Equiparação salarial por identidade

AutorFabíola Marques
Ocupação do AutorAdvogada militante na área trabalhista, mestre e doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP
Páginas63-145

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4.1. Conceito

O direito à equiparação salarial devido aos trabalhadores que exercem as mesmas atividades decorre de normas legais e constitucionais.

Valentin Carrion sustenta que a isonomia salarial inspira-se na "filosofia da institucionalização da empresa", porque o empregador não pode preterir um determinado empregado, pagando-lhe salário inferior ao de outro, se ambos exercem as mesmas atividades, já que pelos fins sociais da propriedade o empresário não é senhor absoluto.1

Complementa ainda, Mozart Victor Russomano que "as preferências injustificadas do empregador por certos empregados não podem encontrar guarida à sombra do Direito do Trabalho, ao menos no tocante aos salários pagos, visto que aí se joga com matéria alimentar, existencial, onde, mais do que nunca, os cidadãos devem ser igualados diante da lei".2

O art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho garante que a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.

Trabalho de igual valor tem o seu conceito determinado pelo art. 461 da referida Consolidação, que ainda veda a distinção dos trabalhadores em razão do sexo, nacionalidade ou idade.

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Por sua vez, o art. 5º da Carta Constitucional prevê, de forma genérica, a igualdade entre brasileiros e estrangeiros residentes no País, garantindo, no inciso XIII, o livre exercício de qualquer trabalho, além da igualdade salarial no art. 7º, inc. XXX.

Já tivemos a oportunidade de analisar o conceito de igualdade, as previsões legislativas e constitucionais e também outras duas espécies de equiparação: a equiparação por analogia entre brasileiros e estrangeiros e, ainda, a equiparação por equivalência, previstas respectivamente nos arts. 358 e 460 da CLT. Resta-nos, ainda, o estudo da equiparação por identidade, ou seja, a "verdadeira equiparação", definida pelo art. 461 da CLT, que dispõe:

"Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade."

Em seguida, os parágrafos do citado artigo preveem inúmeros elementos capazes de permitir ou não o direito à equiparação. Estes elementos serão estudados individualmente a fim de podermos identificar o vasto conteúdo da equiparação por identidade.

Conclui-se, finalmente, que equiparação salarial por identidade é a garantia de o trabalhador não sofrer discriminação salarial quando o seu trabalho tiver o mesmo valor do trabalho realizado pelo paradigma.

Nota-se que o art. 461 regulamenta o preceito constitucional, já citado, que reflete a regra "trabalho igual, salário igual". Esta regra tem como finalidade resolver a equação entre trabalhadores que exercem as mesmas atividades, desenvolvidas simultaneamente, com a mesma qualidade e quantidade de serviço, mas que, no entanto, percebem salários distintos.

4.2. Identidade funcional

O fundamento do direito à equiparação salarial, previsto no art. 461 da CLT, é a identidade funcional. O estudo da identidade de função principia pela análise do conceito da expressão "função", porque a lei menciona "identidade de funções" e não de cargos. Verifica-se que entre as expressões função e cargo existe uma zona cinzenta de difícil distinção.3

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Segundo, De Plácido e Silva, cargo, gramaticalmente, "exprime encargo, responsabilidade, ônus, obrigação, emprêgo, ocupação, situação. Na terminologia jurídica, particularmente designa o emprêgo, tido ou mantido pela pessoa em estabelecimento público ou particular, e a situação da pessoa diante de certo pôsto ou encargo, que lhe é confiado".4 Não existe, portanto, perfeita identificação entre cargo e função. Cargo pode ser entendido como emprego ou situação; e função como encargo, atributo do cargo, ou seja, o serviço que se exerce.

Por fim, o autor complementa que a expressão função, na técnica da administração privada, tem sentido equivalente pois "representa a atribuição que se outorga a um empregado ou preposto para desempenhar certas atividades num estabelecimento civil ou comercial, ou os encargos atribuídos a uma pessoa para desempenho de certos misteres. Em consequência da função, a pessoa se coloca na obrigação de desempenhar o cargo ou emprêgo, em que foi investida, e pode exercer todos os atos que se integram nas atribuições conferidas ou decorrentes da função".5

Concluímos que cargo é a posição ocupada pelo empregado na empresa, e função é a atividade desenvolvida pelo trabalhador em razão do cargo.

