Entidades sindicais de grau superior: critérios e limites da unicidade sindical

AutorLuiz Philippe Vieira de Mello Filho - Renata Queiroz Dutra
Páginas108-112

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Luiz Philippe Vieira de Mello Filho

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho.

Renata Queiroz Dutra

Doutora em Direito pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta de Legislação Social e Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

1. Introdução

A Lei n. 13.467/2017, intitulada “Reforma trabalhista”, trouxe para a ordem jurídica polêmicas e controversas inovações, cuja constitucionalidade e convencionalidade devem ser detidamente aferidas por aqueles e aquelas que vivenciam, pensam e aplicam o direito.

As luzes lançadas sobre as negociações coletivas, que passam a ter funções diversas no ordenamento jurídico1, e, em alguma medida, a retirada da obrigatoriedade da contribuição sindical – desobrigação cujos fundamentos e ausência de mediações sociais são questionáveis – renovam o imprescindível debate sobre a liberdade sindical no país.

Nesse artigo, e na esteira dos silêncios eloquentes da reforma trabalhista, busca-se debater os limites à aplicação do princípio da unicidade sindical às entidades sindicais de grau superior, considerando a tensão constitucional entre os postulados da liberdade sindical e da unicidade sindical.

A existência de vetores contraditórios no texto constitucional, que, de um lado, aponta para a não intervenção do Estado nas instituições sindicais e para o fomento do pluralismo político e da representatividade democrática, e, de outro, institui obrigatoriamente a unicidade sindical por base territorial, é conflito que se coloca tradicionalmente, entre as entidades sindicais de base.

Entretanto, o debate se modifica quando a questão alcança as entidades sindicais de grau superior – as Federações e Confederações – uma vez que a base territorial das referidas entidades é composta justamente pelas agremiações sindicais que compõem o ente federativo e confederativo, abrindo margem para uma maior densificação do princípio da liberdade sindical, sem que haja assim conflito de bases territoriais entre entes sindicais que convivem.

A metodologia desse breve ensaio consistirá em revisão bibliográfica empreendida por meio de diálogo das fontes, no qual o direito do trabalho será lido e pensado a partir da hermenêutica constitucional.

2. Entre liberdade e unicidade: os paradoxos do texto constitucional

A questão debatida se reporta à originária tensão revelada na Constituição de 1988 entre a garantia da liberdade sindical e a regra da unicidade.

Está posto no art. 8º da Constituição Federal:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a inter-venção na organização sindical;

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

Identificada como um movimento constitucional contraditório em relação ao Direito Coletivo do Trabalho, a Constituição de 1988, ao tempo em que avança no sentido de afastar o controle estatal dos sindicatos e assegurar expressamente a

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liberdade sindical enquanto garantia fundamental, preservou estruturas já integrantes da nossa dinâmica sindical infra-constitucional que se mostram, a priori, incompatíveis com a plenitude da liberdade sindical, como é o caso da contribuição sindical obrigatória e da unidade sindical, submetida ao controle pelo Ministério do Trabalho e Emprego2. Nesse sentido:

Com a Constituição de 1988, todavia, a contradição tornou-se evidente, na medida em que a liberdade e a unici-dade constam agora do mesmo texto. Além disso, o inciso I do art. 8º veda a interferência e a intervenção do Poder Público na organização sindical – o que, se não houvesse a unicidade prevista no inciso II do mesmo dispositivo, seria um bom argumento em favor da não recepção do art. 516 da CLT. Não obstante, foi apenas com essa última Carta que a liberdade sindical e os direitos trabalhistas deixaram de ser previstos no título destinado à ordem econômica e social e passaram a figurar expressamente como direitos e garantias fundamentais3.

Como observa Ricardo Machado Lourenço Filho, os debates da Constituinte de 1988 já demonstram a tensão entre as noções de liberdade e unicidade, como se tais postulados fossem incompatíveis em essência: parte significativa do movimento sindical e a maioria dos constituintes defendeu a persistência da unicidade por temer a fragmentação e a pluralidade sindical fragilizadoras do coletivo dos trabalhadores, sem observar a rica possibilidade de construção da unidade sindical a partir da premissa da liberdade. Nesse sentido, as palavras do autor:

Partindo dessas premissas vê-se o quanto há de inadequado em se utilizar uma distinção simplificadora do tipo “amigo/inimigo” para rejeitar o pluralismo – também aqui construções causais parecem contribuir para o obscurecimento da realidade. Em outras palavras, é a própria liberdade sindical, apreendida como uma dimensão do direito de autodeterminação individual, que é colocada em jogo quando se rejeita aos trabalhadores (e também aos empregadores) o direito à diferença e, portanto, à pluralidade. A unidade – desejada pelos defensores da unicidade – não pode ser imposta sob o pretexto de necessidade de proteção e, por conseguinte, de união contra o inimigo comum. As condições para essa construção perpassam, num plano mais amplo, a efetiva garantia na Constituição da liberdade sindical como direito fundamental. A questão estava, portanto, mal colocada nas discussões constituintes sobre organização sindical e isso por duas razões. A primeira delas é a de que não se trata apenas de decidir entre unicidade ou pluralidade. Vale dizer, a unicidade não se opõe (apenas) à pluralidade, mas principalmente, afronta a própria liberdade sindical, ao negar aos empregadores e trabalhadores um relevante aspecto da...

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