O ensino da defesa e da promoção da concorrência nos cursos de graduação em direito no Brasil: O estado da arte

AutorLeonardo Arquimimo De Carvalho
Páginas140-195

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1. Introdução

O direito da concorrência tem conquistado espaço importante no cenário jurídico brasileiro. Desde os anos 1990 este ramo do Direito trouxe contribuições consideradas fundamentais para o aperfeiçoamento dos mecanismos de garantia da defesa e da promoção do equilíbrio no mercado.

O surgimento de demandas envolvendo grupos econômicos nacionais e internacionais com grande poder deu visibilidade ao Sistema Brasileiro de Defesa da Con-corrência/SBDC. Ao mesmo tempo, o surgimento de um modelo de verificação preventiva de atos de concentração exigiu o fortalecimento das estruturas existentes.

A reestruturação das cadeias produtivas em todo o mundo afetou de forma abrupta o mercado brasileiro. As mesmas têm testado a habilidade das instituições nacionais para adotar as melhores opções, promovendo a competição e ao mesmo tempo assegurando eficiência.

Somente para ilustrar o afirmado, no ano de 2006 o Conselho Administrativo de

Defesa Econômica/CADE apreciou 507 casos envolvendo atos de concentração, processos administrativos e averiguações preliminares, além de outros procedimentos. Em 2005, 2004 e 2003 o número de casos apreciados foi, respectivamente, de 666, 782 e 581. A Secretária de Acompanhamento Econômico/SEAE no ano de 2006 analisou 425 atos de concentração e processos administrativos. Em 2005, 2004 e 2003 foram, respectivamente, 486, 561 e 532.

No período que vai de 2002 a 1994 as instituições ligadas à política de defesa da concorrência tiveram também uma oceânica demanda de trabalho envolvendo a maioria dos mercados relevantes nacionais - o que exigiu uma adaptação do sistema à legislação vigente e ao cenário econômico nacional e internacional.

A repressão aos acordos horizontais, o apoio e a divulgação de informações técnicas, o controle de atos de concentração, o combate aos acordos verticais danosos, são medidas que encontraram grande destaque nas ações dos órgãos integrados ao sistema de controle da concorrência.

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De qualquer maneira, o extenso inverno para o livre mercado e a presença de um Estado fortemente interveniente na economia tornaram os fenômenos afeitos à concorrência desconhecidos da organização social. Desde meados dos anos 1990 os organismos que aparelham o SBDC têm buscado estabelecer instrumentos que invertam a realidade indicada e assegurem a divulgação e o compartilhamento de informação sobre o que representam suas funções.

A difusão de informações e a criação de uma cultura voltada para o livre mercado e para o equilíbrio de meios avançaram com intensidade. Contudo, a função andra-gógica, descrita como um ambiente de atuação institucional, não produziu grande impacto no cenário vinculado ao ensino e à investigação jurídica.

No cenário da pós-graduação stricto sensu em Direito a discussão de temas vinculados à concorrência não pode ser considerada irrelevante. Como muitos programas têm cursos, disciplinas ou linhas de pesquisa na área do direito econômico, não é raro encontrar dissertações ou teses que sistematizam ou produzem novas reflexões sobre a política antitruste.

Porém, o restrito espaço destinado ao ensino e à investigação dos temas envolvendo a defesa e a promoção da concorrência nos cursos de graduação em Direito é digno de destaque. Neste particular, a ausência de um cenário mais estimulante para o ensino dos temas no espaço indicado parece dificultar a ampliação da difusão de informações na área. Os conteúdos de direito da concorrência são pouco estudados no Brasil, e esta limitação se constitui em elemento amplificador da limitação da difusão cultural.

Em síntese, o surgimento de um sistema de controle de concorrência teve grande impacto na repressão ao abuso do poder econômico e principalmente na garantia de um mercado equacionado pelos princípios da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade e defesa dos consumidores. Porém, conforme descrito, apesar de o direito da concorrência ter alcançado espaço de destaque no cenário jurídico brasileiro a partir dos anos 1990, seu estudo e principalmente seu ensino não tiveram igual proeminência.

De qualquer maneira, o presente ensaio objetiva comprovar a hipótese de que a temática do direito da concorrência não é adequadamente estudada nos cursos de graduação em Direito no Brasil. A idéia de inadequação decorre de uma percepção sobre a importância dos conteúdos e sobre a necessidade de estabelecer a promoção deste ramo jurídico específico, difundindo a cultura da prevenção e da repressão às infrações contra a ordem econômica.

