Empoderamento': fundamentos históricos e ideológicos e práxis política feminista

AutorLívia de Cássia Godoi Moraes
CargoDocente do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo
Páginas311-329
“EMPODERAMENTO”: fundamentos históricos e ideológicos e práxis política feminista
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Lívia de Cássia Godoi Moraes
2
Resumo
O intuito deste artigo é apresentar os fundamentos históricos e ideológicos do termo “empoderamento”, fazendo uma
abordagem às raízes e as funções que cumprem o “empoderamento” nas estratégias políticas propostas pelos movimentos
feministas desde a décad a de 1980. Depois de ter con stituído uma dimensão importante do projeto feminista antiopressivo,
a noção de “empoderamento” se difundiu rapidamente nos anos 1990 e se converteu em uma “palavra da moda”. A
institucionalização das questões de gênero por organismos multilate rais fomentou a divulgação do termo “empoderamento”
como proposta de prática política. Nesses organismos, o “empoderamento” assumiu caráter liberal. Dentro de movimentos
sociais, entretanto, o termo “empoderamento” tem aparecido como sinônimo de fortalecimento da autonomia dos/das
oprimidas/os .Através de revisão bibliográfica e com base no materialismo histórico dialético, busca desvelar o caráter
ideológico e as bases materiais do termo para fins de estratégia política de enfrentamento ao capitalismo como totalidade e
às opressões particulares a ele articuladas.
Palavras-chave: Empoderamento. Ideologia. Feminismo. Capitalismo. Práxis política.
“EMPOWERMENT”: historical and ideological fundamental sand feminist political praxis
Abstract
The purpose of this article is to present the historical and ideological foundations of the term “empowerment”, ap proaching
the roots and functions that “empowerment” fulfills in the political strategies proposed by feminist movements since the
1980s. An important part of the anti-oppressive feminist project, the notion of “empowerment” spread rapidly in the 19 90s
and became a “fashionable word”. T he institutionalization of gender issues by multilateral organizations fostered the
dissemination of the ter m “empowerment” as a proposal for political practice. In these or ganisms, “empowerment” took on a
liberal character. Within social movements, however, the term “empowerment” has appeared as a synonym for strengthening
the autonomy of the oppressed. Through a bibliographic review and based on dialectical historical materialism, it seeks to
reveal the ideological character and the material bases of the term for the purposes of political strategy to confront capitalism
as a totality and the particular oppressions articulated to it.
Keyword: Empowerment. Ideology. Feminism. Capitalism. Political praxis.
Artigo recebido em: 19/09/2021 Aprovado em: 20/05/2022
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v26n1p311-329
1
Agradecimento às leituras, diálogos e contribuições de Emilly Marques e Roberto Vervloet sobre a primeira versão deste
artigo.
2
Docente do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Polít ica Social da Universidade
Federal do Espírito Santo. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Práxis. Pesquisadora d o Grupo de Estudos
sobre Teoria da Reprodução Social. E-MAIL: liviamoraes@outlook.com
Lívia de Cássia Godoi Moraes
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1 INTRODUÇÃO
A palavra/termo/conceito “empoderamento”1 está presente na maioria dos debates,
movimentos, rodas de conversa, lutas sociais, publicações e falas dos coletivos feministas na
atualidade. Mas o que significa “se empoderar”? De antemão, o que se sabe é que “empoderamento”
tem, em sua raiz semântica, uma relação com poder. Mas de que poder se fala? Esse poder é
individual ou coletivo? Esse “empoderamento” vem de fora ou do interior das pessoas? O
“empoderamento” envolve questões materiais ou é meramente subjetivo?
No âmbito do senso comum e do cotidiano das mulheres que reproduzem em suas falas a
necessidade do “empoderamento”, temos por hipótese que pouco se questiona sobre tais bases ou o
que realmente se tem por objetivo em tal processo.
Cronin-Furman, Gowrinathan e Zakaria (2017) chegaram à conclusão de que, a despeito
de, ou, até mesmo, em razão de(a), falta de clareza na definição do termo “empoderamento” possibilita
que ocorra a arrecadação comprovada de bilhões de dólares advindos do Ocidente para o Oriente, em
nome do “empoderamento” das mulheres. Isso resolve os dilemas postos socialmente às mulheres na
sociedade do capital?
Sob a perspectiva de que “sexismo está entranhado em sua própria estrutura [da
sociedade capitalista]”, conforme mencionam Arruza, Bhattacharya e Fraser (2019, p. 51), e, em acordo
com as bases da Teoria da Reprodução Social2, temos que a reprodução social está integrada, de
forma subordinada, à acumulação de capital. Assim, a luta de classes abarca também a reprodução
social, âmbito no qual a vida e a força de trabalho têm por objetivo serem supridas suas condições
materiais, sociais e culturais. O “empoderamento” abarca essa totalidade?
Há uma polissemia, bem como imprecisão e naturalização em torno dessa noção.
Portanto, se faz necessário conhecê-la melhor. O exercício que se propõe aqui, neste artigo, em virtude
da mencionada hipótese, é, através de revisão bibliográfica e do materialismo histórico dialético,
desvelar os fundamentos históricos, teórico-metodológicos e políticos dos usos do termo. O
desenvolvimento do artigo se dá da seguinte forma: em um primeiro momento, buscamos aba rcar seus
fundamentos históricos e sua trajetória, que não é linear nem consensual; a segunda parte do artigo
compreende as diferenças entre “empoderamento” libertador e “empoderamento” liberal e os objetivos
políticos em torno dos quais o termo é apropriado e, por fim, concluímos o artigo com o intuito de
responder se o termo/prática política “empoderamento” cabe a uma luta feminista revolucionária3.

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