O enigma da tutela coletiva na Europa

AutorStefaan Voet
CargoProfessor Associado da Universidade de Leuven (Bélgica) e Professor convidado da Universidade de Hasselt (Bélgica). E- mail: stefaan.voet@kuleuven.be.
Páginas1032-1066
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 3. Setembro a Dezembro de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 1032-1066
www.redp.uerj.br
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O ENIGMA DA TUTELA COLETIVA NA EUROPA
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EUROPE`S COLLECTIVE REDRESS CONUNDRUM
Stefaan Voet
Professor Associado da Universidade de Leuven (Bélgica) e
Professor convidado da Universidade de Hasselt (Bélgica). E-
mail: stefaan.voet@kuleuven.be.
RESUMO: O artigo objetiva realizar observações pontuais e relevantes sobre a tutela
coletiva na Europa, tema controvertido e enigmático, mas que tem recebido cada vez mais
atenção dos agentes políticos europeus. Analisa-se, nesse ínterim, a possibilidade de
utilização de instrumentos compensatórios coletivos para regular situações de dano de massa
e quais as respostas dadas pela Europa no atendimento dessa demanda. Por fim, imperioso
se torna ressaltar que o presente artigo não visa a inferir a superioridade de determinados
modelos, objetivando tão somente descrever o cenário atual, de maneira crítica, na tentativa
de otimizar todas as opções para uma melhor tutela dos danos coletivos.
PALAVRAS-CHAVE: Tutela coletiva; Europa; enigma.
ABSTRACT: The article aims to do specific and relevant observations regarding the
collective redress in Europe. This is a polemic and enigmatic subject, which has been
receiving increasing attention from European political agents. It is also be analyzed the
possibility of using collective redress instruments to regulate situations of mass damage, as
well as the responses given by Europe to this demand. Finally, it is imperative to emphasize
1
Artigo recebido em 03/09/2021, sob dispensa de revisão.
2
Tradução para o português do artigo intitulado Europe`s Collective Redress Conundrum realizada por Larissa
Clare Pochmann da Silva, Carla Ter esa Bonfadini de Sá, Fabiana Marcello Gonçalves Mariotini, Alanna
Martins e Maria Eduarda de Paiva Miguez. O referido artigo, escrito pelo Prof. Stefaan Voet, foi publicado, no
ano de 2018, na edição nº 61 do Japanese Yearbook of International Law .
3
A lei foi apresentada em 1º de maio de 2018. Este cap ítulo é baseado no artigo Where the Wild Things Are
Reflections on the State and Future of European Collective Redress. In: KEIRSE, Anne; LOOS, Marcos.
Waves in Contract and Liability Law in Three Decades of Ius Commune. Reino Unido: Intersentia, 2017, p.
105-140.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 3. Setembro a Dezembro de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
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that the present paper does not have the pretension to state if there is some superior model
of protection and compensation. The article only intends to critically describe the current
scenario, in an attempt to optimize all options for better protection of the collective damages.
KEYWORDS: Collective redress; Europe; conundrum.
Introdução
Neste breve texto, serão feitas algumas observações gerais sobre o atual debate sobre
a tutela coletiva na Europa. Semelhante a muitas outras partes do mundo, a tutela coletiva
continua sendo um tópico polêmico. Há controvérsia nos vários Estados-Membros da União
Europeia (UE). As questões recorrentes são: precisamos de mecanismos de tutela coletiva
4
?
Como eles devem ser projetados? Eles vão realmente oferecer proteção coletiva? Haverá
uma utilização abusiva? Existem alternativas?
A maioria dos Estados-Membros europeus adotou mecanismos de tutela coletiva ou
semelhantes
5
. Na maior parte das jurisdições, esses mecanismos possuem uma natureza
setorial, o que significa que seu escopo se limita a versar sobre o direito do consumidor ou
da concorrência. A legitimidade geralmente é atribuída a associações, fundações (não são
legitimados indivíduos) ou entidades públicas. A maioria dos Estados-Membros escolhe o
sistema opt-in, enquanto outros escolhem o opt-out ou sistemas mistos. Há tantas variações
quanto países. Essas variações não serão aqui abordadas
6
.
