Encarceramento feminino e interseccionalidade gênero, raça e classe (Brasil/Portugal): uma revisão sistemática de literatura
| Author | Andréa Mello Pontes, Clara Cruz Santos, Cristina Vanessa Coimbra Nunes |
| Position | Assistente Social/Universidade de Coimbra - Portugal/Universidade de Coimbra - Portugal |
| Pages | 360-378 |
ENCARCERAMENTO FEMININO E INTERSECCIONALIDADE GÊNERO, RAÇA E CLASSE
(BRASIL/PORTUGAL): uma revisão sistemática de literatura
Andréa Mello Pontes1
Clara Cruz Santos2
Cristina Vanessa Coimbra Nunes3
Resumo: A presente Revisão Sistemática de Literatura – RSL t eve por objetivoidentificar se as categorias teóricas de
gênero, raça e classe aparecem de maneira interseccionada nas análises teóricas realizadas em artigos científicos sobre o
encarceramento feminino no Brasil e/ou em Portugal. A abordagem foi qualitativa para recolha e sistematização dos dados
através do método de Revisão Sistemática da Literatura (RSL) co m recurso ao Protocolo PRISMA (2020). Como resultado a
interseccionalidade entre gênero, raça e classe, como fundamento da análise do encarceramento feminino em Portugal e no
Brasil, aparece predominantemente em estudos realizados no/sobre Brasil, tendo como fundamento teórico principal os
feminismos negros articulados aos estudos de gênero, ao pós-colonialismo e aos estudos decoloniais. Esta perspectiva não
foi encontrada em artigos científicos de e sobre a realidade portuguesa.
Palavras-chave: encarceramento feminino, interseccionalidade, gênero, raça e classe.
FEMALE INCARCERATION AND INTERSECTIONALITY GENDER, RACE AND CLASS (BRAZIL /PORTUGAL): a
systematic literature review
Abstract: This Systematic Liter ature Review – RSL aimed to identify whether the theoretical categories of gender, race and
class appear in an intersected manner in theoretical analyses carrie d out in scientific articles on female incarceration in Brazil
and/or Portugal. The approach was qualitative for collecting and systematizing data through the Systematic Literature
Review (SLR) method using the PRISMA Protocol (2020). As a result, the intersect ionality between gender, race and class,
as the foundation of the analysis of female incarceration in Portugal an d Brazil, appears predominantly in studies carried out
in/about Brazil, having as its main theoretical foundation black feminisms articulated to gender studies, to the post -
colonialism and decolonial studies. This perspective was not found in scientific articles by and about the Portuguese reality.
Keywords: Female incarceration, intersectionality, gender, race and class.
Artigo recebido em: 26/09/2023 Aprovado em: 20/05/2024
DOI:https://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v28n1.2024.20
1Assistente Social. Mestre em serviço social, Doutora em antropologia social pós doc em comunicação social e Pós doc
em Serviço Social pela Universidade de Coimbra. Professora do curso de Serviço Social..Pesquisadora de gêneros,
gerações e sistema prisional. Universidade Federal do Pará. E-mail: andream ellopontes@gmail.com.
2 E-mail: clarasantos@fpce.uc.pt. Universidade de Coimbra - Portugal
3 E-mail: cvcnunes@fpce.uc.pt. Universidade de Coimbra - Portugal
Andréa Mello Pontes, Clara Cruz Santos e Cristina Vanessa Coimbra Nunes
361
1 INTRODUÇÃO
A realidade do encarceramento feminino revela um aumento sistêmico nas estatísticas
sobre a produção acadêmica e científica publicadas nos últimos 20 anos. Não foi somen te no Brasil
onde se observou o aumento da população feminina encarcerada neste período, no mundo o número
subiu 60% desde 2000 e já somam 740 mil mulheres presas, segundo o Instituto de Pesquisa em
Política Criminal e de Justiça da Birkbeck College, de Londres, no Reino Unido (ICPR) de outubro de
2022.
Os dados do SISDEPEN (Sistema de Informações do Departamento Penitenciário
Nacional), que é a ferramenta de produção de dados estatísticos do Sistema Penitenciário Brasileiro da
Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), de dezembro de 2022, revelam que a população
carcerária do país apresenta um total de 642.638 pessoas, das quais 615.091 (95,71%) são
identificadas como homens e 27.547 (4,29%) são identificadas como mulheres. Embora o número de
mulheres em privação de liberdade e, mais especificamente no sistema fechado, seja inferior ao
número de homens, importa realçar o fator do tempo, isto é, o crescimento percentual de mulheres
ocorreu num período bastante curto de tempo. De fato, em 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
divulgou que de 2000 até 2015 o número de mulheres nos estabelecimentos prisionais femininos
brasileiros cresceu 567%. A taxa de mulheres presas no país foi superior ao crescimento geral da
população carcerária, que sofreu um aumento de 119% no mesmo período.
Em Portugal, segundo os dados disponíveis na Direção-Geral de Reinserção Social e
Serviços Prisionais (DGRSP) identifica-se o aumento do número da população prisional feminina, que
em 2010 era de 627, e em 31/12/2022 eram 867 mulheres reclusas, o que representa um aumento de
72,3%.
Segundo o ICPR de outubro 2022, a proporção de mulheres presas em relação à
população prisional por país, comparativamente, em Portugal é de 7,3% da população carcerária total e
no Brasil é de 5,1% do total da população carcerária nacional.
Do ponto de vista substantivo, a produção cientifica estudada analisa criticamente os
dados do aumento do encarceramento feminino, na perspectiva do conceito de campo de subjetivação
(Foucault, 2009) sobre a definição dos corpos femininos quesão encarceráveis. O argumento reforça
que o sistema de justiça penal parece ser estruturalmente constitutivo de e para uma sociedade
capitalista eurocentrada e global (Lugones, 2008), endogenamente erguida sobre um sistema moderno-
colonial de gênero, que, por conseguinte, define quais mulheres cujos corpos são encarceráveis,
nomeadamente, negras e pobres no Brasil. No caso português as informações de diversidade étnico-
racial não são coletadas pelo DGRSP.
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