A eficácia do direito contratual francês diante dos gigantes da Internet

AutorGilles Pillet
CargoProfessor efetivo (Maître de conférences) na Université de Paris-Est e co-diretor do Laboratório Obrigações-Bens-Mercado (Laboratoire Obligations-Biens-Marché). Atua principalmente na área de direito dos contratos, tendo publicado obras como: La substitution du contractant à la formation du contrat en droit privé, LGDJ, 2004, dentre outras. E...
Páginas199-242
A eficácia do direito contratual francês diante dos gigantes da Internet (p. 199-242) 199
PILLET, G.
A eficácia do direito c ontratual francês diante dos gigantes da Internet
.
Revista de Direi to, Estado e
Telecomunica ções
, Brasília, v. 11, n. 1, p. 199-242, maio 2019.
DOI: https://doi.org/10.26512/lstr.v11i1.24857
A eficácia do direito contratual francês diante dos gigantes da Internet 1
The effectiveness of French contract law in the face of Internet giants
Submetid o(
submitted
): 10/07/2 018
Gilles Pillet*
Parecer(
revised
): 09/08/ 2018
Aceito(
accepted
): 15/09/2 018
Abstract
Purpose
The arti cle analyzes the Fr ench contrac t law in order to assess its usefulness to
provide r egulatory means of t he big techs. It shows that th e recent r eforms of the F rench
contra ct law ha ve not been a ble t o empower the consumer s a nd result in a stronger
protecti on against a buse.
Methodology/approach/design
The a rticle eva luates the contrac tual rela tions between
the bi g techs a nd their users, with a special r egard to the French law (gener al contract
law, the commerci al law, and the consumer la w). It demonstra tes the limits of the gener al
contra ct law due to the complexity of the contra ctual subject, na med as Inter net service. In
addition , the ar ticle assesses the means of protectio n: liberty to contr act, codes of conduct,
and, jud icial lawsuits.
Findings
The article concludes that the F rench contr act la w will o nly be able to offer
effective protecti ve re sults by b enefitting the Intern et users if there is an increa se of the
collective lawsuits, filed by consumers ´ pro tection gr oups or by state agencies like the
Ministry of the Economy. Two other solutions exist, suc h as codes of co nduct a nd the
recognit ion of more liberty to the user s. However, they both have specific limitations to
produce effective results.
Keywords: Contract law, contract economy, Inter net user s pr otection, legal pr otection
means, Inter net regula tion.
1
Texto derivado do se minário internacional “A efetivi dade do direito em face do poder dos
gigantes da Internet Br asil e França”, realizado na Universidade de Brasília no per íodo
de 13 a té 15 de abril de 2016. Agradece -se ao fomen to da Fundação Coordenaçã o de
Aperfeiçoame nto de Pessoal de Nível Superior (CAPES), da Fundação de Am paro à
Pesquisa do Distrito F ederal (FAPDF ), da Embaixada da Fr ança no Brasil e das
universidades br asileiras e francesas envolvida s. Tradução de Germana Henri ques Pereira.
Revisão técnic a de Alexandre Veronese.
*
Professor efetivo (Ma ître de conférences) na Université de Pari s-Est e co-diretor do
Laboratório Obrigações-Bens -Mercado (Labor atoire Obligations -Biens-Mar ché). Atua
principalmente na área de direito dos contratos, tendo publicado obras c omo: La
substitution du contr actant à la formation du co ntrat en droit priv é, LGDJ, 2004, d entre
outras. E-mai l: gpillet@escpeurope.eu.
200
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Resumo
Propósito
O artigo examina o direito francês dos contratos para aferir a sua aplicabilidade
à re gulação das empresas gigantes da Internet. Ele evidencia que as reformas at uais do
direito contratual francê s nã o tem sido efet iva para p roduzir resultados imediatos em
termos de prot eção dos consumidores.
Metodologia/abor dagem/design
O artigo avalia as relações contratuais firmadas entre
as grand es empresas de Internet (giga ntes da Intern et) e os u suários, com f oco no direito
geral dos contratos, no direit o comercial e no direito d o consum idor. Ele evidencia as
dificuldades de aplicação do direito dos contratos c omo marco de proteção jurídi ca em
razão da complexidade do objeto contratual, d enominada como prestação de serviços de
Internet. A partir do exame analítico da legislação francesa , o artigo avalia os meios
protetivos futu ros: liberdade contratua l; códigos de boas prátic as e ações judiciais.
Resultados
O artigo conc lui que somente poder á haver a produção de resultados
protetivos aos usuário s d a In ternet, por meio do direito dos contratos, se houver um
aumento do us o das ações judiciais de cará ter coletivo, seja por p arte das associações, seja
por parte das entida des públicas, como o Ministéri o da Economia. As outras duas sol uções
possíveis código de boas práticas e maior liberdade contratual possuem dificuldades
específicas par a a produção de resul tados efetivos.
