Encarceramento feminino, seletividade penal e tráfico de drogas

AutorJaqueline Quadrado
CargoDoutora em Sociologia, Universidade de Brasília, Brasil. Professora na Universidade Federal do Pampa, Brasil
Páginas264-290
264GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 2 | p. 264-291 | 1. sem 2022
DOSSIÊ
ENCARCERAMENTO FEMININO, SELETIVIDADE PENAL E
TRÁFICO DE DROGA
Jaqueline Carvalho Quadrado1
Resumo: Este artigo reflete sobre o encarceramento em massa, especialmente
de mulheres jovens, pretas, pardas e pobres, envolvidas com o tráfico de
drogas, de modo a explicar as condições que levaram ao aumento exponencial
da população carcerária feminina no Brasil, bem como a seletividade
penal dessas camadas sociais, a partir de literatura crítica e da perspectiva
interseccional. Ainterseccionalidade permite superar a análise descritiva e
estanque dos fatores envolvidos na prática do crime cometido por mulheres
e seu consequente encarceramento, esclarecendo como o sistema judicial
pode incorporar e perpetuar a injustiça social.
Palavras-chave: Encarceramento feminino; Tráfico de drogas; Seletividade penal.
Abstract: This paper reflects on mass incarceration, especially of young,
black, brown and poor women involved in drug tracking, to explain the
conditions that led to the exponential increase of the female prison population
in Brazil, as well as the criminal selectivity of these social classes, based on
critical literature and an intersectional perspective. Intersectionality allows us
to go beyond a watertight descriptive analysis of the factors involved in crimes
committed by women and their consequent incarceration, explaining how the
judicial system can incorporate and perpetuate social injustice.
Keywords: Female incarceration; Drug tracking; Criminal Selectivity.
1 Doutora em Sociologia, Universidade de Brasília, Brasil. Professora na Universidade Federal do Pampa,
Brasil. E-mail: jaquelinequadrado@unipampa.edu.br. Orcid: 0000-0002-5220-3710
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GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 2 | p. 264-291 | 1. sem 2022
1 Introdução
Dados da 4ª edição da World Female Imprisonment List (WFIL), divulgada
pelo World Prison Brief (WALMSLEY, 2017), atestam que existem mais de
714 mil pessoas do sexo feminino em prisões no mundo, evidenciando-se o
crescimento de 53% da população carcerária feminina em todos os conti-
nentes desde 2000. No continente americano, o crescimento na taxa de
encarceramento feminino nesse período foi três vezes maior que as taxas
de crescimento geral da população do continente. Além disso, apopu-
lação carcerária feminina mundial tem crescido mais rápido, em termos
proporcionais, do que a população carcerária masculina. No Brasil, area-
lidade não difere muito: o número de mulheres em situação de cárcere
aumentou aproximadamente 656% desde o começo do milênio, conside-
rando o número de 42 mil mulheres presas até junho de2016, segundo
dados do Sistema de Informações Penitenciárias InfoPen Mulheres –
2ªedição (BRASIL, 2017b).
Os números representam um crescimento na taxa de aprisionamento
feminino 4,5 vezes maior do que os dados de 2000, segundo a WFIL
(WALMSLEY, 2017). Considerando a atualização posterior desses núme-
ros no fim de 2016, o número de detentas aumentou para 44.721, comum
crescimento de aproximadamente 698% em comparação ao ano de 2000.
Podemos afirmar que existem 726.712 pessoas privadas de liberdade no
Brasil, distribuídas entre aquelas que se encontravam custodiadas em carce-
ragens de delegacias (um total de 36.765 pessoas) e aquelas que se encontra-
vam em estabelecimentos do sistema prisional (689.947 pessoas, no total).
Ressalta-se que as informações disponibilizadas pelos estados da fede-
ração acerca das pessoas custodiadas em carceragens de delegacias não
apresentam, em grande parte dos casos, recorte de gênero, o que nos
impede de aferir o número de homens e mulheres presentes nesses espa-
ços. Assim, os números apresentados neste relatório, sobre a população
carcerária feminina, encontram-se, necessariamente, subnotificados
(BR ASIL , 2017b).
Ao analisarmos os dados gerais do Levantamento de Informações
Penitenciárias, que apontam que 68% das mulheres em situação de encar-
ceramento no Brasil são acusadas de tráfico de drogas, e considerando que
67% da população carcerária feminina é composta por mulheres pretas,
pardas e pobres – média auferível na América Latina de uma forma geral –
buscou-se compreender como ocorreram tais processos de criminalização

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