Roberto Barretto Prado explica que a lei, ao tratar da identidade de funções, determina que o serviço do empregado e do paradigma sejam idênticos. Não basta, desse modo, que o cargo seja o mesmo. Para o autor, cargo é o posto que o empregado ocupa, e a função é o serviço que ele exerce.6

José Martins Catharino argumenta que o "cargo tem um caráter formal e a função um aspecto real", e, sendo assim, funções idênticas nem sempre correspondem a cargos idênticos.7

Acrescenta o grande jurista que pouco importa a nomenclatura emprestada aos cargos exercidos pelos trabalhadores, já que, se estes receberem o mesmo nome, haverá, tão somente, uma presunção relativa de identidade das funções. Porém, se as funções forem as mesmas, haverá identidade, mesmo que os serviços sejam executados por empregados com cargos distintos.

Não é suficiente, portanto, que as funções, nominalmente, sejam as mesmas, sendo indispensável que, de fato, os empregados exerçam as mesmas atividades.

Evaristo de Moraes Filho e Antonio Carlos Flores de Moraes também discutem a irrelevância da denominação do cargo como elemento suficiente para

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impedir o direito do reclamante à equiparação salarial esclarecendo que há de ser analisada a realidade fática dos serviços prestados pelo empregado e pelo paradigma por ele indicado, pouco importando a designação da função que exerce. Aplica-se aqui, com muita propriedade, o princípio contido no art. 112 do Código Civil, ou seja, ‘nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem’.8

Todavia, a nomenclatura conferida aos cargos também não pode ser considerada totalmente irrelevante. Octavio Bueno Magano, por exemplo, esclarece que essa é a forma mais simples de identificar a função exercida pelo empregado.9

Arnaldo Süssekind ressalta a esse respeito que o equiparando só terá o direito de reivindicar o mesmo salário do paradigma se ambos exercerem as mesmas funções, ou seja, quando desempenharem "os mesmos misteres ou tarefas, com igual responsabilidade na estrutura e funcionamento da empresa". Por isso, dois empregados podem ter o mesmo cargo e exercerem, de fato, funções diversas, o que impedirá a equiparação salarial.10

Pacificando toda essa celeuma, em 09.12.2003, o TST editou a Orientação Jurisprudencial n. 328 que, por sua vez, foi incorporada pela Súmula n. 6 em seu inciso III, interpretando que importa para a equiparação salarial a igualdade de funções no sentido de exercerem as mesmas tarefas, independente da denominação dos cargos que paradigma e paragonado possuírem:

Súmula n. 6 do TST - EQUIPARAÇÃO SALARIAL. ART. 461 DA CLT

III - A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação. (ex-OJ da SBDI-1 n. 328 - DJ 09.12.2003)

Nesse sentido, é também entendimento pacífico da jurisprudência que, "se os empregados possuem o mesmo cargo (escriturários), mas integram seções diferentes com funções diversas, indevida é a isonomia".11 E, ainda:

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"Não viola o disposto no art. 461 da CLT, o acórdão que nega a equiparação sob o fundamento de que, embora idêntica a denominação dos cargos ocupados pelo reclamante e paradigma, diversas, no entanto, são as funções por êles exercidas." 12

Em consonância, Arnaldo Süssekind entende que:

"O empregado só pode reivindicar o mesmo salário do seu colega se ambos exercerem a mesma função, isto é, quando desempenharem os mesmos misteres ou tarefas, com igual responsabilidade na estrutura e funcionamento da empresa. Por isto, cumpre não confundir cargo e função: dois empregados podem ter o mesmo cargo e exercerem de fato, tarefas semelhantes ou de níveis de responsabilidade diferentes." (In, Süssekind, Maranhão e Vianna. Instituições de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 1991, vol. I, p. 411).

Bem como Vantuil Abdala, em sua natural clareza, fundamentando tal interpretação através da análise dos princípios da isonomia ou não discriminação no trabalho e do poder diretivo do empregador:

"A imposição legal de salário igual para trabalho igual baseia-se no princípio da isonomia ou da não discriminação. Não se atenta contra esses princípios quando se atribui salário diverso a funções de conteúdos diversos, embora a mesma denominação do cargo. Ao empresário cabe avaliar a importância da função segundo a natureza e particularidades de seu empreendimento, e assim atribuir-lhe valor que entenda merecer. Ao se tratar desigualmente os desiguais não se ofende o princípio da isonomia, mas antes homenageia-o."

Conclui-se que a igualdade de nomenclatura do cargo é uma presunção juris tantun, não bastando o nomen juris com que as partes são admitidas ou ostentam na empresa, mas a similaridade de suas...

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