A Competência da Justiça Eleitoral para Exigir o Cumprimento das Suas Decisões e a Aplicabilidade do Código de Processo com os Novos Comandos da Lei 11.232/05

AutorKleber Cazzaro
CargoAdvogado/PR.Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI) Professor concursado da Universidade Estadual de Ponta Grossa
Páginas14-18

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Tenho acompanhado algumas discussões recentes acerca da renitência que alguns juízes eleitorais têm em fazer cumprir suas próprias decisões já transitadas em julgado e, nisso, também aplicar as novas regras do moderno sistema de Cumprimento de Sentença instituído pela Lei 11.232/05 e, por conseguinte, os comandos do Direito Processual Civil nos procedimentos que tramitam perante a Justiça Eleitoral, notadamente quando deles houver apenas para se exigir multa por litigância de má-fé, sem qualquer outra sucumbência. Por sustentarem a incompatibilidade disso com o sistema especializado e próprio do Direito Eleitoral, declinam, daí, a execução e cumprimento desse tipo de sanção à Justiça Comum Estadual ou Federal.

Acreditando num sistema harmônico que forma a Ciência do Direito como um todo, e defendendo, sem hesitar, a aplicabilidade de ambos os institutos também na ceara do Direito Eleitoral, as razões que seguem tentam encontrar e justificar tal resposta.

O sistema jurídico é um subconjunto que compõe uma estrutura maior, regulada, via de regra, por normas sociais e legais. É o Direito. Ciência que, nas palavras de REALE (1991, p. 1), “é lei e ordem, (...), um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros. Assim sendo, quem age de conformidade com essas regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto”. Seguindo o mesmo autor (1991, p. 2) “podemos, pois, dizer, sem maiores indagações, que o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade”. E com isso, não só a atividade de estudar, como principalmente interpretar e aplicar o Direito não pode ser feita isoladamente, com caráter blindado, estanque.

O Direito é uma ciência interdisciplinar, ou seja: é composto por um conjunto de disciplinas jurídicas que representam e refletem um fenômeno jurídico unitário. E daí, “quando várias espécies de normas do mesmo gênero se correlacionam, constituindo campos distintos de interesse e aplicando ordens correspondentes de pesquisa, tem-se as diversas disciplinas jurídicas, sendo necessário, daí, apreciá-las no seu conjunto unitário, para que não se pense que cada uma delas existe independentemente das outras” (Reale, 1991, p, 6). Não existe um Direito Civil que nada tenha a ver com o Direito Constitucional, que por sua vez dispense ligação com o Direito Penal, Tributário etc. Da mesma forma, não se tem um Direito Processual CivilPage 15 isolado, nem um Direito Processual Penal fechado, e assim por diante. Não conhecerá o Direito, em todas as suas dimensões reais, quem se limitar a vê-lo só em porções isoladas (Montoro, 1991, p. 110).

Contudo, toda Ciência, não obstante seja composta de um só corpo, para ser bem estudada, necessita divisão e objetividade. E no Direito não é diferente. Subdividido apenas para fins didáticos, não deixa de ser um composto único formado por um conjunto de disciplinas1 jurídicas que, nem por isso, ficam solitárias, sobrevivem, entre si, como se fossem matérias acabadas e estáticas. Ao contrário: não raro completam-se umas às outras subsidiariamente. Todas se integram organicamente em um sistema, em recíproca dependência, formando o que é chamado de Ordenamento Jurídico. Ou seja: ainda que separadas para fins acadêmicos, cada matéria do Direito não perde a unidade teleológica ou finalística, na definição de Reale (1991, p. 7). Por isso, o Direito, para ser entendido, efetivado, realizado, deve ser examinado com todas as normas que compõem esse Ordenamento Jurídico que lhe dá suporte, à luz, ainda, dos princípios gerais que o informam. Dogmaticamente, este, aliás, é o método lógico-sistemático, uma das muitas formas que se têm para interpretá-lo2.

Ao verdadeiro jurista não pode faltar o conhecimento da natureza da sua ciência (epistemologia) e dos valores fundamentais (axiologia) que dão sentido e significação a qualquer instituição jurídica. Igualmente, também não lhe poderá faltar o conhecimento da realidade jurídico-social que é a própria vida do Direito com sua interdisciplinaridade (Cintra, Grinover, Dinamarco, 2007, p. 107). E, entre as possibilidades que existem de se apresentar globalmente a ordem jurídica, está a primeira divisão da Ciência do Direito que se encontra na História, feita, aliás, pelos Romanos. Eles demarcaram-na entre Direito Público e Privado, segundo o critério da utilidade pública ou particular da relação: o primeiro diria respeito às coisas do Estado, enquanto que o segundo seria pertinente ao interesse de cada um (Reale, 1991, p. 335). Como registrado por Montoro (1991, p. 403), isso era a tradução da máxima posta no Digesto e dita por Ulpiniano: Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem3. E essa divisão vige até hoje. Lógico, mais aperfeiçoada pela evolução e especialização do próprio Direito. Para se traçar um panorama do quadro geral hodierno, pode-se resumir que tal divisão está posta em Direito Público e Privado, sendo subespécie do primeiro o Direito Público Interno e o Direito Público Externo. Já o Direito Privado, de seu turno, é tratado em duas partes: a Comum e a Especial (Montoro, 1991, p. 112). E, integrando todo o sistema, constituindo um dos seus pilares, está o Direito Eleitoral.

Ramo da Ciência do Direito classificado como público, dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabeleça precisa equação entre a vontade do povo e a atividade governamental. Embora não seja fácil conceituar qualquer disciplina jurídica, Cerqueira (2006, p. 113) se arrisca para definir o Direito Eleitoral assim: “É o ramo do Direito Público (Direito Constitucional) que visa o direito ao sufrágio, a saber, o direito público subjetivo de natureza política que confere ao cidadão a capacidade eleitoral ativa (de eleger outrem – direito de votar – alistabilidade) e capacidade eleitoral passiva (de ser eleito – elegibilidade), bem como o direito de participar do governo e sujeitar-se à filiação, à organização partidária e aos procedimentos criminais e cíveis (inclusive regras de votação, apuração, etc.) e, em especial, à preparação, regulamentação e apuração das eleições.” Para Ribeiro (1986, p. 12)...

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