Embriaguez Habitual ou em Serviço (Art. 482, f, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas194-205

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1. Generalidades e conceito

Segundo o Dicionário Hoauss, a embriaguez é "o estado causado pela ingestão de bebidas alcoólicas; embriagamento". Na doutrina, ela é definida como a "intoxicação produzida pelo álcool ou outra substância equivalente capaz de afastar transitoriamente o equilíbrio emocional do agente ou omitente"202.

Pela Associação Médica Britânica, a embriaguez é o estágio em "que o indivíduo está de tal forma influenciado pelo álcool, que perdeu o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência o trabalho a que se consagra no momento"203.

Já para a Organização Mundial de Saúde o alcoolismo é definido como "o estado psíquico e também geralmente físico, resultante da ingestão do álcool, caracterizado por reações de comportamento e outras que sempre incluem uma compulsão para ingerir álcool de modo contínuo e periódico, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e, por vezes, evitar o desconforto da sua falta; sua tolerância, podendo ou não estar presente"204.

Essas são as razões pelas quais o legislador incluiu a embriaguez habitual ou em serviço como motivadora da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, embora se registre que, na atualidade, há entendimento de que essa justa causa devesse ser excluída do rol do art. 482 da CLT, em virtude de se tratar de uma doença que recomenda o seu tratamento para que o empregado retorne a sua atividade e vida normal.

Nesse contexto, o ato faltoso que se configura justa causa poderá ser conceituado como todo o ato de embriaguez por álcool, ou por outras substâncias tóxicas (cocaína, ópio, maconha etc.) que, pela sua habitualidade no serviço ou fora dele, ou ainda em decorrência de único ato, acarretam efeitos nocivos para o trabalhador em serviço, e consequentemente prejudicando a continuidade do vínculo empregatício.

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2. Campo de aplicação

Pelo disposto na alínea/do art. 482 da CLT, ajusta causa será cabível na hipótese de embriaguez habitual ou em serviço.

Assim, a norma legal quando fala em embriaguez habitual está compreendendo que ela poderá ocorrer no trabalho ou fora dele.

Quando a embriaguez em serviço ela poderá ser originada de um estado de embriaguez já habitual ou de uma situação isolada que venha a causar prejuízo na qualidade do serviço, ou de risco para o empregador como se dá com um motorista que dirige alcoolizado.

Assinala Russomano que "a embriaguez pode ser motivada pelo álcool (tradicionalmente, a sua forma mais comum), mas também pode ser resultante do uso de dezenas de outras substâncias tóxicas e entorpecentes: morfina, cocaína, ópio, seus derivados, bem como os estimulantes, tão generalizados hoje em dia. A lei não distinguiu. Estipulou, somente, que a embriaguez, na forma referida, constitui justa causa. É de se entender, pois, que, qualquer que seja o tóxico usado, esse fato autoriza a dispensa do trabalhador, visto que as consequências que dele resultam para a relação de emprego são sempre as mesmas"205.

Segundo a Organização Mundial da Saúde que a classificou em três categorias distintas - psicose alcoólica, síndrome de dependência do álcool e abuso alcoólico, sem dependência, atribuindo a cada delas, um Código Internacional de Doenças (CID), o alcoolismo é moléstia crónica e incurável, tendendo à desagregação total da personalidade, embora em muitos casos possa ser posta sob controle, muitas vezes levando até a morte prematura do usuário do álcool em razão da manifesta dependência. Aqui, vale acrescentar notícia veiculada no site do Tribunal Superior de Trabalho (13.8.09) que registra caso em que foi determinada a reintegração do empregado que sofre de alcoolismo crónico, na qual está expressa que "desde 1967, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o alcoolismo uma doença e recomenda que o assunto seja tratado como problema de saúde pública pelos governos. No Brasil, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o álcool contribui para 50% das faltas ao serviço e é responsável por 40% dos acidentes de trabalho. Especialistas explicam que o consumo de bebida alcoólica muitas vezes ajuda o trabalhador a enfrentar situações de perigo e tensão no emprego, no entanto, esse comportamento, além de ocasionar outras enfermidades, também provoca danos socioeconômicos para ele e a família".

