O Brasil no âmbito das energias renováveis: biocombustíveis e suas celeumas socioambientais

AutorCharlene de Ávila Plaza; Nivaldo dos Santos; Marcela de Oliveira Santos
Páginas305-328

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1 Introdução

A crescente preocupação mundial123 com o futuro do meio ambiente e com as desigualdades sociais advindas do atual sistema de desenvolvimento, praticado tanto pelos países em desenvolvimento quanto pelos desenvolvidos, faz com que sejam prementes maiores reflexões sobre as mudanças de paradigmas no que concerne aos novos modelos de desenvolvimento que tenham como metas a sustentabilidade socioeconômica e ambiental.

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A divulgação do 4º relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), apontando os impactos causados pelo aumento de temperatura do planeta, fez com que comunidades internacionais discutissem o problema de forma mais responsável, com a finalidade de buscarem alternativas viáveis quanto à possibilidade de mudanças e substituições para as atuais matrizes energéticas.

Nesse contexto, os agrocombustíveis seriam, em princípio, soluções viáveis tanto para os problemas climáticos resultantes da queima de energias fósseis, quanto para a finitude das reservas petrolíferas. Entretanto, as mudanças ou substituições das matrizes energéticas, além de seus benefícios, têm seus problemas e consequências. A diversidade e expressivos volumes dos insumos, como oleaginosas e cana-de-açúcar, representam, pelo menos em tese, a redução do custo de produção dos agrocombustíveis a nível competitivo na seara econômica com o petróleo.

Os impactos socioambientais dos biocombustíveis e a maneira como o Brasil deverá se posicionar diante dessas questões no cenário internacional, são premissas fundamentais para emplacar nesse mercado em sua fase inicial, mesmo porque há um amplo consenso entre os países membros da União Europeia para a inclusão de critérios ambientais e sociais na produção dos biocombustíveis, independente de sua origem.

Com os critérios de sustentabilidade a UE (União Europeia) endurecerá as importações de biocombustíveis dos países que não foram capazes de cumprir os tratados internacionais que vão desde o Protocolo de Kyoto até os tratados da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Atualmente, estamos presenciando mais um ciclo econômico - o do biocombustível - que emerge justamente no momento em que o petróleo está no começo do fim, fator esse que contribui para a sua alta de preço no mercado, bem como para questões relacionadas com os problemas ambientais decorrentes do aquecimento global e uma possível alternativa para os biocombustíveis serem a “bola da vez” no cenário internacional.

Como toda grande mudança de paradigmas, o biocombustivel, como possível energia limpa, enfrenta grandes problemas e desafios na seara internacional, uma vez que, com o esgotamento e declínio do petróleo baseadoPage 308 em energias fósseis como matriz energética estar cada vez mais crescente, haverá a necessidade de substituição dessa matriz poluente por outras mais benéficas ao meio ambiente.

Para emplacar o sucesso dos biocombustíveis como alternativa renovável, dependerá de muitos fatores, dentre eles a busca do país na capacitação e desenvolvimento de tecnologias para produção na tentativa de retirarmos a “pecha” de que o Brasil apenas exporta bens primários. Mas para que haja a concretização desse objetivo, mister se faz aperfeiçoar tecnologias provenientes de pesquisas e desenvolvimentos para se ofertarem equipamentos com alto valor agregado para o mercado internacional interessado em desenvolver suas biomassas.

O presente artigo tem como finalidade analisar o atual panorama dos biocombustíveis que vivem suas glórias devido à expansão de sua oferta e são apontados como substitutos prováveis do petróleo e seus derivados, devido a seu potencial de mitigar os gases de efeito estufa e serem considerados como energias limpas. No entanto, também vivem seus pesadelos por serem apontados como os vilões no cenário internacional que os acusa de responsáveis pela escassez e elevação dos preços dos alimentos no mundo, cujas plantações desenfreadas de sua matéria-prima como cana-de-açúcar, oleaginosas e outros estão invadindo espaços de plantações voltadas aos gêneros alimentícios.

Sem intuito de fazer apologias em face dos biocombustíveis, constatase que há um aumento de áreas de plantações desses insumos para a sua produção na maioria das regiões brasileiras, sendo a mais problemática a Região Sudeste que, não tendo mais como ocupar espaços para o plantio canavieiro, continua avançando em outras áreas de pastagens e pecuária.

Como pesquisa teórica, será realizada revisão bibliográfica a partir de material publicado, constituído principalmente de livros e revistas especializadas no assunto e outros meios disponíveis, com a finalidade de avaliar criticamente o quadro teórico de referência no intuito de oferecer contribuições originais e maiores discussões da matéria.

