Contratos empresariais. Consumerização do direito empresarial?

AutorSalvatore Mazzamuto
Páginas17-22

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  1. Autonomia contratual, liberdade da empresa e Constituição Européia. A Carta dos Direitos da União Européia não deixa indiferente o direito da empresa e os contratos que são, para a empresa, funcionais: "É reconhecida a liberdade da empresa, conforme o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais" (art. 16). Os limites a tal liberdade, todavia, parecem provir, em uma primeira aproximação, apenas pela conformidade com a atividade econômica: (a) as regras do direito comunitário; (b) as regras previstas pelos sistemas nacionais; (c) as regras que aos próprios operadores impuseram-se porque provenientes das "práticas", isto é, dos usos, dos comportamentos repetidos e aceitáveis, e, portanto, codificados em modelos de referência contidos nos códigos de autodisciplina.

    Trata-se, na essência, de regras de ações, de controle e de vigilância intrínsecas ao mercado, e que, portanto, se traduzem como limites, por assim dizer, internos ditados pelo funcionamento do próprio mercado com a finalidade de assegurar a melhor concorrência dos operadores. Mas, como toda disposição normativa, também o art. 16 deve ser interpretado no seu contexto e no corpo da Carta, que comporta regras conflitantes com a liberdade da empresa e constitui outros tantos limites: a dignidade humana (art. 1), a integridade física e jurídica da pessoa (art. 3), a liberdade e a segurança individuais (art. 6), a pro-teção da vida privada (art. 7) e dos dados de caráter pessoal (art. 8), a tutela do ambiente (art. 37), aproteção dos consumidores (art. 38), os direitos inerentes aos trabalhadores (arts. 27-32); a proibição de abuso de atividades ou atos que violem os direitos fundamentais (arts. 1 e 54).

    O quadro de valores que devem ser contemplados com a liberdade da empresa - como se vê - é amplo e articulado: sinteticamente já está resumo em uma disposição da Constituição Italiana de 1948, que, no art. 41, além de reconhecer e garantir a liberdade econômica privada, prevê que ela não pode se desenvolver "em contraste com a utilidade social ou de modo a causar dano à segurança, à liberdade, à dignidade humana".

    Em linha geral se pode, então, distinguir duas grandes categorias de limites à liberdade da empresa: os limites internos, derivantes do mercado e os limites externos, considerados valores que vão mitigados com a liberdade econômica e, às vezes, atinentes a pessoa, tendencialmente prevalecem sobre ela.

    A relevância dos limites externos à atividade econômica não é nova para o direito comunitário. Lendo as disposições do Tratado é possível compreender imediatamente que a liberdade econômica é medida pelas disposições relativas aos trabalhadores, aos consumidores, ao ambiente. Todavia, o art. 16 da Carta, lido em conexão com as outras previsões abarcadas no mes-

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    mo diploma, explicita de maneira mais clara e precisa o quadro dos valores ao qual se deve adaptar a atividade da empresa. O fato que no texto da Carta os valores da pessoa são antepostos àqueles inerentes à atividade econômica é um sinal inequívoco da vontade de salientar com maior força os limites externos, em relação àquilo que emerge no texto do Tratado. Mas o direito comunitário permite, também, repensar os limites internos.

    Sempre observando o princípio da subsidiariedade e sem recorrer à introdução de novas regras, é oportuno proceder como fez a Carta para os limites externos, ou seja, explicitar os valores que já fazem parte do tecido do direito comunitário, mas em contextos fragmentados e que possam generalizar uma renovada visão dos limites internos: refere-se, em particular, à cor-reção dos comportamentos dos operadores. O cânone em discurso é um dos fatores da concorrência, na qual a concessão tradicional relativa às relações entre os concorrentes, isto é, entre operadores que se colocam sobre o mesmo plano; enquanto hoje, em seqüência das diretivas comunitárias que tutelam os consumidores, não se pode limitar a preenchê-lo reproduzindo de modo corporativo os interesses análogos dos operadores, mas é necessário examinar também os interesses dos consumidores.

  2. Do contrato do consumidor ao contrato com assimetrias de poder contratual. Se o nível privilegiado de intervenção do legislador europeu se determina, a val-le, ou seja sobre o terreno dos contratos de consumo, é também verdade que uma parte não marginal da produção normativa comunitária considera as relações contratuais ditas business to business, aquelas relações jurídicas em que ambos os contraentes agem por um fim que não é estranho à atividade profissional desenvolvida.

    A categoria do contrato do consumidor se fixa sobre a contraposição de duas...

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