Empresas multinacionais e a exploração laboral em países subdesenvolvidos: o papel da organização internacional do trabalho no combate à precarização do direito do trabalho

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas148-155

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Apresentação

O artigo em questão visa analisar a relação exploratória laboral que as empresas transnacionais estabelecem com o mercado de trabalho de países periféricos da economia global. Buscou-se estudar quais as consequências políticas e econômicas para esses países subdesenvolvidos, bem como as formas de se coibir essa “nova forma de colonialismo”. É notório que as grandes empresas de cadeia internacional escolhem especificamente países cuja legislação trabalhista dispõe de um precário arcabouço jurídico protetivo, a fim de explorar mão de obra menos custosa e, por conseguinte, majorar os lucros por meio da comercialização de produtos com produção de baixo custo e venda a altos preços. Esta pesquisa indicou que a maior parte das relações observadas sob este aspecto resulta em violação direta aos Direitos Humanos destes trabalhadores, muitas vezes configurando até mesmo o crime de redução à condição análoga à de escravo. A pesquisa documental demonstra que, em um primeiro momento, tratam-se de obreiros que sofrem com governos irresponsáveis, os quais abandonam jurídica e socialmente seus cidadãos, negligenciando a importância de normas laborais que garantam a dignidade do trabalhador. E em decorrência disso, verificam-se a presença de obreiros explorados pelo poder econômico de empresas de outros países. Concluiu-se que, neste cenário em que a soberania política de nações subdesenvolvidas permite a superexploração de seu próprio povo, revela-se imprescindível a modificação de comportamento social demasiadamente consumista, além de a atuação da Organização Internacional do Trabalho, a qual, por sua vez, precisa de meios mais eficientes do que as meras recomendações para combater tais abusos, como, por exemplo, a possibilidade de estimular embargos econômicos contra nações coniventes com esta conduta tão degradante.

1. Introdução

Há algumas décadas a nova lógica de produção de capital se assenta sob uma relação exploratória laboral que grandes empresas estabelecem com o mercado de trabalho de países em desenvolvimento. Não por acaso tem-se que boa parte das empresas de cadeia internacional escolhem, especificamente, países cuja legislação trabalhista dispõe de um precário arcabouço jurídico protetivo ou de fiscalização deficiente, a fim de reduzir o custo de produção e competir com sucesso no mercado mundial. Entretanto, pode-se observar que essa estratégia não só viola algumas normas trabalhistas como, por diversas vezes, desnuda o obreiro de sua dignidade como pessoa e como trabalhador.

Na tentativa de pensar soluções para a referida problemática, a pesquisa visou discutir a atual lógica contemporânea do capitalismo, e compreender o papel das principais “engrenagens” que compõem o atual sistema de produção. Para tanto, estudou-se o processo de globalização na integração dos mercados nacionais, assim como o comportamento da sociedade de consumo como peça fundamental da estrutura do capital.

Por meio da análise de bibliografia, de documentos de órgãos internacionais e principalmente de notícias que relatam as últimas estratégias comerciais de determinadas empresas, pôde-se traçar o raciocínio que levou à elaboração de dois tipos de soluções para concretização da dignidade humana no mundo juslaboral.

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2. A globalização e a sociedade de consumo: bases do capital do século XXI

“O capital é o sangue que flui através do corpo político de todas as sociedades que chamamos de capitalistas, espalhando-se, às vezes como um filete e outras vezes como uma inundação, em cada canto e recanto do mundo habitado.”

(David Harvey)

2.1. O fenômeno da globalização e a lógica capitalista contemporânea

Em pleno século XXI, a palavra “globalização”, largamente utilizada desde a década de 1970, vem impregnada de todo sentido ligado a um processo de interconexão dos países, pelo qual a maior parte das nações passou nos últimos tempos. Contudo, é imprescindível que por “globalização” entenda-se muito além de uma quebra de fronteiras entre mercados, mas uma verdadeira “mundialização do capital” (ALVES, 2001, p. 51), que imprimiu uma nova diretriz à estrutura das economias e políticas estatais em prol de uma forma diferente de produção do capital.

