Entrevista com o ministro Sepúlveda Pertence (2a sessão)

AutorFernando de Castro Fontainha/Angela Moreira Domingues da Silva/Izabel Saenger Nuñez
Páginas73-137
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SEPÚLVEDA PERTENCE
 Muito bem, ministro, retoman-
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infância, onde o senhor cresceu, como era a sua vida em Minas
Gerais; depois, a sua mudança para Brasília; falamos bastante
sobre como o senhor se tornou professor da UnB; seus primei-
ros contatos com o Supremo Tribunal; falamos sobre o seu in-
gresso no Ministério Público; e paramos por volta da Comissão
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e eu gostaria de saber se a gente poderia retomar dessa parte,
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Qual memória o senhor tem da sua participação na Comissão
Afonso Arinos?
A Comissão Afonso Arinos; a atuação como Procurador-
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   Bem, eu tenho a melhor re-
cordação possível daquela comissão, que reuniu 50 pessoas
de diferentes formações. Muito criticada no início, como se
tratasse da organização de um projeto que o governo tentaria
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missão, em conjunto, reacionária, a partir de alguns nomes
que a compunham. O trabalho se desenvolveu por cerca de um
ano e foi uma surpresa – uma grande surpresa – para os obser-
vadores. O projeto, no campo social e no campo dos direitos,
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e tinha uma opção por um semipresidencialismo, com nítida
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líticos gerais, teria sido a razão pela qual o presidente Sarney,
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Comissão à Assembleia, porque discordava da conotação mais
parlamentarista que, no campo da relação entre os poderes e o
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jogo político, a Comissão havia adotado. Mas, afora isso, curio-
samente... Eu costumo dizer que o projeto da Comissão Afonso
Arinos foi o documento mais criticado e mais copiado do Bra-
sil, porque grande parte da Constituição que se veio a elaborar
é nitidamente inspirada, quando não copiada, em grande parte,
do anteprojeto da Comissão Arinos. Eu diria, por exemplo, nos
capítulos que me coube relatar na Comissão – do Poder Judici-
ário e do Ministério Público –, que todo o esquema, o substrato
das mudanças propostas partiram da Comissão Afonso Arinos.
 Quais mudanças, ministro?
 No Poder Judiciário, a tentativa, mais uma, de vencer o
congestionamento do Supremo Tribunal, mediante a criação
do Superior Tribunal de Justiça, que foi praticamente trans-
plantado da Comissão Afonso Arinos para a Constituição.
 Essa ideia foi sua, ministro?
 Não, não... Já havia... Essa proposta já vinha de longe..
Coube-me, com mais alguns companheiros da Comissão, ela-
borar e detalhar essa ideia geral de redução do Supremo Tri-
bunal quase a uma corte constitucional, e a criação de um Tri-
bunal Superior para o direito infraconstitucional federal, com
uma possibilidade: o número de juízes do Superior Tribunal
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ampliado por lei. O que não se fez. A psicologia do poder [risos]
faz entender por quê. No mais, a vivência, na Comissão Afon-
so Arinos, com alguns nomes que a compuseram constitui um
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inesquecível em... aquela cidade perto de Petrópolis?
 Itaipava?
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SEPÚLVEDA PERTENCE
 Itaipava, no Centro de Estudos do Ministério das Co-
municações1, no qual passamos, em regime de semi-internato,
quase um mês a discutir a Constituição. Mas outros capítulos
também poderiam ser citados, como o sistema de repartição
de competências do federalismo, em que o esquema da Cons-
tituição, com uma ou outra alteração, é o que saiu da Comis-
são Afonso Arinos e, nela, a base dos estudos do professor Raul
Machado Horta, que tinha sido meu professor na Faculdade de
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ro, a sua colocação na frente da Constituição, alterando o sis-
tema constitucional que vinha das sucessivas constituições, e
a ampliação e modernização da Declaração de Direitos, que a
Constituição veio a consagrar.
 Ministro, o senhor poderia falar um pouquinho mais so-
bre o que aconteceu com o Ministério Público?
 Sim.
-
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 O procurador-geral da República. Então eu tive, ali, de
não só exercer, na Comissão, naturalmente, pelo cargo que
ocupava, uma referência na organização do Ministério Públi-
co e, ao mesmo tempo, de negociar com o Ministério Público,
em sucessivas versões e congressos, e reuniões, uma formula-
ção que não desagradasse, nos pontos fundamentais, todos os
estudos, a luta que o Ministério Público vinha desenvolvendo
para se tornar essa instituição que eu creio — se comparado
com as constituições anteriores —, a instituição pública que
mais cresceu na Constituição de 1988. Do projeto da Comissão
Arinos, em relação ao texto da Constituição, a inovação subs-
tancial foi a limitação da clientela da qual poderia ser escolhi-
1 Refere-se ao Centro de Estudos e Conferências (Centrecon) do Ministério de Minas e
Energia, localizado em Itaipava, distrito de Petrópolis (RJ).

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