Entretenimento nas ambiências midiáticas do espetáculo

AutorEdson Farias
CargoPesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa Professor adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília
Páginas178-216
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p178
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Diversidade Cultural e
Entretenimento nas Ambiências
Midiáticas do Espetáculo1
Edson Farias2
Resumo
O escopo desta análise f‌igurativa-processual é a correlação entre comunicação e diversidade cul-
tural. Primeiramente, discorre-se sobre o lugar da imagem na cultura ocidental contemporânea.
Af‌irma-se, então, que o audiovisual está inserido nas transações entre as redes sócio-humanas e
maquínicas que não apenas dão suporte e interpelam as formas e os meios de simbolização, mas
também correspondem a um exemplar tardio dessa mesma interação. A análise recai, ainda mais
especif‌icamente, na interação da produção audiovisual com outros modos de produção e circula-
ção de bens simbólicos, em especial na montagem das ambiências midiáticas, no ato mesmo da
recomposição de outros modos de simbolização como conteúdos desses ambientes sociotécni-
cos. O exame da convergência de mídia televisual e o evento-gênero lúdico-estético carnavalesco
do Desf‌ile das Escolas de Samba cariocas demonstra que, na reconstituição da ambiência no
evento, é possível observar mecanismos do entretenimento contemporâneo e, especialmente, o
(mecanismo de atribuição de) valor cultural a uma determinada expressão social.
Palavras-chave: Diversidade cultural. Audiovisual. Entretenimento. Ambiências midiáticas.
Evento-espetáculo. Desf‌ile de Carnaval. Rio de Janeiro.
Introdução
Em especial nas últimas décadas do século passado, a conuência entre
as ecologias sociotécnicas e a linguagem digital tem pressionado, na direção
de novos rumos, parâmetros e possibilidades, além de desaos, as esferas da
1 Uma versão preliminar deste texto foi apresentada à Mesa Redonda Ref‌lexões sobre o Espetáculo e os
Sonhos, durante o Seminário “Sonhar não Custa Nada ou Quase Nada”: Horizonte do Desf‌ile das Escolas
de Samba do Rio de Janeiro – UERJ, 24-25 jun., Rio de Janeiro, 2015. O texto divulga resultados do projeto
de pesquisa Estilemas Artísticos no Ofício de Carnavalesco na Cultura Popular Urbana do Espetáculo no Rio
de Janeiro, que conta com f‌inanciamento do CNPq, na modalidade de bolsa de produtividade em pesquisa
(2014-2017).
2 Pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq. Professor adjunto do Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação em Memória: Sociedade e Linguagem da Universi-
dade Estadual do Sudoeste da Bahia. Líder do grupo de pesquisa Cultura, Memória e Desenvolvimento (CMD/
UnB). Editor da revista Arquivos do CMD. E-mail: nilos@uol.com.br.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 35 - Jan./Abr. de 2017
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experiência sócio-humanas. As linguagens e tecnologias audiovisuais pare-
cem estar à contrapartida de muitos desses revolvimentos, como ferramenta,
estendendo-se até os formatos pedagógicos interativos, redenindo, tanto os
ritmos, quanto as nalidades do trânsito de informações, em particular com
ritmos ditados pelo advento e propagação das redes sociais. No que se refere
ao audiovisual em si, desde meados do último século, nas dimensões técnica,
artística, lúdica e industrial-mercantil, o impacto é profundo e transformador.
Qualicado de arte tecnológica por excelência (BENJAMIN, 2012, p. 9-41),
coube ao cinema impor-se em escala planetária, sob o perl lúdico-artístico,
alocando diferentes gêneros e linguagens na medida mesma em que se consa-
grava um potentado industrial, que aliava a capacidade de chegar aos planos
subjetivos e às proporções macrossociais.
Em um primeiro momento, a base desse crescimento fora o processo quí-
mico fotográco, uma tecnologia dispendiosa, cujos elevados custos excluíam
não apenas grupos humanos menos aquinhoados mas também países situados
na periferia da economia-mundo, o que favoreceu a posição ocupada pelos
Estados Unidos, no nal do século XX – detendo 80% do mercado mundial
de lmes e programas de TV.