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2 Os paradoxos das energias renováveis e dos biocombustíveis no Brasil

O Brasil é um país extremamente paradoxal, principalmente quando o assunto é o setor de energias renováveis. Primeiro porque, nos últimos 30 anos, vem galgando posição privilegiada comandando a liderança mundial da produção de etanol, biodiesel e tecnologia biocombustível automotiva, tornando-se um exportador em potencial tanto no que se refere ao produto quanto à sua tecnologia.

Mas ao mesmo tempo em que o governo promove a produção desse combustível e cria normas para que sejam adicionados 2% do produto ao óleo diesel, este é importado pelo país, fazendo com que se torne um jogo de soma zero, em que os grandes subsídios para as importações destes insumos superem os benefícios sociais da produção do biodiesel e, como consequência, essas iniciativas se mostrem marginais.

Em segundo lugar, em pleno início de 2008, a sociedade brasileira estava novamente sendo aterrorizada por um indício de um novo apagão de energia. Muito embora a situação não se mostrasse tão grave quanto a de 2001, o mercado continuava cético quanto à possibilidade de o governo fornecer energia elétrica suficiente em 2009.

Terceiro, porque ainda que possua o maior potencial hidrelétrico do mundo, o país perde a oportunidade de liderar uma verdadeira revolução energética, apostando nas usinas termelétricas que dependem de gás natural e combustível fóssil.

Nesse caso, o fantasma do “apagão” também poderá ocorrer nos setores das termelétricas e, sem duvida nenhuma, quem pagará pelos custos do aumento de energia e medidas de racionamento, mais uma vez, será a sociedade brasileira. E por que aventamos mais um colapso de energia desse setor? Pelo simples fato de que não há como atender as demandas para as usinas térmicas, a indústria e o abastecimento de automóveis simultaneamente.

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De acordo com pesquisa realizada pela Princewaterhouse Coopers4, o Brasil necessitará investir US$ 450 bilhões nos próximos 25 anos, isto é, até 2030, para atender a demanda de eletricidade, além de constatarem-se ambiguidades regulatórias quanto à burocracia dos licenciamentos ambientais que travam os necessários dispêndios de capital.

Até o presente momento, o Brasil não criou condições propícias para o desenvolvimento de um mercado de energias renováveis. Apesar de algumas leis e programas terem sido criados como o caso do PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), lançado pelo Governo Federal em 2002, eles não foram implementados corretamente, por falhas na definição e em regras claras para o funcionamento desse programa, dificuldades para obtenção de financiamento e barreiras para os empreendedores no que se refere ao acesso ao crédito e a determinados regulamentos institucionais por vezes incompletos, necessitando de maiores discussões.

Assim, a experiência bem sucedida de mais de 40 países mostra que o desenvolvimento do mercado de energias renováveis só acontecerá quando os produtores tiverem garantias de acesso à rede, trabalharem com contratos de longo prazo e tarifas especiais (feed in5).

Outros casos que constatam que o Brasil acelera na contramão da história no quesito setor energético, principalmente para a indústria do petróleo, dizem respeito a oito limitações estruturais e principais, apregoadas por Weintraub, Hester e Prado6:

• Ambiente regulatório burocrático;

• Tributações pesadas, que inclui royalties e taxas específicas para a indústria, a que soma uma questão inadequada das receitas;

• Procedimentos para licenciamento ambiental ineficaz e falta de sinergia entre os órgãos responsáveis;

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• Dificuldade para obtenção de financiamento para iniciativas privadas nos setores de infra-estrutura e energia, em decorrência de altas taxas de juros.

No que concerne ao setor petrolífero quanto às limitações estruturais e principais, temos:

• O fato de que, oito anos após a entrada em vigor da lei de petróleo que supostamente liberalizou a indústria petrolífera, a Petrobrás ainda desfruta, praticamente, de monopólios na maioria dos segmentos da indústria;

• O fato de a Agência Nacional de Petróleo não dispor dos meios para desincumbir-se de suas responsabilidades para mapeamento da existência de depósitos de petróleo e gás, mediante o uso de levantamento geológico e geodésico;

• Escassez de pessoal brasileiro especializado para as indústrias petrolíferas; e

• Insuficientes atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) na indústria do petróleo, exceto as realizadas pela própria Petrobrás através de seu Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES).7

Nesse diapasão, além dos impostos e contribuições federais e estaduais, que incidem sobre a economia em geral, como ICMS, imposto de renda e de importação...

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