A eficácia do fato jurídico tributário

AutorKarem Jureidini Dias
Páginas235-274
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CAPÍTULO VI
A EFICÁCIA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
“Além disso, em todas as deliberações, e em todos os pleitos, é
necessária a faculdade de raciocinar com solidez, pois sem ela as
decisões dos homens são precipitadas e as suas sentenças injus-
tas, e contudo, se não houver uma eloquência poderosa que con-
quiste a atenção e o consenso, o efeito da razão será pequeno”.
Thomas Hobbes275
1. A Coerência Intranormativa Interproposicional
O efeito do fato jurídico tributário é fruto da causalida-
de jurídica, tendo em vista norma incidente válida e vigente.
Dado um fato, demonstrado pelos meios de prova e subsumi-
do à hipótese da incidência tributária, cabe ao agente com-
petente a formalização da relação jurídica decorrente. É pela
relação jurídica que se atribui eficácia ao fato jurídico. E é
com a interposição do fato que se torna possível a efetivação
da relação jurídica antes abstrata.
Não só os fatos jurídicos implicam individuação da hi-
pótese fática, como também os seus efeitos (relação jurídica)
275. Leviatã, trad. Heloisa da Graça Burati São Paulo, Editora Rideel, 2005, p. 403.
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KAREM JUREIDINI DIAS
estão no plano concreto da realidade social. Sem o fato jurí-
dico não se propaga o efeito próprio, o liame obrigacional. É
por essa razão que também a prestação pecuniária decorren-
te pode afirmar ou até infirmar o fato jurídico.
A norma individual e concreta, por meio do emprego da
linguagem competente, a partir da realização do evento ju-
ridicamente descrito, apresenta as notas conceituais eleitas
para a descrição do evento e construção do fato jurídico tribu-
tário. Referidas notas devem conceituar o critério material, o
critério espacial e o critério temporal. Uma vez efetuada essa
descrição, deve ser o prescritor da regra-matriz de incidência,
o qual contém dois critérios, a saber, o pessoal – sujeito ativo e
sujeito passivo – e o quantitativo – base de cálculo e alíquota.
Pode ocorrer um desalinho entre os enunciados do ante-
cedente e do consequente da norma individual e concreta ou
um desajuste nos próprios enunciados. Quanto ao desajuste
nos próprios enunciados, há possibilidade de ocorrer erro de
fato ou erro de direito.
O erro de fato corresponde, como leciona Paulo de Bar-
ros Carvalho,276 ao desajuste “interno na estrutura do enun-
ciado, por insuficiência de dados linguísticos informativos ou
pelo uso indevido de construções de linguagem que fazem as
vezes de prova”. O erro de fato pode estar na hipótese ou na
consequência da norma.
A norma individual e concreta pode ser também objeto de
erro de direito, quando o desajuste ocorre entre esta e a norma
geral e abstrata que lhe fundamenta. O erro na utilização da
alíquota, ou o erro de sujeito ativo, é sempre um erro de direito,
na medida em que só pode corresponder ao erro de subsunção
da norma concreta na norma abstrata. Mas, nada impede que
outros elementos, como a própria base de cálculo, sejam vicia-
dos por erro de direito, o que se verifica quando o erro está na
276. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 7ª ed., São Paulo, Sa-
raiva, 2009, p. 302.
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FATO TRIBUTÁRIO:
REVISÃO E EFEITOS JURÍDICOS
subsunção do enunciado do antecedente ou do consequente da
norma individual e concreta aos elementos conotativos da hipó-
tese ou da consequência, prescritos na norma geral e abstrata.
277
Dois exemplos sobre erro na base de cálculo bem ilus-
tram a distinção entre erro de fato e erro de direito. O erro
de direito fica evidente quando a autoridade administrativa
apura a base de cálculo correspondente à omissão de receita,
calculando o quantum debeatur a partir da totalidade das re-
ceitas, ao invés de apurar apenas os efeitos da postergação em
relação a um fato jurídico que se consubstancia em reconheci-
mento da receita em ano-calendário posterior àquele em que
deveria ser reconhecida, considerando que esse reconheci-
mento ocorreu antes do início da fiscalização e em situação
que não causa outro efeito que não o da postergação.278
Quanto ao erro de fato na base de cálculo, é o caso de lança-
mento em razão de omissão de receita que observa a metodolo-
gia e os critérios previstos na norma geral e abstrata, mas pos-
sui equívoco porque um dos valores foi digitado erroneamente.
Independentemente da existência de erro de fato ou de
erro de direito, pode ocorrer um desalinho entre os enuncia-
dos do antecedente e do consequente da norma individual e
concreta. Esse desalinho é o que denominamos de incoerência
277. “Desde que, em qualquer dos casos, atendam aos seguintes requisitos propostos
por Paulo de Barros Carvalho: 1) A linha divisória entre erro de fato e erro de direito
fica bem nítida: se o desajuste de linguagem verificar-se no interior de uma única
norma, seja no antecedente ou no consequente, teremos erro de fato. 2) Para que se
trate de erro de fato, essa norma tem de ser individual e concreta. 3) Quando os desa-
certos de linguagem envolverem duas ou mais normas, sendo uma delas, obrigatoria-
mente, regra individual e concreta, e outra, também, necessariamente, geral e abstra-
ta, teremos erro de direito. 4) Como particularidade das normas jurídicas tributárias,
qualquer desalinho com relação à “alíquota” ou ao “sujeito ativo” será sempre erro
de direito, porquanto esses os únicos fatores compositivos da estrutura normativa,
que não podem ser encontrados na contextura do fato jurídico tributário. Sua consi-
deração supõe, necessariamente, o trajeto que vai da norma geral e abstrata à norma
individual e concreta.” (Tácio Lacerda Gama, Competência tributária – fundamentos
para uma teoria da nulidade, São Paulo, Noeses, 2009, p. 413).
278. Omissão de receita não se confunde com o reconhecimento a destempo da re-
ceita (vide Parecer Normativo COSIT nº 02, de 08.08.1996).

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