O entendimento do Carf sobre tributação pelo IOF dos contratos de conta corrente

“Para todo o homem, mesmo o mais culto, a humanidade consiste essencialmente naquela porção de homens que residem no seu bairro.”

(Eça de Queiroz)

“Sim, o mundo é um bairro, e todos os homens são nossos vizinhos.”

(José Eduardo Agualusa)

Com essa citação de Eça de Queiroz, o escritor angolano José Eduardo Agualusa abria sua coluna semanal no dia 23 de outubro, uma segunda-feira, no Segundo Caderno do jornal O Globo[1]. A coluna discorria sobre o recente atentado terrorista na Somália, que matou mais de 300 pessoas, mas não teve grandes repercussões na imprensa mundial nem causou maiores comoções nas redes sociais. É inegável que a Terra encolheu dos tempos de Eça para os dias de hoje. Temos livre acesso à mídia internacional, nos comunicamos com facilidade com amigos no exterior, sentimo-nos próximos, quase vítimas, dos atentados na Europa e do atirador de Las Vegas, tememos o furacão que avança sobre Miami, pois poderíamos lá estar. Já o continente africano está fora dessa geografia íntima e privilegiada, anota o colunista, e conclui: “O mundo encolheu, mas a África continua imensa, obscura e distante”.

A dualidade — inclusão versus exclusão — acentuada pela revolução tecnológica reforça espaços de pertencimento e zonas de isolamento, ambiente fértil para que se disseminem ideologias fundamentalistas, movimentos profundamente reacionários e obscurantistas, contrários à ciência, às artes, à inteligência e à própria ideia de modernidade. A resposta de Agualusa na frase que encerrava sua coluna provoca reflexões. O mundo encolheu, e a população de nosso bairro aumentou, temos que estar atentos e enfrentar sem ilusões o retrocesso que brutaliza e renega o que há de melhor nas relações humanas: o respeito e a tolerância.

Essas reflexões vieram em pleno voo para Joinville (SC). Convidado pela professora Marta Neves, ia dar uma aula sobre planejamento tributário na jurisprudência do Carf. Uma aula sobre dias de intolerância, sobre insegurança jurídica, sobre desrespeito ao passado, sobre como em tão pouco tempo se desmontaram décadas de decisões ponderadas e juridicamente sólidas a respeito da aplicação da lei tributária sobre fatos, atos e negócios jurídicos. O “rolo compressor” da administração fiscal vem sistematicamente aniquilando as decisões das “câmaras baixas” e as substituindo pela interpretação de “qualidade” de seus representantes na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).

Mais um exemplo dessa reversão de orientação foi o julgamento da 3ª Turma da CSRF que reformou o entendimento firmado no Acórdão 3101-001.094, de 25 de abril de 2012, que havia decidido pela não incidência do IOF de que trata o artigo 13 da Lei 9.779/99 sobre contratos de conta corrente (caso Multicorp)[2], nos seguintes termos:

"IOF. RECURSOS DA CONTROLADA EM CONTA CORRENTE DA CONTROLADORA. CONTA CORRENTE. RAZÃO DE SER DA HOLDING

Os recursos financeiros das empresas controladas que circulam nas contas da controladora não constituem de forma automática a caracterização de mútuo, pois dentre as atividades da empresa controladora de grupo econômico está a gestão de recursos, por meio de conta corrente, não podendo o Fisco constituir uma realidade que a lei expressamente não preveja".

O entendimento do Carf a respeito da não incidência do IOF assentava na correta distinção entre as duas figuras jurídicas, distinção essa fundamental para a aplicação da lei, eis que o artigo 13 da Lei 9.779/99 se refere expressa e exclusivamente às operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros, nada falando sobre o contrato de conta corrente ou outras figuras afins.

O contrato de mútuo está expressamente definido no artigo 586 do Código Civil como...

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