Iniciado na década de 1990, o emprego cada vez mais amplo de recursos
digitais implicou certa descentralização do acesso aos meios de produção au-
diovisual. Por sua vez, a popularização da Internet contribuiu para a conver-
gência entre as mídias. Desde então, o cenário cultural do audiovisual conhece
signicativa alteração, já que muitos outros países aumentaram sua produção,
acirrando, assim, as disputas pela conquista de mercados nacionais e regionais
para difundir as respectivas produções. Alteraram-se igualmente as relações
entre indivíduos ou grupos e o audiovisual; anal, o acesso mais facilitado à
tecnologia de realização e a multiplicação de várias mídias e suportes abriram
perspectivas de circulação e consumo.
Considerado em sua complexidade, abarcando cinema, TV, videogame,
publicidade, blu-ray, multimídia, transmídia, portabilidade, internet, o au-
diovisual se aproxima da dianteira na formação do produto interno planetário
(UNESCO, 2016). Algo assim introduz alternativas e dilemas acerca da ge-
ração de empregos e renda. E, no compasso em que se redenem rumos nos
modos de produção simbólica e nas formas de expressão e consumo culturais,
Diversidade Cultural e Entretenimento nas Ambiências Midiáticas do Espetáculo | Edson Farias
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inserem-se novos problemas em torno das potencialidades miméticas huma-
nas relativas à produção e reprodução e aos usos de bens simbólicos3. Isto,
no instante em que o alcance e a intensidade de circulação da audioimagem,
tecnologicamente viabilizada pelas ecologias sociotécnicas, atravessam e revol-
vem os planos públicos e privados. Por repercutirem na formação de estruturas
psíquicas (cognitivas e afetivas) e, desse modo, intervirem nas experiências e
formas/formatos expressivos, condicionam as proposições de si de indivíduos
e coletivos e, na contrapartida, avançam sobre os universos morais e as cama-
das normativas, tornando porosos os limites entre as esferas estético-cultural,
política e econômica. Logo, a dimensão sistêmica técnica e institucional do
audiovisual deixa efeitos na coordenação e regulação das relações sociais e,
igualmente, nas possibilidades de reprodução ou mudanças sócio-históricas.
Não causa estranheza, portanto, o fato de a normativa decorrente da con-
ferência acerca da diversidade das expressões culturais, aprovada pela Unesco,
em 2005, entre outras questões, vir nos rastros de disputas que envolveram
diferentes Estados nacionais em torno dos uxos audiovisuais. As distintas e
concorrentes tomadas de posição questionavam se os bens simbólicos seriam
ou não irredutíveis à condição de mercadorias (NICOLAU NETTO, 2014).
Os enfrentamentos faziam contracenar versões igualmente diferentes da semân-
tica da diversidade; de um lado, cumplicidade entre certa acepção antropológica
que arma expressões etno-históricas como irredutíveis quanto a especícos sis-
temas simbólicos e à visão formulada à luz das concepções românticas, ressaltan-
do a especicidade dos bens culturais; de outro, discursividades que acentuavam
se tratarem de pluralidades expressivas atravessadas pela lógica monetário-nan-
ceira do mercado dos signicados e das sensações. Em última instância, ali,
colocam-se como antípodas o ponto de vista da cultura como formação espi-
ritual e aquele que a signica na gura de um recurso aberto a agenciamentos
vários. Um e outro posicionamentos doutrinários em confronto dialogavam e
até mesmo atualizavam perspectivas que, nos últimos dois séculos, informam o
trajeto da teoria cultural, ao menos na civilização ocidental.
3 Neste texto, não iremos à amiúde no pressuposto histórico-ontológico acerca da função da iconicidade no
desenvolvimento de longa duração da espécie humana, em particular, o entrosamento do gesto e da imagem
na def‌lagração da habilidade de simbolizar; entrosamento que parece ter antecedido o discurso articulado
(BOEHM, 2015, p. 23-38). Portanto, permanecerá como um pressuposto de pano de fundo a presença do duplo
enquanto realização e manifesto da habilidade mimética de gerar formas (NANCY, 2015, p. 55-73).

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