Efetivamente, a atividade do trabalhador também pode influenciar na busca pela bebida. Muitas profissões poderiam ser enumeradas que acarretam situações de desgastes emocionais e outros problemas que exigem tensões as vezes desmedidas no exercício da função que atraem, como compensação, o uso da bebida para equilibrar a penosidade. Lembramos do bombeiro, trabalho a bordo etc. Em relação ao motorista, Patrícia Cristina Paiva Portes Silveira, fazendo uma pesquisa sobre as implicações do cotidiano laborai na saúde física desse profissional aponta que "durante a pesquisa, constatamos a forma pela qual os diversos elementos expostos acima, tais como o medo dos assaltos, os conflitos com os passageiros e com outros motoristas, o sen-

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timento de injustiça, o cansaço acumulado, a impaciência, mas também algumas manifestações de reconhecimento, terminam por confundir durante a jornada, fazendo com que um conjunto de sensações e afetos os atinja em intervalos relativamente curtos. Se em um momento há um passageiro agradecendo o serviço prestado, instantes depois há outro - se não o mesmo - reclamando por uma falta que julga ter sido cometida pelo motorista". Mais adiante a autora afirma sobre o alcoolismo e diz que "todos os entrevistados admitiram que muitos colegas faziam uso intensivo da bebida alcoólica e que alguns chegavam a se tornar dependentes. Seja como for, o álcool é um dos recursos mais frequentemente adotados por eles para conseguirem lidar com experiências impostas pela profissão"206.

Também não é só o organismo do indivíduo que sofre as agruras do ato de beber sem controle, mas as suas reações que podem ser imprevisíveis. A embriaguez pode também ser encontrada em várias fases, como a de excitação, de confusão e sono, e variando de pessoa para pessoa, já que não depende da quantidade, mas da respectiva frequência. O peso, a idade e o sexo são fatores que podem contribuir para o estado de embriaguez.

Só para ter uma ideia dos problemas causados pelos empregados alcoólatras, Prunes aponta os seus efeitos decorrentes, os quais foram levantados pela psicóloga Sílvia Schneider, publicado na Revista Amanhã207, assim classificados: "a) frequentes faltas ao trabalho, principalmente nas segundas-feiras e após as folgas; b) frequentes atrasos; c) elevado número de atestados médicos, d) aumento do uso de bebida alcoólica no dia do pagamento salarial; e) elevado índice de acidentes do trabalho; f) desvio de desempenho; g) baixa produtividade; h) dificuldade de relacionamento: brigas, irritabilidade, insubordinação; i) aumento de pedidos de empréstimos; j) falta de projetos de vida. Estes fatos, quando não se constituem em outra espécie de falta, assim mesmo transformam o assalariado numa pessoa indesejável pelo empregador e pelos próprios colegas de serviço"208.

O grande problema está naquelas pessoas que ficam influenciadas pelo álcool numa forma em que perde totalmente o controle sobre a bebida, caracterizando-se, no caso, em uma embriaguez patológica. Nesse caso, a pessoa sofre do alcoolismo crónico, catalogado no Código Internacional de Doenças com a nomenclatura de "síndrome de dependência do álcool". Nesse estágio, o empregado não poderá ser dispensado com suporte em justa causa, operando-se, portanto, nesse caso, a suspensão do contrato de trabalho para tratamento médico.

Imagine-se um motorista que não é alcoólico, sabe da sua responsabilidade na condução de ônibus com transporte de passageiros e que resolve abusar da bebida. Se esse empregado ficar embriagado com atitudes incompatíveis com a prudência e diligência necessária para o exercício da função de motorista irá incidir em justa causa, pois com o seu ato estará arriscando a sua vida, a dos passageiros e do património do empregador. Essa situação, conforme assinala Sérgio Pinto Martins "pode ser considerada como espécie de mau procedimento, pois uma pessoa normal não se apresenta embriagada. Entretanto, com ele se confunde. A embriaguez consiste

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no ato de o empregado ficar embriagado. O mau procedimento é qualquer outra falta que não puder ser elencada nas demais alíneas do art. 482 da CLT"209.

É certo também que o Decreto-lei n. 3.688/41, considera como contravenção penal a embriaguez, quando a pessoa se apresente "publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia". Em tais situações, fica patente que se o empregado ficar embriagado em sua casa não estará cometendo nenhum ato ilícito, embora a rigor toda pessoa não devesse extrapolar na bebida e sim limitar o seu uso para não cair num quadro patológico.

Portanto, é preciso distinguir o ato de beber, que não é proibido, com o ato de embriaguez ou de dependência química que extrapola o relacionamento normal que deve imperar em todas as relações humanas, notadamente a profissional em que pode envolver riscos. Quando ocorre o extrapolamento no uso da bebida, o trabalhador passa de uma situação normalmente aceitável pela sociedade para o vício propriamente dito, dele dependente e desaguando numa doença que precisa ser tratada adequadamente.

Nessa conformidade, a aplicação da justa causa para um empregado acometido da doença do alcoolismo crónico ou de uso de tóxicos que o torna dependente químico, não encontra amparo na...

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