A verificação da afirmação anterior depende de uma investigação sobre uma parte da documentação das Instituições de Ensino Superior/IES que ofertam o curso de graduação em Direito, buscando identificar os espaços de ensino destinados ao direito da concorrência.

Como conseqüência, a investigação pretende apontar os principais elementos considerados como responsáveis pela limitação da expansão do estudo da temática e apresentar informações sobre mecanismos suficientes à modificação da realidade.

Para tanto, a investigação pretende preambularmente estabelecer duas breves descrições: a primeira sobre o processo evolutivo da atividade da promoção da concorrência por mecanismos legais no ordenamento jurídico brasileiro e a segunda sobre uma perspectiva evolutiva do ensino do direito da concorrência. A opção pelas descrições decorre de uma necessidade de situar dois ambientes evolutivos distintos, atentando para que o primeiro, no modelo de organização do ensino superior nacional, é geralmente um indutor do segundo. Ambos buscam elucidar o panorama crescente de maturação do tema da concorrência no Brasil, mas se adverte que nesse momento a investigação não faz uso de fontes primárias.

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Era lento o reverberar das inovações teóricas e mesmo legislativas na educação superior em Direito. Atualmente a realidade não é distinta, apesar da ampliação do espaço da pós-graduação stricto sensu, da melhora na produção acadêmica nacional, do alargamento do espaço de formação em instituições estrangeiras, da tradução para a Língua Portuguesa de obras importantes, da incorporação de qualidade a algumas obras-formulário e aos trabalhos manualís-ticos, além de uma melhor reflexão sobre a andragogia na educação superior.

No seu terceiro momento a investigação pretende fazer uma observação sobre como ensinar defesa e promoção da concorrência nos cursos de graduação em Direito. Assim, será possível identificar os principais ambientes de difusão da temática, o momento de oferta, o tipo de vínculo que a disciplina tem com a estrutura curricular e os conteúdos ensinados. Aqui, a investigação utiliza as fontes primárias disponíveis e acessíveis, além da solicitação de confirmação de informações endereçadas diretamente às instituições que ofertam o ensino dos conteúdos de forma central.

Na última parte o trabalho pretende apresentar um conjunto de variáveis apontadas como limitadoras da expansão da difusão do ensino e da promoção da concorrência no Brasil. Ainda, pretende apontar indiretamente eventuais medidas suficientes à ampliação do espaço da difusão da cultura da concorrência, além da melhora na qualidade do ambiente de estudo da mesma.

2. Considerações sobre o direito da concorrência no Brasil

A separação entre as atividades econômicas e as políticas do Liberalismo do século XIX teve efeitos distintos para cada Estado. O tecido social e o desenvolvimento econômico modificaram o modelo de organização e gestão do mercado. Já os efeitos da economia de guerra e suas con-seqüências tiveram impactos generalizados e reforçaram a idéia de um alargamento da intervenção pública no domínio econômico, com base no retorno da idéia da indissociabilidade entre Política e Economia.

De maneira sintética, é possível imaginar que no Brasil, durante um período relativamente longo, a idéia de um ramo jurídico especializado na prevenção e na repressão às infrações contra a ordem econômica representou algo considerado desnecessário - economia baseada na monocultura exportadora.

O desenvolvimento e a promoção da concorrência estão associados à maturidade econômico-industrial e à forma como a estrutura social se relaciona como o mercado onde a mesma está inserida. Toda a lógica da organização econômica do mercado nacional esteve voltada para o deses-tímulo às aventuras capitalistas. Igualmente, o padrão protecionista como base na construção de um ambiente industrial calcado na substituição de importações1 limitou a existência de um livre mercado. O Estado, atuando de forma concentrada, contribuiu para que o ambiente de inação em termos competitivos se tornasse o próprio modelo de organização econômica.

No Brasil o regime político adotado na Constituição de 1891 mantinha o Estado ausente das atividades econômicas e se

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limitava a fazer referência à promoção do bem geral da Nação e ao respeito à propriedade privada. A competência da União estava limitada à criação de bancos emissores e à formação e à manutenção de alfândegas. O texto constitucional garantia navegação de cabotagem feita por navios nacionais e estabelecia a possibilidade de que União e Estados legislassem em matéria relacionada a viação férrea e navegação interior - influência do dirigismo racional. No período, a intervenção do Estado na ordem econômica estava associada à prote-ção do comércio e da exportação do café (Venâncio Filho 1998:30-31; Carvalhosa 1971:131-133).

O desenvolvimento da economia nacional, o cenário externo belicoso e a crise de 1929, a situação da cafeicultura,2 além de outros...

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