Embargos de terceiro

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas671-680

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435. Conceito

O princípio geral é que somente o patrimônio do devedor fica sujeito à execução (NCPC, art. 789),1embora haja as exceções de responsabilidade de terceiros contempladas no art. 790.2Por isso, quando a execução ultrapassar os limites patrimoniais da responsabilidade pela obrigação ajuizada, o terceiro prejudicado pelo esbulho judicial tem a seu dispor o remédio dos embargos de terceiro (NCPC, art. 674).3No conceito de Liebman esses embargos são ação proposta por terceiro em defesa de seus bens contra execuções alheias.4No direito pátrio, os embargos de terceiro visam a proteger tanto a propriedade como a posse e podem fundamentar-se quer em direito real quer em direito pessoal, dando lugar a uma cognição imediata sobre a legitimidade ou não da apreensão judicial.

Segundo a tradição de nosso direito, espelhada no regime adotado pelo Código anterior, os embargos de terceiro eram um procedimento sumário, tanto no rito (que era o das medidas cautelares)5, como nos limites do acertamento judicial em torno da controvérsia objeto da demanda.

A lide nos embargos se referia apenas "à exclusão ou inclusão da coisa na execução e não aos direitos que caibam ao terceiro sobre a coisa, mesmo quando deles se tenha discutido".6O sistema adotado pelo NCPC é completamente diverso: (i) o procedimento a observar nos embargos de terceiro não é mais o sumário, e sim o procedimento

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comum (art. 679), e (ii) a sentença que os acolher determinará o cancelamento do ato de constrição indevido, "com o reconhecimento do domínio, da manutenção da posse ou da reintegração definitiva do bem ou do direito ao embargante" (art. 681).

De tal sorte, no regime inovado pelo CPC de 2015, os embargos de terceiro configuram ação autônoma, de natureza constitutiva, e com aptidão para acertamento definitivo e exauriente da lide neles debatida, bem como com força capaz de gerar coisa julgada material em torno do direito dominial ou da posse reconhecidos ou negados ao embargante (art. 681).

O NCP deixa claro que os embargos podem ser manejados tanto em caráter repressivo como preventivo, ou seja, podem tanto objetivar a desconstituição do ato judicial impugnado, como impedir aquele apenas ameaçado (art. 674).

A melhor conceituação dos embargos de terceiro é, portanto, a que vê nesse remédio processual uma ação de natureza constitutiva, que busca desconstituir o ato judicial abusivo, restituindo as partes ao estado anterior à apreensão impugnada.7436. Legitimação ativa

Legitimado ativo dos embargos de terceiro é aquele que, não sendo parte no processo, vem a sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial (NCPC, art. 674).

Considera-se, também, terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação (art. 674, § 2º, I).8Nessa circunstância, não importa o fato de ter sido, ou não, o cônjuge intimado da penhora, já que seu comparecimento nos embargos se dá a título jurídico diverso daquele com que se lhe fez a intimação. Por isso, ao contemplar a defesa da meação em posição particular, dentre os casos de embargos de terceiro, o Código teve a evidente intenção de reconhecer ao cônjuge, em qualquer tempo, a qualidade de terceiro para demandar a exclusão de seus bens da injusta apreensão judicial.9

Numa só hipótese o cônjuge não poderá interpor embargos de terceiros em defesa de meação ou dos bens reservados: é quando a ação for proposta diretamente contra ele, na qualidade de litisconsorte, sob a afirmação, na inicial, de que se trata de dívida contraída pelo consorte a bem da família (art. 73, § 1º, nº III).10É que, nesse caso, a

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questão da responsabilidade da meação ou dos bens reservados já, de início, integra o objeto da lide, de maneira que não poderá ser subtraído ao alcance do julgamento da causa principal. Aqui, sim, estará o cônjuge jungido a defender-se apenas nos embargos de devedor.11Também não poderá fazê-lo na hipótese do art. 84312do NCPC, que trata da penhora de bem indivisível do casal. O montante que compete ao cônjuge que não é parte na execução recairá sobre o produto da alienação do bem, não se podendo impedir a constrição.13É parte legítima para os embargos de terceiro, ainda, aquele que for prejudicado pelo reconhecimento da fraude à execução. Trata-se do adquirente que acreditava estarem livres e desimpedidos os bens que lhe foram alienados, mas que, posteriormente, se deparou com constrição decorrente do reconhecimento, em favor do exequente, de fraude à execução (art. 674, § 2º, II14). A jurisprudência já havia assentado, na vigência da codificação anterior, que a fraude contra credores não poderia ser objeto de embargos de terceiro,15mas a fraude à execução sim16.

