Eles não são super-heróis

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REVISTA BONIJURIS I ANO 33 I EDIÇÃO 668 I FEV/MAR 2021
ELES NÃO SÃO SUPER-HERÓIS
Há uma foto do procurador Deltan Dallag-
nol, quando comandava a força-tarefa
da Lava-Jato, em que ele emula a cena do
filme Os Intocáveis, de 1987, perfilando-se
ao lado de seus principais auxiliares para uma
pose que ganharia as revistas e jornais.
A imagem faz pensar. Talvez, em algum mo-
mento, no auge de sua popularidade, os mem-
bros do Ministério Público penal, eufóricos com
as investigações bem sucedidas envolvendo gen-
te graúda da política e do empresariado, tenham
pensando que, ao entrar em uma cabine telefô-
nica, sairiam dela voando em capa colorida.
O quadro de paladinos da justiça mudou ou
ficou seriamente abalado quando, em junho de
2019, várias reportagens mostraram conversas
comprometedoras entre membros da Lava-Jato
e Sérgio Moro, quando ainda era o juiz titular
da 13ª Vara Federal em Curitiba. Na prática,
Moro atuava como chefe do Ministério Público,
ordenando investigações e pedindo a inclusão
de provas, em vez de agir, segundo o que prevê
a Constituição Federal, como figura neutra nos
processos que seguiriam depois para seu julga-
mento.
Mesmo com toda a sombra de suspeita, a ope-
ração Lava-Jato parecia disposta a seguir como
uma ilha, alheia a qualquer interferência que
fosse além dos limites da laureada e depois ar-
ranhada “República de Curitiba”. Recentemente,
procuradores se insurgiram contra o procura-
dor-geral da república, Augusto Aras, acusando-
-o de ferir a autonomia do Ministério Público ao
exigir o compartilhamento de informações.
Há um erro de interpretação constitucional
nesse aspecto que não custa reforçar: a carta
magna não menciona autonomia individual e
sim autonomia funcional. Ou seja, nunca houve
e não há autorização legal para que os procu-
radores atuem de modo apartado e sem presta-
ção de contas, como os membros do Ministério
Público Federal no Paraná querem fazer crer.
De acordo com o art. 127, parágrafo 1º, da Cons-
tituição, são princípios institucionais do Minis-
tério Público a unidade (todos são comandados
por uma mesma pessoa – no caso do , o pro-
curador-geral da república), a indivisibilidade (os
membros do  podem ser substituídos uns pe-
los outros, não ficam vinculados a um processo)
e a independência funcional (que está relaciona-
da à instituição e não ao ocupante do cargo). Na
prática isso significa que os poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário não podem intervir no ,
mas a instituição tem uma hierarquia interna e
ela deve ser respeitada. Se o Ministério Público
não tivesse autonomia funcional, ficaria impos-
sibilitado de exercer suas funções, uma vez que
boa parte das ações que ele move são justamen-
te contra o Executivo.
Não se deve diminuir a importância da opera-
ção Lava-Jato no cenário de combate à corrupção
no país. Ela definitivamente é uma referência
histórica. Só que isso não a autoriza a ultrapas-
sar fronteiras legais para atingir objetivos. Por
outro lado, não se pode tomar os casos pontuais
que envolvem o Ministério Público – houve er-
ros, mas também acertos – para desmerecer todo
o trabalho realizado até aqui pelo , pela Polícia
Federal e pelo Judiciário. É o que querem aqueles
que ainda respondem a processos, os que foram
condenados e os que amargam seus dias em pe-
nitenciárias espalhadas pelo território nacional.
Há um movimento capitaneado por facções
políticas e pelo cada vez mais ativo tribunal da
internet disposto a transformar em pó a força-
-tarefa que impôs penas duras a uma gama de
corruptos. Cabe reforçar: o Ministério Público é
independente e sua independência está relacio-
nada à instituição, jamais a seus membros.
Boa leitura!
EDITORIAL

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