Ao longo dos anos, a reparação coletiva tem recebido cada vez mais atenção dos
mentores de políticas europeias, impulsionando a agenda consumerista e de defesa da
concorrência. Até o momento, falta uma estrutura clara, abrangente, uniforme e bem
pensada. Ela representa um enigma. Pretende-se resolver este problema. Para isso, nos três
4
As ações co letivas são ações representativas: são realizad as por um representante que atua em nome de um
grupo de pessoas que enfrentam questões factuais e / ou jurídicas iguais ou semelhantes, que não são partes no
processo, mas também estão vinculadas pelo efeito da coisa julgada.
5
Veja Christopher Hodges; Stefaan Voet, Delivering Collective Redress: New Technologies (2018), pp. 43-
143. Veja também o site do projeto Glo bal Class Actions Exchange Network, disponível em
<http://globalclassactions.stanford.edu>, contendo relatório de diversos países.
6
Para um panorama recente, consu lte The British Institute of International and Comparative Law, State of
Collective Redress in the EU in the Context of the Implementation of the Commission Recommendation,
JUST/2016/JCOO/FW/CIVI/0099, Novembro, 2017, available at <http://ec.europa.eu/newsroom/just/item-
detail.cfm?item_id=612847>.
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primeiros capítulos (I-III), há a descrição do estado atual das coisas. Nos capítulos
subsequentes (IV-VII), há quatro observações gerais.
I. Recomendação de Reparação Coletiva da Comissão Europeia
Em 2013, a Comissão Europeia publicou sua Recomendação sobre princípios comuns
para mecanismos de tutela coletiva inibitórios e compensatórios nos Estados-Membros
relativos a violações dos Estados-Membros da União Europeia (doravante referida como
"Recomendação")
7
. A Comissão recomenda que todos os Estados-Membros tenham
mecanismos de tutela coletiva nas áreas em que o bloco concede direitos aos cidadãos e às
empresas: proteção do consumidor, concorrência, proteção de dados pessoais, legislação de
serviços financeiros e proteção de investidores. O objetivo não é harmonizar os sistemas
nacionais, mas estabelecer um marco para os mecanismos de reparação coletiva judiciais
(inibitório e compensatório) e extrajudiciais. A Comissão deseja facilitar o acesso à justiça,
cessando práticas ilegais, e permitir que as vítimas de danos de massa obtenham reparação,
ao mesmo tempo em que fornece salvaguardas processuais adequadas para prevenir litígios
abusivos
8
.
Embora esses conceitos sejam abertos, a Recomendação estabelece que os
procedimentos de reparação coletiva devem ser justos, equitativos, tempestivos e não
onerosos
9
. A Recomendação se aplica à tutela inibitória e ressarcitória
10
. A primeira é "um
mecanismo legal que garante a possibilidade de reivindicar a cessação de comportamentos
ilegais coletivamente por duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas ou por uma entidade
com direito a uma ação representativa". A segunda é "um mecanismo legal que garante a
possibilidade de requerer indenização coletiva por duas ou mais pessoas naturais ou
7
Official Journal L 201, July 26, 2013, p. 60. Para uma análise, veja Csongor István Nagy, “The European
Collective Redress Debate after the European Commission’s Recommendation: One Step Forward, Two Steps
Back?,” Maastricht Journal of European and Comparative Law, Vol. 22, No. 4 (2015), p. 530; E lisabetta
Silvestri, “Towards a Common Framework of Collective Redress in Eu rope? An Update on the Latest
Initiatives of the European Commission,” Russian Law Journal, Vol. 1, No . 1 (2013), p. 47; John Sorabji,
“Reflections on the Commission Communication on Collective Redress,” Irish Journal of European Law, Vol.
17, No. 1 (2014), p. 62. Para uma conferência, veja Stefaan Voet, “European Collective Redress: A Status
QuaestionisInternational Journal of Procedural Law, Vol. 4, No. 1 (201 4), pp. 101-106.
8
Artigo 1º e considerandos 10 e 13 da Recomendação.
9
Artigo 2º da Recomendação.
10
Artigo 3º (a) da Recomendação.

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