Os efeitos de uma Declaração de Inconstitucionalidade por omissão a partir do julgamento da ado 25 (Lei Kandir)

AutorOnofre Alves Batista Júnior e Marina Soares Marinho
Páginas701-744
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OS EFEITOS DE UMA DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO A
PARTIR DO JULGAMENTO DA ADO 25 (LEI KANDIR)
Onofre Alves Batista Júnior1
Marina Soares Marinho2
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A nova tese da União – o fim da compensação – 3.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão e seus efeitos. – 4. Retroa-
tividade dos efeitos do julgamento da ADO 25: 4.1. Retroação até 2004; 4.2. Re-
troação até 2006; 4.3. Retroação até 1996 – 5. Conclusões – Referências.
1. INTRODUÇÃO
(CRFB/1988) estabelecia originalmente em seu art. 155, § 2º,
1. Professor Associado de Direito Público do Quadro Efetivo da Graduação e Pós-
-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre em Ciências
Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela UFMG.
Pós-Doutoramento em Direito (Democracia e Direitos Humanos) pela Universida-
de de Coimbra. Diretor Científico da Associação Brasileira de Direito Tributário -
ABRADT. Conselho Curador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mi-
nas Gerais – FAPEMIG. Diretor do Centro de Estudos da Advocacia-Geral de Minas
Gerais - AGE. Coordenador da Revista Direito Público da AGE. Conselheiro Con-
sultivo do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais do Estado e do Distrito Federal
– CONPEG. Ex-Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais. Procurador do Estado
de Minas Gerais. (Curriculum lattes http://lattes.cnpq.br/2284086832664522).
2. Assistente do Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito e
Justiça pela UFMG. Doutoranda em Direito e Justiça pela UFMG. (Curriculum lat-
tes http://lattes.cnpq.br/6230936890648392)
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X, “a”, que o ICMS não incidiria sobre operações que des-
tinassem ao exterior produtos industrializados (excluídos os
semielaborados definidos em lei complementar). Em seguida,
a Lei Complementar n. 87 de 1996 (LC 87/1996 - Lei Kandir)
determinou a desoneração do ICMS sobre as exportações de
forma ampla. A modificação, que pretensamente buscou pres-
tigiar e incentivar as exportações (alegadamente em prol de
toda Federação), entretanto, além de provocar o fenômeno da
“desindustrialização”, feriu mortalmente a fonte de recursos
dos Estados que se dedicam à atividade de exportação de pro-
dutos primários, como Minas Gerais e Pará. Com a amplia-
ção da desoneração, por decorrência lógica, houve perdas de
receitas que, desde logo, foram reconhecidas pelo Congresso
Nacional. Tanto assim que a própria Lei Kandir, em seu art.
31, criou um sistema de entrega de recursos financeiros da
União em benefício dos Estados e seus Municípios.
Em dezembro de 2003, tanto a desoneração das exporta-
ções como o sistema de compensação financeira preconizados
pela Lei Kandir ganharam status de norma constitucional, por
força da Emenda Constitucional nº 42/2003 (EC 42/2003), que
deu nova redação à alínea “a” do inciso X do § 2º do art. 155
da CRFB/1988 e acrescentou, ao Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias (ADCT) da CRFB/1988, o art. 91.3 Assim, é
3.
Art. 91 do ADCT da CRFB/1988: “A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal
o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições
nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos pri-
mários e semielaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos
decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e
aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a.
§ 1º. Do montante de recursos que cabe a cada Estado, setenta e cinco por cento
pertencem ao próprio Estado, e vinte e cinco por cento, aos seus Municípios, distribuídos
segundo os critérios a que se refere o art. 158, parágrafo único, da Constituição.
§ 2º. A entrega de recursos prevista neste artigo perdurará, conforme definido em
lei complementar, até que o imposto a que se refere o art. 155, II, tenha o produto de
sua arrecadação destinado predominantemente, em proporção não inferior a oiten-
ta por cento, ao Estado onde ocorrer o consumo das mercadorias, bens ou serviços.
§ 3º. Enquanto não for editada a lei complementar de que trata o caput, em
substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente
o sistema de entrega de recursos previsto no art. 31 e Anexo da Lei Complementar
nº 87, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Complementar nº
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para “compensar” a perda de arrecadação, que o dispositivo fir-
mou uma fórmula de transferência constitucional obrigatória da
União em favor dos Estados e do Distrito Federal (DF).
Dez anos após a promulgação da EC 42/2003 sem que
fosse regulamentado o art. 91 do ADCT, o Estado do Pará
ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
n. 25 (ADO 25). O pedido dessa ação, cuja tramitação durou
pouco mais de 3 (três) anos, foi a declaração da inconstitu-
cionalidade por omissão para tornar efetiva a referida norma
constitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF), em 30 de
novembro de 2016, seguindo a relatoria do Ministro Gilmar
Mendes, por unanimidade, acatou o pedido. A chamada Lei
Kandir estabelecia um critério provisório de “compensação”
das perdas dos Estados. A União, entretanto, se omitiu no es-
tabelecimento de um critério que efetivamente compensasse
as perdas (como manda a EC 42/2003) e isso foi detectado pelo
STF na ADO 25. O Ministro Gilmar Mendes, expressamente,
decidiu que os Estados precisariam ser compensados pelas
perdas impostas pela política levada a cabo pela União.
No julgado, o Ministro Gilmar Mendes, Relator, ilustrou o
cenário das perdas experimentadas pelos Estados com a deso-
neração das exportações e a razão para o estabelecimento, na
CRFB/1988, de regras de compensação de perdas. A omissão
constitucional, como deixou gizado o Ministro Gilmar Men-
des, “existe e já perdura por mais de uma década”, portanto,
“há omissão, há estado de inconstitucionalidade”. Nessa toa-
da, o STF estabeleceu que, na hipótese de a nova lei não ser
editada no prazo de 12 meses, cabe ao Tribunal de Contas da
União (TCU) fixar o valor total a ser transferido anualmente
aos Estados-Membros e ao Distrito Federal (DF) e calcular o
valor das quotas a que cada um fará jus.
115, de 26 de dezembro de 2002.
§ 4º. Os Estados e o Distrito Federal deverão apresentar à União, nos termos das
instruções baixadas pelo Ministério da Fazenda, as informações relativas ao
imposto de que trata o art. 155, II, declaradas pelos contribuintes que realizarem
operações ou prestações com destino ao exterior”.

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