Palavras-chav e: Di reito dos c ontratos, economia dos contratos, proteção dos usuários,
meios protetiv os, regulação da Internet.
Introdução
Em um texto escrito em 1937, Paul Valery tentou revelar a dimensão das
transformações decorrentes de invenções tais como o telefone, o rádio ou a
aviação. A observação desses primeiros instrumentos de uma globalização
inexorável o levou a escrever o seguinte:
O espírito transformou o mu ndo, e este retribuiu (...) ele nos conferiu um poder
de ação que excede enormemente as forças de adaptação, até mesmo a
capacidade de compr eensão das pessoas”.
2
Em geral, o a utor considera que nossos progressos técnicos colocaram as
pessoas, através de um contra choque, em um universo tão complexo, tão vasto e
tão instável que elas ficaram impossibilitadas de fazer qualquer previsão e de
raciocinar de forma eficaz sobre o futuro. Em outras palavras, a transformação em
curso, dinâmica e em aceleração constante, teria eliminado qualquer esperança de
um esforço de construto útil, tanto em ter mos de construtos intelectuais q uanto
2
VALÉRY, Paul. Regards sur le monde a ctuel et autr es essais. Paris: Gallimard, 1 945, p.
197.
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sociais3. No campo do d ireito, que é um construto social por excelência, isso
significa que as ferramentas e os métodos utilizados até então estariam
condenados à obsolescência e privados de qualquer eficácia. Para tal, bastaria que
as questões levantadas no nosso sistema jurídico não apresentassem mais pontos
comuns com aquelas abordadas até então, as quais ditava m as regras aplicáveis
em razão da sua repetição. Como o dir eito poderá preparar o futuro, se este não
tiver apoio algum no passado? Poderá o direito contratual, considerado,
tradicional e orgulhosamente, como o “herd eiro” de uma tradição de milhares de
anos, manter a confiança e m suas categorias, seus princípios e seus conceitos,
quando “o futuro (...) não é mais o que er a4?
O desenvolvimento da economia digital e o surgimento dos gigantes da
Internet tornam essa questão muito relevante. É difícil descartar completamente
esses receios e imputá-los, sem ressalva, ao pessimismo dos decadentistas, que
abrangeriam todas as gerações. A preocupação é legítima, embora o direito
contratual pareça ter demonstrado uma capacidade incrível de se adaptar desde o
direito romano. É verdade que tenha sido apresentado, durante muito tempo, como
uma geometria abstrata o suficiente para acomodar todas as mudanças, sejam elas
econômicas ou políticas5. À primeira vista, o sol do título 3, livro 3, do Código
Civil [francês], soube brilhar igualmente sobre a sociedade rural, industrial e de
serviços. Por que esse dispositivo legal não abrangeria a economia digital? Ainda
mais quando ele acaba de ser modernizado pela Ordenação n. 2016-131, de 10 de
fevereiro de 20166? Há pelo menos duas razões para temer o fracasso. Em
primeiro lugar, mesmo que se desco nsidere o fato de que a economia digital
recorre ao uso de investimento s pesados e rendimentos ex ponenciais, ela seria
caracterizada pelo fato de basear-se em incessantes transformações tecnológicas,
cujo ritmo está em aceleração. E, também, ela se baseia em uma constante
renovação dos modelos de negócios7. Essa nova economia parece incap az de
3
VALÉRY, Paul. Regards sur le monde a ctuel et a utres essais. Paris: Gallimard, 1 945, p.
198.
4
VALÉRY, Paul. Regards sur le monde actuel et autres essais. Paris: Gallimard, 1945, p.
201.
5
RÉMY, Phili ppe. Réviser le titr e III du livre troi sième du Code civil? Revue des contra ts,
Lextenso, n. 4, p. 1169- 1170, 2004.
6
FRANÇA. Ordon nance n. 2016 -131 du 10 février 2016 portant réforme du droit des
contra ts, du r égime généra l et de la preuve des obligations. Paris, Journ al Officiel de la
République Française, 11 fev. 2016. Disp onível:
https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000032004939 .
Acesso em: 3 a go. 2018.
7
COLLIN, Pierre; COLIN, Nicol as. Mission d’expertise sur la fiscalité de l’économie
numérique. Paris: Ministère d e l’économie et des finances / Mi nistère du redressement
produtif, jan. 2013, p. 6-7, p. 13-14. Disponí vel:
https://www.economie.gouv.fr/files/rapport-fiscalite-du-numerique_ 2013.pdf. Acesso em:
3 ago. 2018.

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