Entrevista com o Prof. Ricardo Antunes

AutorJoaci de Sousa Cunha - Ângela Borges - Vander Costa e Luciana Alfano
CargoProf. Dr. em História Social, Assessor do CEAS, Pos-doutorando no PPG em Políticas Sociais e Cidadania da UCSal, Co-editor dos Cadernos do CEAS - Dra em Ciências Sociais, Professora Adjunta do PPG em Políticas Sociais e Cidadania da UCSal, Co-editora dos Cadernos do CEAS - Mestrandos do PPG em Políticas Sociais e Cidadania da UCSal.
Páginas47-64
Entrevista com o Prof. Ricardo Antunes
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 234, p. 47-64, 2015. 47
ENTREVISTA COM O PROF. RICARDO ANTUNES
Resumo
Ricardo Antunes, em ampla entrevista aos
Cadernos, discute os impactos da crise do
capital, indicando a ampliação do processo de
precarização estrutural do trabalho em escala
global, revê algumas teses dos livros de sua
autoria Adeus ao traba lho? e os Sentidos do
trabalho e avança as hipóteses que atualmente
investiga no projeto coletivo Riqueza e
miséria do trabalho no Brasil, já caminhando
para o quarto volume. Polêmico, atualiza as
discussões em torno da centralidade do
trabalho e do Estado e da permanência da
Teoria do Valor, mobilizando as contribuições
de autores que lhes são próximos
teoricamente, como István Mészáros, ou
contrários, como Jürgen Habermans e A.
Negri.
Palavras-chave: Crise do capital.
Centralidade do trabalho. Precarização do
trabalho.
CADERNOS DO CEAS: A partir da crise financeira mundial de 2008, o que mudou na
agenda do capital em sua relação ao mundo do trabalho?
Ricardo Antunes: O receituário atual dessa agenda, no meu entender, começou com a crise
de 1973. Desde existe uma pauta do capital, moldando o desenho do trabalho. O marco,
portanto, pode ser identificado no período posterior ao que o mundo do capital chama de crise
do padrão taylorista e fordista, mas que expressa uma dimensão muito mais profunda. Na
verdade, em 1973, vivenciamos um momento muito expressivo da crise estrutural do capital.
Aquilo que normalmente é citado como crise da rigidez taylorista e da produção em massa
fordista resultou de um movimento que questionava o controle social da produção, expresso
pelas lutas sociais do trabalho. Ao salientarmos esse elemento, lembramos as lutas em Paris
de 1968 e as desencadeadas na Europa, Estados Unidos, México e Brasil, naquele ano.
Entrevistado:
Ricardo Antunes
Dr. em Ciências Sociais, Professor Titular de
Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da UNICAMP, Visiting Research Fellow na
Universidade de SUSSEX, Inglaterra. Coordena as
Coleções Mundo do Trabalho (Boitempo) e Trabalho e
Emancipação (Expressão Popular), pesquisador CNPQ.
Entrevistadores:
Joaci de Sousa Cunha
Prof. Dr. em História Social, Assessor do CEAS, Pos-
doutorando no PPG em Políticas Sociais e Cidadania
da UCSal, Co-editor dos Cadernos do CEAS.
Ângela Borges
Dra em Ciências Sociais, Professora Adjunta do PPG
em Políticas Sociais e Cidadania da UCSal, Co-editora
dos Cadernos do CEAS
Apoio técnico:
Vander Costa e Luciana Alfano
Mestrandos do PPG em Políticas Sociais e Cidadania
da UCSal.
Entrevista com o Prof. Ricardo Antunes
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 234, p. 47-64, 2015. 48
Lembramos ainda das que ocorreram na Argentina-Córdoba e a do Outono quente na Itália,
em 1969, entre outras. Desde essas lutas, em que o proletariado e um leque mais ampliado de
lutas sociais questionavam o controle social da produção, que o capital redefine uma pauta,
um receituário para o trabalho.
Segundo esse receituário, a empresa flexível tem que conviver com um, digamos assim,
sistema protetor do trabalho, que também tem que ser flexível. A essência do toyotismo, um
de seus elementos essenciais, é dada pelo fato de que a empresa pode se expandir e se retrair
em função das oscilações de mercado. Mas para que ela possa expandir, quando o mercado
consumidor assim demandar, e retrair ou enxugar-se, quando há retração do mercado
consumidor, essa empresa flexível precisa ter a liberdade de contratar e demitir trabalhadores
e trabalhadoras, sem os “constrangimentos” oriundos da era tayloriana ou fordista. Nasce
desse contexto, então, a ideia de uma classe trabalhadora desprovida de direitos, flexibilizada
de tal modo que pode trabalhar 2 ou 3 turnos por um tempo e ficar alguns meses sem
trabalhar, quando o mercado de consumo atravessa, como está ocorrendo neste momento, um
quadro de retração.
O segundo elemento fundamental desse receituário é a ideia de que poucos trabalhadores e
trabalhadoras devem realizar o trabalho de muitos, porque agora estão imbuídos de uma
atividade coletiva no interior das “células”, dos “times”, das “equipes” de produção. São,
pois, polivalentes ou multifuncionais, ou seja, devem fazer trabalhos vários e simultâneos.
Não faz mais sentido, para o capital, que cada um se especialize em só uma atividade, tal
como ditava a lógica tayloriana, em que um dependia do trabalho do outro. O toyotismo supôs
uma cooperação entre trabalhadores e trabalhadoras, impondo que eles não operem uma
máquina só, mas várias máquinas. Operam quatro ou cinco máquinas, dependendo do produto
que se vai produzir. Então, entram em cena as equipes de produção, a polivalência e a
multifuncionalidade.
Terceiro elemento vital dessa redefinição (toyotismo): os sindicatos de classe são inaceitáveis.
O sindicato, grosso modo, tem dois caminhos: um deles é aceitar a adesão e a parceria com o
capital. É muito importante lembrar que o toyotismo japonês, no começo dos anos 1950, teve
que enfrentar o sindicalismo, que na época era ligado ao Partido Comunista japonês, um
pouco mais classista que os partidos comunistas do Ocidente. O sindicalismo japonês foi
desestruturado. O empresariado, diante de uma greve na Nissan, em 1953, utilizou-se
inclusive de um lockout para poder fazer com que a greve de trabalhadores fosse esvaziada,

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