A empresa que financia outras do mesmo grupo não se caracteriza como instituição financeira

AutorArnoldo Wald
Páginas275-289

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"Ainsi, qu'ils se présentent sous une forme élémentaire ou sous Ia forme plus élaborée d'avances en compte courant, les prêts entre sociétés membres constituent un aspect majeur de Ia vie du groupe, qui accède par ce moyen à Ia globalité sou-haitable de Ia trésorerie.

"(...) Ia Commission de controle des banques, a admis que le fait par une so-ciété de recevoir des fonds d'une société apparentée ne portait pas atteinte au monopole bancaire. La qualification de fonds reçus du public est écartée soit au profit des sociétés liées par un rapport de filiation, soit au profit des sociétés 'unies dans leurpatrimoine et leur activité' (...)" Michel Cabrillac (Prefácio à obra de Daniel Ohl, Les Prêts et Avances entre Sociétés d'un Même Groupe, Librairies Techniques, Paris, 1982, p. 7).

"Os negócios de um banqueiro, seus negócios propriamente ditos não começam quando ele utiliza seu próprio capital; eles só começam quando ele utiliza o capital dos outros" (Bagehot, apudCarlos da Rocha Guimarães, in Repertório Enciclopé-dico do Direito Brasileiro, v. 5°, p. 314, n. 17).

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"Ora, a realização de empréstimos, com meios próprios e sem captação de recursos de terceiros, não se pode equiparar às atividades específicas das instituições financeiras, que consistem, como expresso no texto legal, na 'coleta, interme-diação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros'. O traço característico das chamadas 'financeiras' é a captação de recursos do público em geral para investimentos financeiros, cujos resultados são atribuídos aos respectivos subscritores" (Acórdão do Tribunal Federal de Recursos, 2A Turma, HC 2.555-ES, Relator Ministro Godoy Ilha, 9.8.1971).

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"Vigora no seio deste Banco Central o entendimento de que a atividade financeira, tal como concebida nos arts. 17 e 18 da Lei n. 4.595/1964 e art. P da Lei n. 7.492/1986, exige que a sua captação, intermediação ou aplicação de recursos a que aludem tais dispositivos implique

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intromissão especulativa nos mercados financeiros e de capitais, isto é, exploração do dinheiro como mercadoria, visando a obtenção de lucro" (Informação do Banco Central que consta no HC 4.783, julgado pela 5- Turma do STJ, em 26.5.1997).

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"(...) para uma empresa se caracterizar como instituição financeira de fato, em desrespeito assim aos termos do art. 17, combinado com o art. 18, da Lei n. 4.595/1964, é imprescindível que se posicione como intermediadora, ou seja, capte recursos do público e os mutue a terceiros" (Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, Recurso 2.461, Relator Conselheiro Marcos António Barreto Barbosa, in DOU 26.6.1998, p. 87).

Ementa: O grupo societário constitui uma unidade económica e financeira, sendo pois uma sociedade, ou uma "sociedade de sociedades", cujas relações jurídicas internas têm um regime jurídico próprio.

As empresas integrantes do grupo não podem ser consideradas como sendo terceiros, umas em relação às outras, e não se caracterizam como sendo "o público" para fins de captação ou aplicação de recursos.

As operações bancárias que constituem o monopólio das instituições financeiras são aquelas nas quais há, sucessivamente, captação de recursos, mediante depósitos do público, intermediação dos mesmos e sua aplicação em favor de terceiros. É a interpretação que foi dada ao art. 17 da Lei n. 4.595/1964 pelo próprio Banco Central, seus consultores, a legislação posterior, a jurisprudência dos tribunais e do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional e a doutrina, prevalecendo também no direito comparado.

Nas operações intragrupais, não há captação de recursos do público, nem utilização dos mesmos para financiar terceiros, não se caracterizando, pois, tais ne-gócios jurídicos como sendo de caráter bancário, do mesmo modo que não o são os empréstimos realizados, no seio da família, entre pai e filhos e até entre irmãos.

A criação de companhia especializada na área financeira, dentro do grupo, para atender exclusivamente os seus interesses, não necessita, pois, de autorização do Banco Central, não tendo o caráter de instituição financeira, para os fins da Lei n. 4.595/1964.

1. A consulta
  1. A Companhia A nos consulta a respeito da possibilidade de estruturar uma holding financeira dentro do Grupo X, que não seja considerada como instituição financeira pelo Banco Central para fins de aplicação da legislação bancária.

  2. O Grupo detém participações majoritárias em três empresas operacionais (Companhia A, Companhia B e Companhia Q que seriam controladas por uma holding, na qual a Companhia D (empresa estrangeira) teria cerca de 60% e os minoritários 40%. A ideia que nos é submetida consiste na criação, ao lado da holding controladora, de outra empresa de caráter financeiro, subsidiária integral da Companhia D, que funcionaria como caixa única do grupo no Brasil. A empresa financeira deteria 2% áâ holding controladora. Assim, a Companhia D passaria a ficar, diretamente, com 58% e, indiretamente (pela empresa financeira), com 2% da holding acionária.