Não há, aqui, grande novidade em relação ao regramento anterior. O novo Código apenas encampa esse entendimento jurisprudencial e consigna expressamente a legitimação do terceiro adquirente de bem alienado em fraude, para que este discuta a licitude da alienação ou sua boa-fé no ato de aquisição, como se viu nas discussões sobre a Súmula nº 37517do STJ acerca dos arts. 593, II c.c 659, § 4º, do CPC/1973.

Há, porém, novidade em relação à legitimidade do sócio ou associado que, diante da desconsideração da personalidade jurídica de sociedade da qual participe e não tendo sido parte do incidente mencionado nos art. 133 a 13718do NCPC, sofre constrição judicial de seus bens (art. 674, § 2º, III19). Havendo, porém, sua participação no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, esse será a sede própria para discussão da matéria.

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Também o credor com garantia real pode usar os embargos de terceiro para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, desde que não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios (art. 674, IV).20A mesma faculdade assiste ao compromissário comprador, desde que possua contrato devidamente formalizado, celebrado e inscrito no Registro Público em data anterior à apreensão judicial,21com fundamento em seu direito real de aquisição. Mesmo que não esteja registrado o compromisso, viável será o manejo dos embargos se o compromissário comprovar posse efetiva sobre o bem desde época anterior à penhora.22Nesse caso, defende-se a posse e não diretamente o direito real de aquisição.

Quando o juiz da execução delibera atingir bem de terceiro, em casos como,

v.g., o daquele que adquiriu o bem litigioso ou do adquirente de bens em fraude de execução, ou de qualquer outro que tenha interesse em embargar, cumpre-lhe ordenar que o terceiro interessado seja intimado pessoalmente (art. 675, parágrafo único).

437. Legitimação passiva

Legitimado passivo é o exequente - isto é, aquele que promove a execução e provoca, em seu proveito, o ato constritivo impugnado (NCPC, art. 677, § 4º)23- e, às vezes também o executado, quando a nomeação de bens partir dele.24 - 25A participação do devedor, em qualquer caso, é de ser sempre admitida, desde que postulada como assistente, na forma dos arts. 119 a 124.26438. Valor da causa

O valor da causa, nos embargos de terceiro, deve ser o dos bens pretendidos e não o valor dado à causa onde foram eles objeto de apreensão judicial, consoante

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jurisprudência fixada por nossos tribunais no regime do Código anterior.27Não poderá, entretanto, superar o valor do débito exequendo, já que, em caso de eventual alienação judicial, o que ultrapassar esse valor será destinado ao embargante e não ao exequente embargado.28Se a penhora impugnada já se acha consumada, o valor dos embargos levará em conta a avaliação constante do processo executivo, a exemplo do que se passa com a ação de reivindicação, com cujo objetivo os embargos de terceiro guardam estreitas semelhanças de ordem prática (NCPC, art. 292, IV).29Haverá, porém, de ser respeitado o limite do valor da execução, visto que está em jogo, no ato constritivo, não o valor total do bem penhorado, mas apenas a parcela de seu preço que será empregada na satisfação do direito do exequente.

439. Competência

A competência para processamento e julgamento dos embargos de terceiros é do juiz que ordenou a constrição (NCPC, art. 676),30isto é, do que expediu o mandado de penhora ou de apreensão judicial. Nos casos de carta precatória, a competência é do juiz deprecado.31Quando, porém, a designação do bem a penhorar é feita, expressamente, pelo juiz deprecante, como, por exemplo, se dá nas execuções de garantia reais, falece ao juiz deprecado competência para examinar e decidir embargos de terceiros que tenham por objetivo o bem penhorado. Só o próprio juiz deprecante poderá rever seu ato executivo.32440. Oportunidade

A oportunidade para interposição dos embargos de terceiro ocorre a qualquer tempo no curso da execução, desde a determinação da apreensão judicial até cinco

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dias depois da arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta (NCPC, art. 675).33O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, à época da codificação anterior, já entendeu ser possível a oposição dos embargos mesmo após o trânsito em julgado da sentença, ao fundamento de que "a coisa julgada é fenômeno que só diz respeito aos sujeitos do processo, não atingindo terceiros".34Acontece que, referindo-se o ato impugnado a processo de conhecimento, a lei só permite os embargos de terceiro "enquanto não transitada em julgado a sentença" (art. 675). A coisa julgada, contudo, continuará não oponível ao terceiro prejudicado. Sua defesa, todavia, não haverá de ser praticada pro meio dos embargos de terceiro, porquanto já preclusa a oportunidade de usá-los. Restar-lhe-á, nessa altura, a via ordinária do processo cognitivo.

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