Eficácia no tempo das normas de Direito Processual do Trabalho

AutorRenan Marcelino Andrade
Páginas200-214

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Renan Marcelino Andrade1

Introducao

Dentro do contexto da Lei n. 13.467/2017, sobrevie-ram ainda a Medida Provisória (MPV) 808/2017 e a Lei n. 13.545/2017. Esses diplomas normativos representam a Reforma Trabalhista2, sob a ótica processual, que causou a maior mudanca legislativa do Direito do Trabalho no Brasil desde a edicao da Consolidacao das Leis do Trabalho (CLT).

A grande discussao decorrente da Reforma Trabalhista para o Sistema de Justica brasileiro, para além da pertinencia ou nao das mudancas promovidas, diz respeito á aplicabilidade ou nao destas aos processos já em curso, no que tange ao aspecto processual.

É nesse sentido que, neste texto, pretenderei analisar sob a ótica técnica do Direito Intertemporal os limites da aplicabilidade das mudangas em relagao ao Processo do Trabalho trazidas pela Reforma Trabalhista, visando trazer contribuicao e luzes a tema que certamente gerará dificul-dades na aplicacao da lei3.

A lei processual no tempo

O Direito Intertemporal, em termos de direito proces-sual, é regulamentado no Brasil pela Lei de Introducao ás

Normas de Direito Brasileiro (LINDB)4, qual seja o Decre-to-Lei n. 4.657/1942, que dispóe, em princípios gerais, a eficácia imediata e geral da lei em vigor, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada5, na esteira dos preceitos constitucionais de seguranca jurídi-ca6. Soma-se á LINDB a previsao do Código de Processo Civil de 2015 (CPC), garantindo a irretroatividade e a ime-diata aplicabilidade da norma processual aos processos em cursos, observados os atos processuais já praticados e as situacóes jurídicas já consolidadas sob a vigencia de norma anterior a despeito da imediata aplicabilidade do novo or-denamento processual7.

Extrai-se dessas disposicóes, entao, a regra geral de que a norma processual atinge todos os atos praticados na sua vigencia, da mesma forma que o faz em relacao ás situ-acóes jurídicas iniciadas e ainda nao terminadas na sua vigencia. Tempus regit actum é antigo brocardo que resume essa conclusao. Essa enunciacao genérica e simples, porém, nao é capaz de resolver de plano as dúvidas que surgem quando nos deparamos com tamanha mudanca normativa tal qual a Reforma Trabalhista, dada a aparente dicotomia entre a eficácia imediata e a protecao da segu-ranca jurídica8. Nao restam dúvidas de que nao se aplica a Reforma Trabalhista para processos já findos, assim

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como é aplicável a processos iniciados posteriormente á sua vigencia. A eficácia da lei no tempo é absolutamente clara aqui: processos já findos nao sao atingidos, porque já perfeitos todos os atos e já passado em julgado as deci-sóes; processos inaugurados após a vigencia da lei sofrerá os efeitos desta de forma ampla9. O foco do problema é, entao, aqueles processos inaugurados sob a vigencia da lei anterior, mas ainda nao encerrados após a vigencia da Reforma Trabalhista.

A teoria do isolamento dos atos processuais10 é a preva-lecente no ordenamento brasileiro11. Assim, cada ato ou termo processual é regido pela lei vigente ao momento de sua prática ou ocorrencia, nao podendo a lei nova prejudi-car aqueles atos já praticados nem seus efeitos consolida-dos12. "Para uma melhor compreensao, diga-se que essa teoria, ao resguardar o ato processual praticado, visa a proteger o direito processual (ou a situacao processual de vantagem) que dele resulta para uma das partes"13.

É com base nessas premissas que analisaremos, entao, a eficácia das normas processuais da Reforma Trabalhista em relacao aos processos em curso quando do início de sua vigencia.

Categorizacao das mudancas no processo do trabalho promovidas pela reforma trabalhista: metodologia para análise da eficácia intertemporal das normas

Antes de adentrarmos ao cerne da questao envolvendo a eficácia das normas processuais da Reforma Trabalhista em relacao aos processos iniciados previamente a sua vigencia, é importante trazermos uma categorizacao para tornar mais objetivo o estudo14. Isso porque as mudan-cas sao tantas15 que enumerá-las, uma a uma, sem uma divisao lógica, tornará a matéria de difícil compreensao teórica, além de fugir do escopo deste texto, que é de abordar a eficácia dessas normas no tempo de forma sis-temica, e nao casuística. Vale mencionar que algumas das

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disposicóes legais trazidas pela Reforma Trabalhista, na prática, nao alteram o que já se operava no Processo do Trabalho16, razao pela qual nao faz sentido debrucarmo--nos sobre elas.

