Elementos do fato jurídico tributário em ato de revisão

AutorKarem Jureidini Dias
Páginas83-142
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CAPÍTULO III
ELEMENTOS DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
EM ATO DE REVISÃO
“A pretexto de ‘moralizar’ o direito, de ‘humanizá-lo’, e de fazer
seja lá o que for, acaba-se sempre por enfraquecer o direito, amo-
lecê-lo, arrancar-lhe os nervos e esvaziá-lo de sua substância.
Se diante de uma lei o Órgão Executivo ou o Órgão Judiciário
intenta a sua moralização ou aperfeiçoamento mediante uma ‘in-
terpretação’ que, moldando-a e adaptando-a ao caso concreto,
afaste ou reduza a injustiça ou imperfeição, então, o que se está
fazendo, na verdade, é subordinar a lei ao critério de moral ou de
perfeição da própria pessoa humana que exerce a função execu-
tiva ou judiciária. É extrair da lei precisamente aquilo que a faz
jurídica, esquecendo-se que a regra jurídica foi e é a única solu-
ção que o homem encontrou para regrar uma sociedade formada
e mantida por indivíduos que professam as mais diversas e até
contraditórias regras de Moral e Perfeição”.
Alfredo Augusto Becker89
1. O Paradoxo dos Elementos Colaterais
A norma geral e abstrata só atinge concretude com a posi-
tivação do direito na produção de norma individual e concreta.
89. Carnaval tributário, 2ª ed, São Paulo, Lejus, 1999, p. 102.
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KAREM JUREIDINI DIAS
A produção da norma individual e concreta está contaminada
por índices de eventos relatados nos fatos jurídicos. Dizemos
índices de eventos na acepção do termo usado pela semióti-
ca, para a qual os signos podem se apresentar de três formas,
quais sejam, ícones, índices ou símbolos. O processo cognos-
citivo caracteriza-se pela ideia gerada a partir da associação
entre o objeto e o signo. Na definição de Clarice von Oertzen
de Araújo,90 os ícones possuem similaridade com o objeto (e.g.,
foto), ao passo que os índices mantêm alguma relação existen-
cial com o objeto que representam (e.g., fumaça indica fogo),
e, por fim, os símbolos possuem relações convencionais com o
objeto que denotam (é a própria palavra).
Temos variados métodos hermenêuticos: axiológico, his-
tórico, sociológico, teleológico, lógico sistemático etc., sendo
que em todos os métodos estão presentes o enfoque do in-
térprete e sua carga axiológica. Como dizem os estudiosos
de Vilém Flusser,91 é uma questão de tradução. Cada método
hermenêutico neutraliza um aspecto e privilegia outro, mas
haverá sempre o enfoque do intérprete e a vontade humana.
Um mesmo evento poderá sofrer diferentes versões, a de-
pender da linguagem que lhe corresponda, fatos econômicos,
sociais, contábeis, históricos, políticos, e tantos outros, como o ju-
rídico. Se haverá sempre uma linguagem correspondente, a de-
pender do sistema de referência, é ontologicamente impossível o
“fato puro”. Também podemos já afirmar que o fato possível de
propagar efeitos no mundo jurídico é o fato jurídico tão somente,
ainda que sua base objetiva seja a mesma tomada para um fato
econômico ou contábil, como sói ocorrer no Direito Tributário.
O fato jurídico tributário, como produto de lei e de ativi-
dade administrativa vinculada, tem sempre natureza jurídica,
90. Fato e evento tributário – uma análise semiótica, in Eurico Marcos Diniz de Santi
(coord.), Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em home-
nagem a Paulo de Barros Carvalho, Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 336.
91. Florence Haret e Jerson Carneiro (coords.), Vilém Flusser e juristas: comemora-
ção dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho, São Paulo, Noe-
ses, 2009, passim.
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FATO TRIBUTÁRIO:
REVISÃO E EFEITOS JURÍDICOS
rechaçando-se, portanto, as interpretações de cunho econô-
mico, social, dentre outras. Queremos com tal assertiva escla-
recer que, apesar de o suporte fático do fato jurídico referir-se
eventualmente a uma realidade econômica (auferir renda),
por exemplo, ele é sempre uma tradução jurídica dessa reali-
dade. Também o conjunto dos suportes fáticos que compõe o
fato jurídico tributário deve ser interpretado tão somente no
contexto jurídico. É por isso que o Código Tributário Nacional
assevera que o fato gerador da obrigação tributária é a situa-
ção definida em lei. Da mesma forma é o fato jurídico tributá-
rio, que na hipótese da norma abstrata se subsume.
A Semiótica distingue o objeto imediato, representado no
signo, do objeto dinâmico, representado pelo signo. O objeto
imediato é inerente ao signo e pertence ao universo linguísti-
co. O objeto dinâmico, contudo, não depende do signo e pode
ser imaginário. Para o mesmo objeto dinâmico podem existir
inúmeros objetos imediatos.
O objeto dinâmico não cabe numa única representação,
nem no conjunto de representações. É por isso que Clarice
von Oertzen de Araújo92 diz que “toda codificação é uma re-
presentação parcial do universo codificado”. Haverá sempre
algum aspecto, alguma peculiaridade do objeto dinâmico que
será representada por um outro signo (objeto imediato) ou ja-
mais será representada.
Uma metalinguagem é redutora da linguagem-objeto. O
fato jurídico é apenas um recorte do fato social. Quando o legis-
lador elabora a norma abstrata, ele seleciona aspectos do fato
social para compor a hipótese de incidência da norma. A reali-
dade jurídica da hipótese de incidência reduz as complexidades
do acontecimento social. O fato jurídico da norma concreta re-
corta um acontecimento social, preferindo-o segundo um ponto
de vista jurídico, para enquadrá-lo à hipótese de incidência.
92. Fato e evento tributário – uma análise semiótica, in Eurico Marcos Diniz de San-
ti, Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a
Paulo de Barros Carvalho, Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 339.

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