  3. Segundo informa a Consulente, a criação da holding financeira se justifica por interesses ligados ao atendimento dos limites de endividamento global e permitiria obter créditos com menor custo, para repasse às empresas operacionais, além de dinamizar e rentabilizar a gestão financeira de todo o grupo no Brasil.

  4. Em documento que nos foi apresentado o esquema acionário é pois o seguinte:

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    [VER PDF ADJUNTO]

  5. É preciso esclarecer que a empresa financeira que, a título hipotético, chamaremos de X Project Finance (XPF), atuará em nome próprio, no mercado internacional e nacional, assumindo, conforme o caso, o papel de mutuante (quando repassa os recursos às sociedades operacionais) ou de mutuária (quando delas recebe recursos para serem aplicados), sendo essa a sua única atividade. Deverá poder captar em condições mais favoráveis e repassará os recursos em condições de mercado, ou, até, abaixo do mesmo, sendo a sua margem de lucro relativamente reduzida, considerando-se os seus custos médios, de modo que não se poderá alegar que é instrumento de transferência de receita. A mencionada empresa não captará recursos do público em geral e só fará empréstimos às empresas do grupo, não ocorrendo repasse a terceiros. A sua atuação será eventual, atendendo às necessidades das empresas industriais e não tendo caráter especulativo.

  6. O quesito único apresentado pela Consulente é o seguinte: "Devido às operações de gestão financeira (captações e repasses de recursos) que realiza com as empresas operacionais ou com terceiros em favor das mesmas, (captação internacional), a Holding financeira poderia correr o risco de ser equiparada a uma instituição financeira ?".

II Levantamento das questões suscitadas
  1. A questão básica que se suscita consiste em saber se o grupo societário pode ser equiparado a uma verdadeira unidade económica e jurídica, considerando-se, pois, que as operações financeiras internas não são objeto do monopólio bancário legalmente estabelecido.

  2. Conseqiientemente, tais operações não abrangeriam a intermediação à qual se

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    refere o art. 17 da Lei n. 4.595/1964 nem se caracterizariam como financiamentos bancários.

  3. Assim, a chamada holding financeira não necessitaria para funcionar de autorização do Banco Central, nem estaria sujeita às regras de direito bancário, obedecendo tão-somente às normas de direito comercial.

  4. Examinaremos, pois, sucessivamente:

    1. A unidade económica e comercial do grupo societário e suas repercussões jurídicas;

    2. O tratamento das operações intra-grupais (intercompany loans)',

    3. A interpretação dos art. 17 da Lei n. 4.595, de 31.12.1964, e da Lei n. 7.492, de 16.6.1986;

    4. A posição da jurisprudência e das autoridades administrativas na matéria.

    1. Finalmente, apresentaremos as nossas conclusões respondendo ao quesito que nos foi apresentado.

III O grupo de sociedades como unidade económica com repercussões jurídicas
  1. A formação dos grupos económicos originou-se da tendência de concentração de empresas, característica marcante da economia capitalista moderna, que se acentuou a partir da Segunda Guerra Mundial. O movimento concentracionista teve como finalidades a redução de custos e o aumento da produtividade e da rentabilidade.1

  2. De fato, a realidade empresarial da nossa época comprova a existência de um movimento progressivo para a concen-tração económica e a criação da grande empresa, das sociedades satélites, das coligadas, dos grupos de sociedades, das hol-dings e de suas filiais, das multinacionais e dos conglomerados. O fenómeno não é tipicamente brasileiro, mas reflete uma tendência da economia internacional. O progresso técnico, a automação, as facilidades de transporte e de comunicação, dentro do país e no exterior, a rápida obsolescência dos produtos ensejaram o gigantismo económico e a diversificação que, por sua vez, diminuem os riscos existentes num mundo em transformação constante.2 A mudança de dimensões da empresa não tem apenas caráter quantitativo, mas também qualitativo ensejando a formação de grupos e conglomerados e a especialização das funções das companhias que os integram.

  3. Georges Ripert, na sua monografia sobre os aspectos jurídicos do capitalismo, define a criação da sociedade por açoes como tendo sido essencial para a compreensão do capitalismo. Outros autores, entre os quais Nogaro, consideram que a primeira revolução industrial só foi possível graças à sociedade anónima, comparando-a à máquina a vapor e à eletricidade como uma das grandes descobertas dos tempos modernos. Dentro do mesmo espírito, podemos vincular o grupo de sociedades, o conglomerado e as...

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