Observando os textos normativos e tendo em mente a nocao de processo como sendo a uniao da relacao jurídica processual com os procedimentos inerentes17, é possível verificar que a Reforma Trabalhista promoveu mudancas em relacao (i) ao processo, á organizacao ju-diciária e á regulamentacao de procedimento, (ii) á re-gulamentacao de atos processuais específicos, (ii) aos prazos processuais, (iii) aos meios impugnativos e seus pressupostos, (iv) aos critérios de decisao e (v) aos custos financeiros do processo.

Com base nessa categorizacao, os próximos pontos serao abordados enfrentando de forma específica os aspectos mais sensíveis em relacao aos processos em curso quando do início da vigencia da Lei n. 13.467/2017.

3.1. Novas normas sobre processo, organizacao ju-diciária e procedimento

A Reforma Trabalhista promoveu mudancas de ordem processual e no procedimento em si do Processo do Tra-balho. Trouxe regras sobre pressupostos processuais e condicóes da acao18, além de tangenciar a organizacao judiciária19 ao dispor sobre o procedimento interno dos tribunais trabalhistas para a edicao, alteracao ou revoga-cao de súmulas e orientacóes jurisprudenciais20. Passou também a admitir novos momentos no procedimento, a partir de atos das partes ou mesmo a partir do impulso oficial do juízo, bem como a regulamentar diversamente os procedimentos já existentes.

Discussao pertinente sobre um elemento que, a meu ver, veio maquiado na nova redacao da CLT: a decreta-cao da prescricao intercorrente21 se aplica aos processos já em curso? A meu ver, o reconhecimento da prescricao intercorrente, tal qual posta na lei, traz um procedimento específico, mormente considerando a impossibilidade de

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decisao surpresa e de se primar pela boa-fé processual22. O artigo 11-A da CLT aponta que a prescricao intercor-rente ocorre em dois anos, iniciando-se a contagem quan-do o exequente deixa de cumprir determinacao judicial no curso da execucao, cabendo decretacao a requerimento ou mesmo de ofício, em qualquer grau de jurisdicao. Naturalmente, essa decisao deve ser precedida de contraditório, na forma dos artigos e 10 do CPC, aplicáveis por forca do artigo 769 da CLT. Trata-se, assim, de um procedimento que, nesses moldes, nao existia na redacao antiga da CLT.

Considerando a teoria ora adotada sobre o resguardo dos efeitos dos atos processuais já praticados na égide da lei anterior, temos que uma determinacao judicial anterior á Reforma Trabalhista nao tinha o efeito de iniciar a con-tagem da prescricao intercorrente - que a teor da Súmula n. 114 do Tribunal Superior do Trabalho (TST)23 sequer existia no Processo do Trabalho. Parece-me entao razoá-vel admitir que, para que haja a decretacao da prescricao intercorrente, isso deve se dar após prévio contraditório e observando quais eram os efeitos da determinacao judicial á época em que praticado o ato. Somente determinagáo judicial posterior á Reforma Trabalhista tem o efeito legal de iniciar a contagem da prescricao intercorrente e, por isso, o prazo nao pode ser computado nem a partir de decisao anterior ao artigo 11-A da CLT, nem automatica-mente a partir da vigencia da Lei n. 13.467/201724. Nada impede, entretanto, que a parte interessada ou o juiz mais atento ao seu acervo processual instem nova determina-cao judicial já na vigencia do artigo 11-A da CLT, a fim de trazer o efeito da prescricao intercorrente ás execucóes paradas por culpa da parte exequente.

Outro ponto da Reforma que pode gerar controvérsia é a inclusao dos artigos 793-C, § 2º, e 793-D á CLT25. Essas novas regras sao aplicáveis a processos pendentes da lei anterior? E, se sim, prevalece a lei vigente no momento do ato infracional ou no momento da sentenca? Para solucionar a questao, parece-me imprescindível constatar que se trata de condenacao por ilícito punível e indenizável por forca legal a partir de quantum fixado pelo juiz, sob a ótica da responsabilidade civil26. Dessa forma, o juiz, ao constatar a conduta e fixar o quantum, deve observar as hipóte-ses fixadas pela legislacao em vigor na data da prática do ato e da cessacao de seus efeitos27, já que nao há se falar em retroatividade da lei em sede de responsabilidade civil.

Sobre a nova excecao de incompetencia (artigo 800 da CLT), passou-se a prever que deve ser apresentada em peticao própria indicando a sua finalidade, no prazo de cinco dias contados da notificacao e antes da audiencia. Sendo a notificacao um ato processual aperfeicoado, seus efeitos devem ser resguardados e, assim sendo, so-mente haverá preclusao pela nao oposicao da excecao do artigo 800 da CLT, na atual redacao, se a notificacao

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ocorrer após a vigencia da Lei n. 13.647/2017. A antiga redacao da CLT previa o efeito de impor ao reclamado o comparecimento em audiencia para deduzir ali sua defesa, inclusive de incompetencia territorial - e este é o termo instaurado pelo rito processual entao...

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