Ensaio sobre a Recuperação de Pessoas Singulares (Sobre- endividamento) na Legislação Portuguesa

AutorAlexandre Chini - Diógenes Faria de Carvalho
CargoJuiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro - Professor universitário
Páginas165-177

Ver nota 1

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1. Introdução

De acordo com a Portaria 1.039/2004 e com a aprovação do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) pelo Decreto-Lei 53/2004 e pela Lei 16/20122, reformou-se profundamente o direito falimentar português, ocorrendo várias modiicações na estrutura do processo, como também a introdução de novas iguras com ele relacionadas. Uma dessas iguras é o plano de pagamento, que, todavia, se aplica nos casos em que o devedor seja uma ‘pessoa singular’, ou um pequeno empresário3, desde que tenha menos de 20 credores, não tenha dívidas laborais e tenha menos de € 300.000 de passivo.

Assim, o plano de pagamentos consiste numa proposta de satisfação dos direitos dos credores que acautele devidamente os seus interesses e que poderá conter garantias reais ou privilégios creditórios existentes. Cuida-se de um programa calendarizado de pagamento ou o pagamento numa só prestação. O plano de pagamento é apresentado pelo devedor, conjuntamente com a petição inicial do processo de insolvência, ou após a sua citação no caso de o pedido de insolvência ter sido requerido por terceiro. Desta forma, o plano de pagamentos é um instrumento útil para imprimir celeridade ao processo de insolvência e obter a satisfação dos direitos dos credores.

2. A reforma da ação executiva

O Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro4, introduziu diversas medidas destinadas a aperfeiçoar o modelo adotado pela designada Reforma da Ação Executiva: em conjugação com as medidas adotadas para evitar ações judiciais desnecessárias, foram introduzidos mecanismos destinados a apoiar os executados em situação de superendividamento, procurando desta forma criar a ligação que faltava entre o judiciário e as entidades que prestam apoio ao superendividado.

Considerando os processos executivos, que se destinam à cobrança judicial de dívidas muito frequentes e que constituem uma boa parte do sistema de justiça, são criadas duas novas medidas destinadas a detectar e apoiar pessoas em situação de superendividamento.

Em primeiro lugar, nas execuções extintas por não terem sido encontrados bens penhoráveis, é dada aos executados em situação de sobreendividamento, como dizem os portugueses, a possibilidade de suspender

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a inclusão do registro do seu nome na lista pública de execuções quando aderirem a um plano de pagamento elaborado por uma entidade especíica e enquanto estiverem a cumprir as obrigações acordadas.

Em segundo lugar, no caso dos processos de execução submetidos a centros de arbitragem em que o executado seja uma pessoa em situação de sobre-endividamento, é dada a possibilidade de suspensão do processo por acordo entre as partes, se o executado aderir a um plano de pagamento elaborado por uma entidade especíica e enquanto estiver a cumpri-lo.

Registre-se que a importância destas medidas se situa em dois planos. Por um lado, uma pessoa em situação de superendividamento é, em primeira linha, alguém que necessita de auxílio para reconstruir a sua situação inanceira e poder voltar a honrar seus compromissos. Daí que surge a preocupação essencial de criar condições para ajudar o cumprimento de um plano de pagamento com os seus credores. Por outro lado, a criação de um plano de pagamentos por acordo entre a pessoa sobre-endividada e os seus credores traduz-se numa situação mais vantajosa para estes, uma vez que possibilita novamente a recuperação de créditos, o que, de outra forma, seria muito difícil.

Os sistemas de apoio ao superendividamento no direito português constituem um conjunto de mecanismos colocados à disposição de pessoas superendividadas por entidades habilitadas a prestar esses serviços e que têm como objetivo aconselhar, informar e acompanhar qualquer pessoa em situação de sobre-endividamento na elaboração de um plano de pagamento, através de procedimentos conciliatórios ou através da mediação.

3. A finalidade do processo especial de revitalização5 O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que comprovadamente se encontre em situação econômica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com eles acordo tendente à sua revitalização

Trata-se de um processo de caráter urgente e pode ser usado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne condições necessárias para a sua recuperação. Considera-se em "situação econômica difícil" aquele devedor que enfrenta diiculdades sérias e não consegue cumprir pontualmente as suas obrigações, por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter mais crédito.

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Assim, cabe ao devedor comunicar ao juiz competente a sua pretensão em dar início às negociações conducentes à sua recuperação. Logo após, qualquer credor dispõe de vinte dias para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora a lista provisória de créditos. Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista deinitiva.

Com o im do prazo para impugnações, os declarantes dispõem de dois meses para concluir as negociações, durante as quais o devedor presta toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório, para que se possa realizar de forma transparente e equitativa o plano de revitalização.

O devedor, bem como seus administradores de direito ou de fato, é solidariamente e civilmente responsável pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorreção das comunicações ou informações a estes prestadas, correndo autonomamente ao presente processo de revitalização a ação intentada para apurar as aludidas responsabilidades.

4. Efeitos da recuperação

O despacho de nomeação do administrador provisório obsta a instauração de ações para cobranças de dívidas contra o devedor, seja qual for a sua natureza. Contudo, obsta a instauração apenas no que se refere ao devedor, pois se forem vários executados/réus e requeridos, os processos seguem normalmente.

Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório, o devedor ica impedido de praticar atos de especial relevo, tal como deinidos no art. 161, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.

Entre a comunicação do devedor ao administrador judicial provisório e a resposta, previstas no número anterior, não podem passar mais de cinco dias, devendo, sempre que possível, recorrer-se a comunicações eletrônicas.

A falta de resposta do administrador judicial ao pedido formulado pelo devedor corresponde à declaração de recusa de autorização para a realização do negócio pretendido.

Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime do plano de recuperação à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus

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credores, o instrumento deve ser assinado por todos, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato os seus efeitos.

Após as negociações, com aprovação do plano de recuperação, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal. Considera-se aprovado o plano que reúna a maioria dos votos, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados na lista de crédito a que se referem os números 3 e 4 do artigo 17D6, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de serem reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação. A decisão do juiz, depois de publicada, vincula os credores, mesmo que não hajam participado das negociações.

Caso o devedor ou a maioria dos credores conclua antecipadamente não ser possível cumprir o acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no art. 17 n. 57, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal fato no processo, se possível, por meios eletrônicos e publicá-lo no portal Citius8.

Nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos. Estando, porém, o devedor já em situação de...

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