Empregado

AutorAugusto César Leite de Carvalho
Ocupação do AutorPossui mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Direito das Relações Sociais
Páginas127-168

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7. 1 O conceito de empregado a partir da realidade social

O direito do trabalho está vocacionado à regulação do vínculo jurídico que, nos moldes alinhados ao sistema capitalista e à concepção de empresa, envolve a atividade do homem em processo de produção de bens ou serviços. Houve, por isso, quem procurasse conceber o trabalhador, regido pelo direito laboral, como aquele que pertencesse a uma determinada classe social. Em suma, seria protegido pelo direito do trabalho o integrante da classe dos trabalhadores. A inexatidão dessa ideia fora, porém, anotada com acuidade cirúrgica pelo autor mexicano Mario de la Cueva311:

O conceito classe social [...] é de natureza político-econômica, não é de natureza jurídica e não está apto a explicar a categoria jurídica trabalhador. Ademais, não se compreende por que é preciso que, antes de se deinir a existência de uma relação jurídica de trabalho, deva--se colocar a pessoa dentro de uma classe social. Na realidade ocorre o inverso, ou seja, a existência de uma relação de trabalho determinará que o trabalhador, na perspectiva da posição que ocupa no fenômeno da produção, inclua-se na classe trabalhadora.

O critério, aqui como no México, haveria de ser o legal. Se era inviável identificar o destinatário da tutela trabalhista a partir do conceito de classe social, restava a alternativa de a lei lhe traçar o peril, indicando quem seria, ainal, o trabalhador protegido pelo novo ramo do direito – numa frase: quem haveria de ser o empregado.

7. 2 Conceito legal de empregado Requisitos da prestação laboral

Bem se vê que a relação jurídica é deinida, inclusive quanto à sua norma de regência, por um de seus sujeitos, o trabalhador. No Brasil, o conceito de empregado está contemplado no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, litteris:

Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Desse conceito legal se extraem os quatro elementos básicos da prestação de trabalho que servem à identificação do empregado. A saber:

- da alusão à pessoa física se infere a pessoalidade;

- na referência ao serviço de natureza não eventual um segundo e decisivo elemento, a não eventualidade;

- a dependência ao empregador implica, como veremos adiante, a subordinação jurídica;

- ao lembrar o salário, como contrapartida do trabalho, o legislador enfatiza a onerosidade como quarto e derradeiro pressuposto da prestação laboral que denuncia a caracterização do empregado e, via de consequência, da relação jurídica de emprego.

O conceito legal de empregado identifica o destinatário da proteção trabalhista, já o dissemos. O que parte expressiva da doutrina reclama, contudo, é a aparente fossilização dessa diretriz legal, que ignora a atual existência de outros trabalhadores subordinados carentes de proteção

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jurídica, deixando-os ao desamparo, ao tempo em que estende seu manto protecionista em favor de altos-empregados (gerentes, diretores técnicos etc.), aptos à livre negociação. Em meio a vários excertos doutrinários, sempre no mesmo sentido, conclui Robortella312:

A tendência é substituir a noção única de subordinação por subordinações diferenciadas, com a consequente gradação protetora, inclusive quanto aos limites de derrogabilidade da lei estatal através de contratos coletivos.

O grau de proteção deve centrar-se mais na debilidade contratual do que na intensidade da subordinação; a necessidade econômica e social é que determinará maior ou menor incidência da regra tutelar, num verdadeiro reencontro do direito do trabalho com a teoria da hipossuiciência.

Talvez atenuando o rigor desse viés crítico, o sistema de normas sociais ou trabalhistas tem abrandado o seu caráter protetivo em favor de altos-empregados313, reduzindo, quanto a estes, o nível de proteção. Por outro lado, o mesmo sistema jurídico serve, há algum tempo, à tutela do trabalhador avulso (artigo 7º, XXXIV, da Constituição) e do trabalhador rural que não se enquadra na condição de empregado (artigo 17 da Lei n. 5.889/73), por exemplo.

Embora nos pareça auspiciosa a proposta de a lei graduar a proteção jurídica na proporção direta em que ocorrer a dependência do empregado ou sua debilidade contratual, decerto que continuará demandando essa tutela, em grau acentuado, enorme contingente de trabalhadores que prestam serviço pessoal, subordinado, não eventual e oneroso. E porque a estes volta sua especial atenção o direito do trabalho, cabe consolidar o nosso conhecimento sobre cada uma dessas características, reveladoras do contrato de emprego.

