Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista

AutorVinícius Jose Marques Gontijo
Páginas128-145

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1. Introdução

Neste nosso articulado examinaremos os efeitos da falência do empregador na competência da Justiça do Trabalho para a execução do crédito do empregado.

Naturalmente, acerca do processo de conhecimento trabalhista não pairam maiores discussões: a competência é da Justiça Especial do Trabalho. Isso até mesmo em razão de expresso comando contido no § 2o do art. 6o da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Falências - LF).1

Naturalmente, não havendo litígio quanto ao crédito trabalhista, ele poderá ser diretamente habilitado no processo fa-limentar; por isso, Mauro Rodrigues Penteado2 distingue as circunstâncias relativas àquilo que ele nomeou de "reclamatória típica e atípica", conforme haja início ou não da reclamação trabalhista perante a Justiça do Trabalho.

De qualquer maneira, sabe-se perfeitamente que a ação de conhecimento trabalhista somente poderá ser julgada na Justiça do Trabalho, pouco interessando se ela se iniciou diretamente perante a Justiça do Labor ou na Falimentar. Por outro lado, o nosso tema está delimitado aos efeitos da quebra, repita-se, sobre o processo de execução trabalhista.

Para tanto, ainda que respeitando a pirâmide de hierarquia normativa "maleável" do Direito do Trabalho,3 adotaremos o método juspositivista dogmático kelse-

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niano, segundo o qual: "O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior".4

Assim, na hermenêutica do tema proposto examinaremos sob a perspectiva da pirâmide hierárquica trabalhista a que melhor se adequará em favor do empregado, como norma de fundamento teleológico que orienta o ramo do Direito Trabalhista.

2. Preferência dos créditos

A perfeita exposição do tema exige de nós a lapidação adequada do ferramen-tal jurídico com isso evitando equívocos e desacertos decorrentes de imprecisão técnica.

Para isso, cumpre-nos registrar que a preferência dos créditos é um gênero composto por duas espécies: (a) a garantia e (b) o privilégio.

"Destarte, salta aos olhos que os créditos preferenciais são de duas ordens: os resultantes de direitos reais de garantia e os créditos privilegiados, sendo que os primeiros advêm dos contratos e da lei e os últimos são determinados apenas por lei."5

De fato, a garantia poderá ser real ou quirografária, em que pese esta última não ter preferência (cf. art. 958 do Código Civil - CC).6 Na garantia real, o credor tem, assegurando a adimplência da obrigação, bem destacado, notadamente no patrimônio do devedor, mas não obrigatoriamente, uma vez que o gravame real poderá onerar algo de terceiro, desde que com isso ele consinta.7

Por outro lado, na garantia quirografária, o credor tem, assegurando a adimplência da obrigação, o patrimônio do devedor, como um todo considerado. Assim, "O patrimônio da pessoa responde pelas suas obrigações. A noção é singela e exata. Pelos débitos, assumidos voluntariamente ou decorrentes da força da lei, respondem os bens do devedor, tomado o vocábulo 'bens' em sentido genérico, abrangentes de todos os valores ativos de que seja titular".8

Já a preferência dos créditos que se compreende no privilégio não se confunde com a garantia senão pelo que as espécies de um mesmo gênero têm em comum.

Em verdade, o privilégio representa a ordem de vocação do crédito na partilha dos ativos do devedor, externando-se basicamente, no caso de mais de um credor promover a execução, sobre a mesma coisa; ou, mais comumente, quando vários credores executam de maneira colegiada a garantia comum: o patrimônio do devedor.

A privilegia exigendi consiste: "na preferência que a lei atribui a alguns credores sobre o patrimônio do devedor. Tem esses credores direito a pagamento preferencial, tal como os titulares de direito real de garantia, mas o direito do credor privilegiado estende-se a todo o patrimônio do devedor e é conferido pela lei em atenção à causa e à qualidade do crédito. O privilégio não outorga poder imediato sobre

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as coisas, como se verifica com os direitos reais de garantia".9

Firmada a distinção entre as modalidades de preferência dos créditos, há necessidade de examinar qual delas é a espécie que tem o crédito trabalhista.

2. 1 A natureza da preferência do crédito trabalhista

Em que pese ser possível antever na sucessão trabalhista uma "garantia", na medida em que o empregado tenha no fer-ramental utilizado em seu labor a "garantia" da solvência das verbas decorrentes do contrato de emprego (arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), constata-se que esta não seria uma garantia no sentido técnico da expressão. O fato é que o crédito trabalhista conta hoje, tecnicamente, com um privilégio, sendo certo que nem sempre foi assim.

A Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1o de maio de 1943, não cuidou de assegurar ao crédito trabalhista qualquer garantia real e mesmo o privilégio era limitado e sem definição de classe (privilégio geral, especial ou modalidade extraordinária),10 sendo certo que o caput do art. 449 apenas prescreveu que os direitos materiais decorrentes do contrato de emprego subsistiriam em caso de processo concursal empresarial falimentar ou, à época, concordatário; direitos como a irredutibilidade salarial ou férias remuneradas, sem, contudo, assegurar qualquer modalidade de preferência especial para o crédito daí decorrente. E, havendo rescisão do contrato de emprego, "Não constituindo a falência força maior, mas risco empresarial assumido pelo empregador, responde-rá este por todas as cominações inerentes à rescisão, como se despedida injusta fosse, nos termos da legislação específica".11

Diante disso, se constata que o crédito trabalhista estava reduzido, na prática, à condição de quirografário e são diversos os precedentes do Pleno do Supremo Tribunal Federal determinando a competência da justiça estadual para a execução do crédito trabalhista em caso de concordata do empregador. A título de exemplo, veja-se:

Execução trabalhista, estando a devedora em concordata ou falência - Competência do juízo falimentar.12

Reclamação trabalhista. Compet cia do juiz de concordata.13

Naturalmente, as Turmas da colenda Corte Excelsa também aí reconheciam a ausência efetiva de privilégio do crédito trabalhista, reconhecendo-o como quirografário, uma vez que determinava sua sujeição ao processo de concordata:

Recurso conhecido e provido. O crédito do empregado, reconhecido na instância trabalhista, deve ser declarado no juízo da falência ou concordata, não sendo permitido iniciar execução em juízo diverso, depois de decretada a falência ou requerida a concordata.14

Reclamação trabalhista - Execução

- Empresa sujeita ao regime de concordata - Competência do juízo falimentar

- Extraordinário conhecido e provido.15

Quanto ao fato de que a concordata, quando existia no Brasil, somente atingia o crédito quirografário nunca houve dúvidas, até porque decorria de expres-

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so preceito legal: art. 147 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 (antiga Lei de Falências).16 Na concordata "não se cogita da classificação dos créditos, porque a concordata não atinge os créditos garantidos com direito real, nem os créditos privilegiados".17 Destarte, quando a Corte Suprema incluía o crédito trabalhista na concordata, apenas reconhecia e declarava o caráter quirografário daquele crédito.

Curiosamente, somente pela reforma do art. 102 da antiga Lei de Falências introduzida pela Lei n. 3.726, de 11 de fevereiro de 1960, é que o crédito trabalhista foi alçado ao grau de privilegiado e, por isso, excluído do processo de concordata. Veja-se que o voto do Ministro Victor Nunes no Conflito de Jurisdição n. 2.591 bem revela essa ascensão:

No segundo precedente, tomou-se aquele por paradigma, e assim votou o Sr. Ministro Relator: "De acordo com o parecer da douta Procuradoria-Geral e com o decidido por este Tribunal no conflito n.2.060 (apenso aoDJde 13.1.1958, p. 127, Relator o eminente Ministro Ab-ner de Vasconcelos), julgo procedente o conflito e competente o Juízo da 2a Vara Cível do Distrito Federal".

Assim também se decidiu nos Conflitos 2.487 (8.6.1959), Relator o Sr. Ministro Lafayette de Andrada, e 1.457 (12.10.1943), Relator o Sr. Ministro Aníbal Freire.

Entretanto, na sessão da 2a Turma, de 9.5.1961, ao negar provimento ao agravo 23.764, observou o Sr. Ministro Hah-nemann Guimarães que "a Lei n. 3.726, de 11 de fevereiro de 1960, tornou privilegiado o crédito por salário e indeniza-ção trabalhista, que pode ser exigido na Justiça especial, apesar da concordata" -Em esclarecimento verbal, S. Excia. observou que anteriormente à Lei n. 3.726 votava em sentido contrário, mas essa lei conferiu aos créditos dos empregados um privilégio quase absoluto, colocando-os à frente dos demais créditos privilegiados, alterando, para esse efeito, o art. 102 da Lei de Falências.18

A partir desta modificação legal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido que terminou sendo sumulado:

A concordata do empregador não impede a execução de crédito nem a reclamação do empregado na Justiça do Trabalho (verbete n. 227).

Somente muito depois disso, em 14 de fevereiro de 1977, a Lei n. 6.449 imprimiu nova redação ao § 1° do art. 449 da CLT para prescrever o privilégio do crédito decorrente da...

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