As empresas de energia elétrica e o uso do solo urbano (breves considerações)

AutorProf. Carlos Augusto Alcântara Machado
CargoPromotor de Justiça no Estado de Sergipe. Mestre em Direito Constitucional
Páginas1-13

Promotor de Justiça no Estado de Sergipe. Mestre em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Sergipe e UNIT. Autor do livro "Mandado de Injunção - Um instrumento da Efetividade da Constituição" (Ed. Atals, 1999).

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1. Colocação do problema

Com a consagração da tese de inconstitucionalidade da cobrança da Taxa de Iluminação Pública, inclusive por decisão do Supremo Tribunal Federal, os Municípios de diversos Estados da federação brasileira vêm, paulatinamente, perdendo uma preciosa fonte de receita.

Em Sergipe, modestamente, contribuímos para a consolidação do entendimento com um pioneiro Parecer publicado na Revista do Ministério Público (Vol. 07 - 1994) e, posteriormente, em Revistas de circulação nacional (Ciência Jurídica - Vol. 58 - 1994 e Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política - Vol. 06 - 1994).

Talvez em função desses reveses não previstos, as Comunas brasileiras buscaram encontrar uma outra fonte de receita: instituíram uma retribuição, devida pelas empresas concessionárias de energia elétrica, pelo uso do solo urbano em face da instalação de postes da rede de distribuição.

Leis foram criadas e antes mesmo da respectiva cobrança as empresas se anteciparam e promoveram medidas judiciais preventivas. Page 2

Sem embargo de já existiram decisões judiciais assegurando o direito das empresas de energia elétrica e, consequentemente, reconhecendo a inconstitucionalidade das referidas leis municipais, ousamos, data venia, discordar dos fundamentos apresentados pelos arestos que chegaram em nossas mãos e, através desse breve estudo, enfrentaremos a quaestio juris procurando trazer outros argumentos que reputamos importantes para o esclarecimento desse polêmico tema.

Registramos, ainda, que o interesse sobre a tormentosa questão nasceu de discussões teóricas travadas com o eminente Doutor Carlos Ayres Britto, brilhante constitucionalista sergipano, que honra a cultura jurídica nacional.

Passemos, então, a enfrentar a matéria, a partir de um dos casos concretos, que servirá, exclusivamente, como paradigma para a nossa análise.

2. O mandado de segurança nº 57/99 e a pretensão da empresa energética de Sergipe

A EMPRESA ENERGÉTICA DE SERGIPE S.A. - ENERGIPE, empresa privada, concessionária de serviços públicos de energia elétrica, com área de concessão em parte do território do nosso Estado, com base na legislação em vigor, impetrou MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO contra ato na iminência de ser praticado pelo SR. PREFEITO DO MUNICÍPIO DA BARRA DOS COQUEIROS, em face da promulgação da Lei Complementar Municipal nº 03, de 17 de maio de 1999 que autoriza o Poder Executivo a cobrar taxa pela instalação de postes para serviços de energia elétrica.

Alegou a impetrante, sustentando a sua tese, não ser possível a cobrança, pois o tributo criado é ilegal e inconstitucional.

Justificou que o tributo criado feriu o art. 155, § 3º da Lei Maior, e que o serviço de energia elétrica é concessão federal, sendo, assim, reservada à União a competência exclusiva para dispor sobre a matéria. (art. 21, XII, "b" e art. 22, IV - CF).

Por outro lado, aduziu a impetrante, que a legislação específica aplicada aos serviços de energia elétrica (Código de Água e Decretos Federais) concedeu-lhe o direito de ocupar o território municipal, sem ônus para as concessionárias.

Prestando informações, o impetrado refutou a tese da ENERGIPE, lastreado na teoria da autonomia municipal e, paralelamente, justificando que a retribuição prevista na Lei Complementar nº 03/99 não tinha natureza tributária. Page 3

Sustentou, nesse passo, a inconstitucionalidade do Decreto Federal Nº 84.398/80.

Com base nesses dados, passemos a aprofundar o questionamento e a pretensão da Empresa de Energia Elétrica procurando, sobretudo, buscar a exegese dos dispositivos constitucionais e da legislação aplicável às empresas de energia elétrica.

Antes, porém, imperioso se torna fazer uma brevíssima exposição sobre o uso dos bens públicos, especificamente voltado para o caso objeto dessa reflexão.

3. Do uso dos bens públicos:

Preceitua o art. 68 do Código Civil Brasileiro que "o uso dos bens públicos pode ser gratuito, ou retribuído, conforme as leis da União, dos Estados, ou dos Municípios, a cuja administração pertencerem".

A hipótese enfrentada versa sobre a utilização de bens de uso comum (art. 66, I - CC), tais como ruas, praças e estradas.

Tais bens, no dizer de Clóvis Beviláqua ("Código Civil dos Estados Unidos do Brasil", vol. I, Editora Rio, 1975, pág. 301), pertencem a todos (res communes omnium). Diz o mestre, com singular clareza, que o proprietário desses bens é a coletividade, sendo confiadas à Administração Pública a sua guarda e gestão.

É de todos sabido e ressabido que a regra pela utilização dos bens públicos é a gratuidade. A contribuição pecuniária, no entanto, apesar de exceção, é devida em retribuição ao uso dessas coisas, em condições particulares.

A propósito do tema, esclarecedoras são as lições de J. N. CARVALHO SANTOS no seu sempre citado "Código Civil Brasileiro Interpretado", vol. II, Freitas Bastos, 1950, as quais é de se invocar neste particular (págs. 159/160):

"A gratuidade não pode ser exigida senão para o que se pode denominar de uso ordinário e normal do domínio público.

Isto é o que se diferenciam a circulação sobre uma praça pública, da edificação sobre o solo desta praça. Page 4

É contrária à sua destinação natural, no sentido de acarretar um certo embaraço à circulação livre".

O entendimento esposado justifica-se pelo fato de representar para o beneficiário, isto é, para aquele que se utiliza do bem público, um plus, uma vantagem não assegurada a todos os munícipes. Esta é a razão pela qual, lastreado em argumento doutrinário de autoridade, conclui-se pela possibilidade, mesmo que excepcional, da utilização onerosa de bens de uso comum do povo.

Como conclusão desse tópico, permitimo-nos trazer, à título meramente de reforço, o magistério de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, quando, abordando a natureza inalienável e imprescritível, em regra, dos bens de uso comum do povo, com utilização normalmente sem restrições ou ônus, sentenciou ("Instituições de Direito Civil", 16ª edição, Forense, 1994, pág. 280):

"Mas não se desfiguram a sua natureza, nem perdem eles a sua categoria, se os regulamentos administrativos condicionarem a sua utilização a requisitos peculiares, ou restringirem o seu uso em determinadas condições, ou instituírem o pagamento de retribuição (Código Civil de 1916, art. 68)".

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