A depressão de 1973, agravada pelo choque do petróleo alavancou uma grande reestruturação do capital, que superando o rígido modelo de acumulação fordista inaugurou a forma flexível de acumulação do capital. Graças aos avanços nos meios de comunicação e meios de transporte, fez-se da “flexibilização” a palavra de ordem para a reformulação do capitalismo, o qual passou a se caracterizar pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, “novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional” (HARVEY, 2008, p. 140).

No entanto, a mesma ideia flexibilizante que revitalizou o capital na década de 70, apoiou-se sob o desemprego estrutural para reorganizar o mercado de trabalho. Pois diante da instabilidade da economia, maior competitividade e redução de lucros os empregadores se valeram “do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão de obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis” (HARVEY, 2008, p. 143). Iniciando, portanto, uma nova maneira de exploração laboral a fim de manter mais vive do que nunca o sistema de dominação pelo capital.

2.2. A sociedade de consumo como o alicerce cultural do Capital

Ultrapassado o modelo fordista, do “capitalismo pesado” (BAUMAN, 2001, p. 70), solidamente enraizado no modo de produção, o qual era contemplado por empregados que faziam carreiras de uma vida inteira nas indústrias, criou-se espaço para a fluidez do capitalismo contemporâneo, sem qualquer amarra, que cria e se recria a todo instante adaptando-se às condições de consumo e mercado.

Para sustentar toda a nova estrutura dinâmica do capital, houve a criação de um cenário sociocultural que incorporou as novas diretrizes da política de consumo. Sob um estado de ansiedade contínuo, a sociedade condiciona-se a consumir desenfreadamente produtos pelo mero prazer de comprá-los, dando força às ideias de “obsolescência planejada” (SENNETT, 2006, p. 130) e descartabilidade das mercadorias, para que a produção jamais tenha fim. O sistema é capaz de criar o produto e através do marketing da marca também criar o sentimento artificial de necessidade determinada mercadoria (KLEIN, s/d, p. 11).

Por meio da publicidade, a indústria aprendeu a moldar os desejos do consumidor. As pessoas já não compram mais os produtos como o insumo material final da cadeia produtiva, já que a indústria vende a “marca”, ou seja, um conceito de estilo de vida e a posição de prestígio social que adquirir determinada marca gera em meio aos demais consumidores (KLEIN, 2013). De modo que, o próprio consumidor passa a fazer parte do “ato de exaltação da marca” (SENNET, 2006), que hoje, por meio da internet, chega virtualmente a todos os cantos do mundo em segundos.

Em um jogo de influenciar os anseios e deixar-se influenciar, o marketing capitalista investiga os prováveis desejos da sociedade de consumo, para não só manter sua sustentação cultural, como também expandir sua atuação rumo à uma verdadeira “mundialização”.

A sociedade de consumo, imersa em um frenesi provocado pela publicidade fantasiosa das marcas, ignora que o produto material confeccionado para representar aquela marca passa por um processo de produção, que causa desde imensuráveis danos ambientais até violações aos Direitos Humanos de milhares de obreiros superexplorados em países periféricos da economia global. O consumidor, via de regra, sequer consegue se compadecer com o sofrimento de mãos que laboraram extenuantemente para produzir a mercadoria comprada. Tamanho o encantamento envolvido na promoção da marca do produto, ignora-se que o insumo seja fruto de exploração laboral.

3. O deslocamento da produção industrial
3.1. A busca pela legislação trabalhista precária

Com todos os avanços tecnológicos que a globalização trouxe ao mundo, tornou-se absurdamente rentável reestruturar, inclusive, fisicamente as grandes empresas, transferindo a maior parte do processo produtivo para países que não só disponibilizam mão de obra barata como detém uma legislação trabalhista precária, a fim de que seja possível extrair, com a conivência dos governos locais, o máximo da força de trabalho do obreiro.

A ideia da modernidade líquida de Bauman atinge à sociedade e suas instituições, assim como a estrutura da cadeia produtiva. No mundo globalizado, a concorrência é constante e crescente, dada a quantidade cada vez maior de empresas se inserindo no mercado com novas e sedutoras ideias. Para se...

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