Energia nuclear: saúde e direito dos trabalhadores

AutorMaria Vera Cruz de Oliveira Castellano
Páginas139-145

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Energia nuclear e saúde

Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano *

O conhecimento dos efeitos das radiações ionizantes sobre a saúde humana foi fundamentado em estudos experimentais e na vasta experiência que desafortunadamente o Japão acumulou após a queda das duas bombas atômicas em 1945 nas cidades de Hiroshima (Urânio) em 6 de agosto, e Nagasaki (Plutânio) em 9 de agosto.

No caso da bomba atômica a destruição foi causada não só pelas radiações, mas pelo calor e deslocamento de ar provocado pela explosão da mesma. Acredita-se que a dissipação da energia proveniente da bomba foi 50% pelo deslocamento de ar, 35% pelo calor e 15% pela radiação. A pressão elevada causou ventos que alcançaram 280 mts/segundo em torno do hipocentro até 28 mts/segundo a 3,2 km de distância.

A radiação inicial emitida pela bomba atômica era composta de raios gama e nêutrons. A radiação residual é classificada em: A. Produtos da fissão nuclear (raios gama, beta e alfa) e B. Radiação que atingiu o solo. Após um ano o número de mortes por causa da bomba atômica em Hiroshima foi de 118.661, 88,7% destas ocorreram nas duas primeiras semanas.

Os efeitos agudos das radiações ionizantes (que ocorrem até a segunda semana) são: náuseas, vômitos, diarreia, febre, hemoptisis, hematemesis, hematuria e enterorragias. Podem ocorrer choque e morte. As alterações patológicas incluem destruição dos tecidos hematopoiéticos e mucosites. Os efeitos subagudos (da segunda à oitava semana após a exposição) são náuseas, vômitos, diarreia, queda de pelos e cabelos, astenia, hematemesis, enterorragia, hematuria, epistaxis, hemorragias genitais e do subcutâneo, febre, estomatites, leucopenia e anemia. Patologicamente observa-se destruição da medula óssea, dos linfonodos e do baço. Há menor resistência às infecções e muitas mortes ocorrem por septicemia. Também podem ocorrer alterações atróficas da glândula pituitária, tireóide e adrenal.

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A recuperação ocorre com a normalização dos leucócitos e eritroblastos, e o crescimento dos cabelos. Os efeitos sobre as células reprodutivas continuam, entre eles diminuição do número de espermatozóides nos homens e alterações menstruais nas mulheres. As mulheres grávidas durante a exposição podem ter recém-nascidos com microcefalia.

Os efeitos tardios são doenças exatamente iguais àquelas que ocorrem na população geral por diversas etiologias, mas que passam a ocorrer com maior frequência na população exposta à radiação, o que permite o estabelecimento de nexo causal — observando-se inclusive os períodos de latência conhecidos. Desta forma, por meio das conclusões do RERF (Fundação para pesquisa sobre os efeitos das radiações USA/Japão) que observou a coorte de 35 anos (1950-1985) pode-se afirmar que ocorreu aumento na prevalência dos tumores malignos (leucemia, câncer de tireóide, mama, pulmão, gástrico, intestino e mieloma múltiplo), catarata, aberrações cromossômicas, e mutações de células somáticas nos expostos. Retardo do crescimento e do desenvolvimento nos expostos nos primeiros anos de vida, além de anormalidades funcionais da tireóide e paratireóide, tendência a aumento da prevalência do câncer de esôfago, das glândulas salivares, trato urinário, ovário, linfoma e pele, além de maior mortalidade por doenças não malignas. Não foi observado aumento dos casos de leucemia linfóide crônica, osteosarcoma ou anormalidades congênitas. Os filhos dos sobreviventes não apresentam maior mortalidade ou maior frequência de alterações cromossômicas.

Em relação aos períodos em que ocorreu o aumento da prevalência de câncer, podemos dizer que os casos de leucemia foram predominantes entre 1950-53, os de tireóide aproximadamente 10 anos após a exposição, os de mama e pulmão 20 anos após, os casos de tumor gástrico, de colon e mieloma múltiplo 30 anos após. Em relação ao câncer de pulmão observou-se um efeito sinérgico do tabagismo, e o tipo histológico mais frequente foi o adenocarcinoma.

Em Chernobyl observou-se 10 anos após o acidente ocorrido numa usina nuclear o aumento exponencial dos casos de câncer de tireóide, principalmente entre as crianças e adolescentes.

Observa-se uma relação dose-resposta na gênese dos tumores causados por radiação, muito embora esteja bem estabelecida na literatura médica a relação entre a exposição a baixas doses de radiações ionizantes e o aumento da mortalidade por tumores sólidos. O risco de morte por câncer sólido aumentou 5% por 100mGy de exposição, sendo que uma em cada 100 mortes (com exceção da leucemia) pode ser atribuída à exposição à radiação no ambiente de trabalho. Estes dados foram extraídos de um estudo publicado em 2005 na respeitada revista médica British Medical Journal. Em 2015 a mesma revista publicou novo estudo que tem como autores principais Richardson e Cardis, realizado na França, Reino Unido e Estados Unidos e que confirma estes mesmos achados.

A exposição às radiações ionizantes se correlaciona com maior prevalência de diabetes, doença cardíaca isquê-mica e patologias cérebro-vasculares. Os casos de doença intersticial fibrosante dos pulmões são mais frequentes entre os expostos às radiações e diferem na apresentação da pneumonite actínica que ocorre após radioterapia. Parece haver relação entre a exposição às radiações e hepatite crônica, cirrose e hepatoma primário. Os estudos sobre alterações imunológicas apontam para efeitos principalmente sobre os linfócitos T. Há estudos que apontam para os efeitos psicológicos que ocorrem nessa população.

O IAEA (International Atomic Energy Agency) é a organização que legisla sobre as questões relacionadas à energia atômica. Ela relata que entre 1944 e 2006 ocorreram 428 acidentes nucleares. Quanto à classificação Chernobyl (1986) foi um acidente Grau VII, assim como Fukushima (2011).

É importante ressaltar que na medicina as fontes radioativas são essenciais e imprescindíveis, e o uso das radiações ionizantes representa um grande avanço em várias áreas da medicina com papel fundamental no diagnóstico e tratamento. Estão presentes nas clínicas de medicina nuclear, de radioterapia, de radiologia e nos laboratórios de análises clinicas para a realização de radioimunoensaios.

A situação nuclear no brasil

O Brasil possui usinas nucleares localizadas em Angra dos Reis, conhecidas minas de extração de Urânio e Tório como Caetité, Poços de Caldas e muitas outras situadas em todo o território nacional, unidades de enriquecimento isotópico de Urânio (em Iperó — SP e em Resende — RJ) e o histórico de um grave acidente radioativo com Césio 137 ocorrido em 1987 em Goiânia. Neste último, após o rompimento de um equipamento pertencente ao Instituto Goiano de Radioterapia — IGR, que abandonou o mesmo em um prédio...

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