Empréstimo: comodato

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19. 1 Introdução

Ao estudarmos a locação de prédios, vimos que é um contrato com o fim de renda, pois ninguém loca sem visar a um rendimento ou a um aluguel. Esse aluguel ou rendimento representa o lucro que o empreendedor busca através do seu negócio. Como consequência desse empreendimento de fim econômico, o locador, ao entregar a coisa ao locatário, obriga-se a garantir a sua posse mansa e pacífica, bem como a manter a coisa em condições de uso. Assim, portanto, na locatio rei, o locador concede ao locatário o uso de um bem mediante remuneração em dinheiro, assim como o capitalista loca seu próprio dinheiro em busca de um lucro chamado "juro". É um empreendimento como qualquer outro, em que se visa a um rendimento.

Por outro lado, é possível ao dono do prédio não procurar nenhum lucro, entregando-o a outrem sem nenhum interesse econômico. Aí surge o comodato, que se caracteriza pela gratuidade do uso da coisa, móvel ou imóvel. É o empréstimo gratuito do prédio ou de coisas infungíveis e, caso o comodatário se recuse a restituir o objeto do empréstimo, no prazo estabelecido, fica caracterizado o esbulho, e o meio idôneo usado para haver o prédio, ou qualquer bem móvel nessa condição, é a ação de reintegração de posse. A ação de despejo é cabível somente na locação. "A não devolução dos bens cedidos em comodato quando do pedido de restituição configura esbulho possessório, - decidiu o tribunal - ensejando, assim, a possibilidade da restituição da coisa emprestada através de ação de reintegração de posse, e não por meio de busca e apreensão" (in RT 758/234).

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Interessante situação é a do empregado que ocupa o imóvel do patrão, em razão do seu emprego. Aqui não há comodato, porque a habitação é um dos elementos integrantes da remuneração (CLT, art. 76). Por essa razão, a lei do inquilinato prevê a situação da retomada do prédio, no seu art. 47, inciso II (Lei 8.245/91), dizendo textualmente, o seguinte: "Quando ajustada verbalmente ou por escrito e com prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel: II - em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário estiver relacionada com o seu emprego". O que acontece é que a locação vige durante o contrato de trabalho. O contrato não se prorroga se o empregador houver rescindido o contrato laboral. Por esse motivo, prevê a lei, no caso de denúncia motivada, ou seja, na extinção do contrato de trabalho, a ação ordinária de despejo, obtendo-se a liminar, para desocupação no prazo de 15 dias. É o que se extrai da dicção textual do § 1.º, do art. 59 da Lei do Inquilinato, in verbis: "Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: II - o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia". Portanto, não cabe a ação de reintegração de posse, mas de despejo.

Retornando ao assunto deste capítulo, registra-se a existência de duas espécies de empréstimo: uma para o uso da pessoa, que é o comodato, e a outra, para o consumo, que é o mútuo. No primeiro caso, a própria coisa emprestada deve ser restituída e, por isso, só pode ser objeto do empréstimo, coisa infungível. Se é para o consumo, a coisa emprestada será devolvida no seu equivalente (quantidade e qualidade), razão porque ela deve ser fungível, isto é, devem ser coisas móveis que podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade e quantidade. "São fungíveis - dispõe o art. 85 do CC - os móveis que podem substituir-se por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade".

Concluindo, no comodato se entrega uma coisa para uso, devendo ser devolvida a mesma coisa; no mútuo se entrega uma coisa para consumo, devendo ser restituída não a mesma coisa, mas coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade. Portanto, duas são as espécies de empréstimo: o comodato e o mútuo. Essas duas figuras jurídicas serão analisadas separadamente, em capítulo distinto. Aqui, estudaremos apenas o comodato.

19. 2 Conceito de comodato

"Para o reconhecimento da existência de comodato é desnecessária a prova de propriedade do bem, pois, por tratar-se de mero empréstimo de uso, basta que o comodante detenha a posse e a administração da coisa emprestada" (in RT 758/234).

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O comodato é o empréstimo de coisas infungíveis (móveis ou imóveis), mas a título gratuito. O comodatário, aquele que recebe a coisa para o uso, nada paga ao comodante. Esta característica é encontrada na própria definição apresentada pelo Código Civil, em seu art. 579, in verbis:

"O comodato é um empréstimo gratuito de coisas não fungíveis".

Coisas infungíveis são as que não podem ser substituídas por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade. O comodato é, pois, um empréstimo, um contrato pelo qual uma das partes entrega uma coisa não fungível à outra, gratuitamente, para o uso, devendo devolver a mesma coisa.

19. 3 Classificação

O comodato é um contrato unilateral, gratuito, real e não-solene.

É unilateral, porque gera obrigação só para o comodatário, qual seja, a de restituir a coisa emprestada.

É um empréstimo a título gratuito. O comodatário, aquele que recebe a coisa para uso, nada paga ao comodante. É uma cessão sem contraprestação; um favor prestado pelo comodante ao comodatário. "A obrigação assumida contratualmente pelo comodatário de arcar com o pagamento de encargos e tributos que vierem a incidir sobre o imóvel - decidiu o tribunal - não tem o condão de descaracterizar o comodato" (in RT 756/357). Nesse particular, preciso o parecer de Luiz Roldão de Freitas Gomes: "Não o desfigura, contudo, o pagamento de impostos, taxas, despesas de administração (seguro, vigilante, zelador, luz, calefação) pelo comodatário".201É um contrato real por importar na cessão do uso do bem mediante...

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