografica aqui apresentada, buscam contribuir, sem a pretensao de finalizar ou de dar respostas definitivas, para a discussao em torno da educacao destinada a classe trabalhadora no Brasil contemporaneo.

A socializacao do conhecimento no contexto da luta de classes

No Brasil, a composicao da classe burguesa tem preservado o seu carater "organicamente senhorial e colonial", de modo que a constituicao de um Estado de direito esteve historicamente travada como estrategia de dominacao e policiamento da sociedade. Esse controle tem a sua genese desde a relacao com os escravos, passando pelos colonos, camponeses e proletarios. Os pilares sustentadores dessa relacao burguesa periferica foram, dentre outros, a coalisao entre as fracoes dominantes internas e externas na expansao do capital imperialista e a exacerbacao da "defesa agressiva" do capitalismo nos paises perifericos, nos quais a luta de classes e travada sem a flexibilidade necessaria para a garantia de uma democracia burguesa (FERNANDES, 1984, p. 90-91).

Essa particularidade da nossa formacao social tem relacao direta com a constituicao do direito a educacao escolar, que no inicio do seculo XX ja comeca a se consolidar como condicao para a participacao social. Ate a decada de 1920, os movimentos populares que reivindicavam participacao social tambem lutavam pelo acesso a escola como instrumento de participacao politica e democratica, num profundo "entusiasmo pela educacao". No entanto, a partir de 1930, o vies politico que conduzia o pensamento sobre a escola sofre uma inflexao, sendo superado pelo "otimismo pedagogico" do Movimento Escola Nova, que se fortalecia em paises europeus e na America (SAVIANI, 2012b, p. 51).

A influencia do Movimento Escola Nova, no Brasil, resultou no famoso Manifesto dos Pioneiros da Educacao Nova, em 1932. Documento assinado por diversos intelectuais, postulava pela democratizacao da escola publica e gratuita a fim de responder as necessidades de modernizacao do pais. Nao obstante as virtudes desse movimento, cabe lembrar que e por meio dele que e dado total enfoque ao aspecto tecnico-pedagogico, transferindo o foco dos conteudos e dos objetivos para os metodos, esvaziando o debate politico acerca da educacao. Alem disso, relativizou-se o ensino de acordo com as "condicoes de aprender de cada um", aprimorando, dessa forma, o ensino destinado as elites e rebaixando o nivel do ensino destinado as camadas populares. Portanto, o referido movimento foi central para a recomposicao da hegemonia (5) burguesa, na medida em que foi apresentado pela burguesia, aparentemente, como espaco de fusao entre os interesses dessa classe e da classe trabalhadora, ou seja, de toda sociedade (SAVIANI, 2012b, p. 49-53).

Dessa forma, as lutas de frentes marxistas e anarquistas pela democratizacao de uma escola de acordo com os interesses da classe trabalhadora se dissolveram sob o prisma progressista que adquiriu o movimento escolanovista. Desse modo, ser progressista passou a significar ser escolanovista, uma especie de unificacao em torno dos interesses da nacao. Nao obstante a roupagem democratica, a escola se expande de modo extremamente precarizado, tanto no aspecto estrutural como pedagogico, estando distante dos ideais de uma pedagogia revolucionaria, a qual:

[...] longe de secundarizar os conhecimentos descuidando de sua transmissao, considera a difusao de conteudos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais para o processo educativo em geral e da escola em particular [... ] longe de entender a educacao como determinante principal das transformacoes sociais, reconhece ser ela elemento secundario e determinado. Entretanto [...] entende que a educacao se relaciona dialeticamente com a sociedade. (SAVIANI, 2012b, p. 65-66).

A organizacao da educacao escolar esta relacionada diretamente a divisao social do trabalho. Conforme apontado por Marx e Engels (2007) em A ideologia alema, essa divisao obriga a separacao entre trabalho industrial, comercial e agricola, consequentemente, entre cidade e campo, alem de subdivisoes entre os individuos, determinando a relacao entre eles no que tange a...

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