Entrevista com o ministro Ilmar Galvão

AutorFernando de Castro Fontainha/Fábio Ferraz de Almeida
Páginas22-86
22 HISTÓRIA ORAL DO SUPREMO [VOLUME 14]
Origens familiares: a morte do pai, o início da vida de
trabalhador e os estudos ginasiais
[FERNANDO FONTAINHA > FF] — Origens familiares: a morte do
pai, o início da vida de trabalhador e os estudos ginasiais
[ILMAR GALVÃO > IG] — Meu nome é Ilmar Nascimento Galvão;
nasci no dia 2 de maio de 1933, numa cidadezinha do interior
da Bahia chamada Jaguaquara. É um nome interessante por-
que signica, em linguagem indígena, toca da onça, jaguar e
quara. Fica no sudoeste da Bahia, na região de Jequié. É uma
espécie de satélite da cidade de Jequié, que eu gosto de men-
cionar porque é mais conhecida. Meu pai, Ananias Leal Gal-
vão, e minha mãe, Otília Nascimento Galvão.
[FF] — Perfeito. E, ministro, o senhor perdeu relativamente cedo
o seu pai; ele falece em 1941.
[IG] — Em 1941. Fiquei com 7 anos. Eu era o segundo de cima
para baixo. O mais velho, Ivaldo, morreu afogado em Copa-
cabana, em 1951. Eu quei como, digamos assim, o arrimo de
família. Comecei a trabalhar muito cedo, praticamente aos 11
anos de idade.
[FF] — Como foi o início da sua vida prossional? Como o senhor
começou a trabalhar?
[IG] — Eu comecei a trabalhar como ajudante em casa comer-
cial, uma espécie de ajudante de balconista, ou “caixeiro”, como
se dizia na Bahia. Meu pai não deixou patrimônio, pensão ou
renda. Minha mãe, para criar os seis lhos, teve de executar
trabalhos humildes, como “lavar roupa para fora”. Vivíamos
na linha de pobreza. Tinha que ajudar.
[NELSON JOBIM > NJ ] — Caixeiro.
[IG] — Aos 14 anos, passei a trabalhar em cartório, fazendo toda
espécie de serviço. Datilografava mandados, editais, atas, cer-
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ILMAR GALVÃO
tidões e até as sentenças. Elaborava contas e ajudava no regis-
tro de imóveis, de pessoas jurídicas, de documentos etc. Enm,
eu auxiliava na realização de todo o trabalho cartorário, numa
comarca pequena, que era a comarca da minha terra, em que,
no caso, o ocial acumulava quase todos os cartórios: cível, cri-
me, registro de imóveis, de pessoas jurídicas, contadoria etc.
Eu era, digamos assim, o principal ajudante. Isso, a partir dos
14 anos, que foi quando eu comecei esse trabalho. Cursei o gi-
násio lá mesmo. Havia um colégio batista, religião de minha
mãe. Sou, portanto, de uma família batista, de origem batista.
Hoje, na verdade, frequento a igreja católica, com minha fa-
mília, meus lhos. Cursei o ginásio no Colégio Taylor-Egídio,
situado em frente à minha casa. Concluí o curso ginasial aos
14 anos e quei lá trabalhando, sem muita perspectiva de fu-
turo. Esse trabalho no cartório era muito mal-remunerado. A
remuneração era uma coisa ínma. Mas não havia alternativa.
Eu permaneci no cartório por quatro anos, durante os quais
me tornei um bom datilógrafo, o que me valeu um emprego
numa colônia agrícola estadual que foi instalada lá. Foi por
pouco tempo, porque, certo dia, através de um colega, soube
que haveria um concurso para escriturário do Banco do Brasil,
em Salvador. Eu gostava de matemática e datilografava muito
bem, duas das matérias que faziam parte da prova. Eu fui fazer
esse concurso e logrei aprovação em primeiro lugar. Essa clas-
sicação me valeu o direito de escolher uma agência onde eu
pudesse começar o meu trabalho no Banco do Brasil.
O Concurso no Banco do Brasil; a mudança para São Paulo;
a mudança para o Rio de Janeiro; o trabalho no banco
[NJ] — Que idade tu tinhas?
[IG] — Eu devia estar com 18 anos. Fui trabalhar na agência em
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Jequié, onde servi por dois anos, período em que completei o
curso secundário, na Escola de Comércio de Jequié. Em segui-
da, fui removido, a pedido, para a agência centro da capital pau-
lista, na Avenida São João, onde trabalhei por algum tempo.
[FF] — Essa foi então a sua escolha, ministro, a agência de
São Paulo?
[IG] — Foi. Foi a agência de São Paulo. Mas não me dei bem com
o clima. Naquela época, havia a garoa e aquela umidade não fez
bem à minha saúde, já que sofria de bronquite asmática.
[FF] — Mas por que essa escolha de São Paulo, ministro?
[IG] — Porque eu queria estudar engenharia e achava que em
São Paulo era mais fácil ingressar num cursinho etc., o que se-
gundo estava informado, não havia em Salvador naquela épo-
ca. Convencido de que o clima, em São Paulo, não era bom para
mim, peguei um ônibus, num feriado paulista de 9 de julho, e
fui ao Rio de Janeiro, onde, visitando o Banco do Brasil, lá na
Primeiro de Março, veriquei, num quadro de avisos, que ha-
via uma proposta de permuta de um funcionário daquela agên-
cia interessado em ir para São Paulo. Estava fazendo a propos-
ta na esperança de que surgisse alguém que estivesse em São
Paulo e quisesse ir para o Rio. Na mesma hora, corri lá onde ele
estava, assinamos o pedido de permuta e retornei a São Paulo.
Decorrida uma semana mais ou menos, veio o resultado: eu me
transferi para o Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, eu me dedi-
quei à perícia de balanços, tarefa em que me especializei. Eu
era designado para examinar a situação econômico-nancei-
ra de empresas que pretendiam tomar empréstimo no banco.
Então, eu ia para a sede dessas empresas examinar o balanço,
a escrita, os documentos, fazer um trabalho bem minucioso do
qual dependia o deferimento do empréstimo.

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