Antes, porém, e ainda sobre os elementos essenciais da prestação de trabalho (pessoalidade, não eventualidade, subordinação jurídica e onerosidade), uma observação pertinente do professor José Augusto Rodrigues Pinto314:

Em primeiro lugar, considere-se que os elementos essenciais são concorrentes, ou seja, a ausência de qualquer deles basta para a desiguração do empregado. Isso mostra ser falsa, apesar de generalizada, a crença em que, havendo subordinação, se identifica o empregado, quando, na verdade, a identificação só estará completa se ela vier acompanhada da pessoalidade (seu corolário indispensável), da onerosidade e da permanência.

7.2. 1 A pessoalidade

Regra geral, o trabalhador é contratado porque nele o empresário vislumbra o temperamento adequado, o conhecimento técnico ou a aptidão necessária ao cultivo de sua terra, ao torque de sua engrenagem industrial ou à mercancia que porventura desenvolva. No âmbito dos fatos, o empresário o quer em harmonia com os demais itens de seu empreendimento, sujeitando tal trabalhador, sua inteligência e sua técnica, aos interesses da empresa. Em suma, o empresário escolhe o trabalhador que a ele quer subordinado.

E por isso o obreiro não pode se fazer substituir por outro colega de ofício, sem a anuência do patrão. A relação de trabalho se inicia mediante o ajuste de vontades, o contrato em que o empregador investe na virtualidade individual (a expressão é de Rodrigues Pinto) desse seu novo empregado. Logo, para o empregado a obrigação é infungível, personalíssima (intuitu personae). O empregado, na síntese feliz de Martins Catharino315, obriga-se a trabalhar pessoalmente. Nessa medida, o empregado haverá de ser pessoa física, por lógica dedutiva.

Ante um caso concreto, vale dizer, evidenciando-se numa relação laboral qualquer a existência de cláusula contratual que exige a prestação pessoal de trabalho, parece fácil concluir que houve ou

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relação de emprego – desde que não sobrem dúvidas sobre a presença dos outros elementos essenciais da prestação laboral. É preciso atentar, contudo, para dois aspectos da pessoalidade ora examinada: primeiro, impende ver que o caráter pessoal é inerente à prestação de trabalho e diz respeito, exclusivamente, ao empregado; segundo, insta lembrar que a aquiescência do empregador pode permitir a substituição do empregado, sem desiguração ou necessário desfazimento do liame de emprego.

Quanto à primeira dessas nuances da pessoalidade, basta lembrar o ensinamento de Martins Catharino316, litteris: “Via de regra, o empregado celebra contrato com o empregador pessoalmente, mas nada impede possa fazê-lo por representante ou mensageiro, e, até, por telegrama ou carta”. Quisesse o douto tratadista atualizar sua obra e, certamente, referir-se-ia às facilidades da comunicação por via eletrônica, especialmente via internet. O empregado pode se fazer representar na contratação, mas não na execução do contrato, por conseguinte.

Ademais, a pessoalidade ou infungibilidade da prestação de trabalho não importa dizer que também o empregador está impedido de se fazer substituir por outro empresário, no curso do contrato de emprego. Veremos, quando estudarmos o outro sujeito da relação empregatícia, que a sucessão de empregadores é possível, sem rompimento do vínculo.

O segundo aspecto da pessoalidade concerne à substituição do empregado por anuência, expressa ou tácita, do empregador. A lição é, uma vez mais, de José Martins Catharino317:

Não há, imposta por lei, sucessão de empregados [...], mas nada impede, pela ou com a vontade do empregador, que o empregado, respectivamente, seja substituído por outro ou se faça substituir.

Quanto à primeira hipótese, de substituição da iniciativa do empregador, não há dúvida alguma: o substituto, como o substituído, é empregado, apenas o contrato de emprego com o primeiro, por força mesmo da substituição, pode conter termo ou condição resolutiva (art. 475, §1º e 450 da CLT).

Quanto à segunda hipótese cogitada por Catharino, a de substituição por iniciativa do empregado, a situação se presta a...

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