Ergonomia aplicada ao trabalho. Ergonomia II

AutorLenz Alberto Alves Cabral
Ocupação do AutorMédico do Trabalho, especialista em Medicina do Trabalho pela AMB/ANAMT
Páginas262-282

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Sobrecargas ergonômicas no trabalho

1. Introdução

A objetividade na definição do risco ergonômico deve ser algo a ser perseguido.(19)

A definição da existência ou não de risco ergonômico é uma tarefa de alta responsabilidade, na qual se deve aliar conhecimento científico profundo e capacidade de discernimento de sutilezas.(23)

Ou seja, assim como já acontece com o risco ruído e alguns riscos ergonômicos, como os riscos biomecânicos, esperamos que um dia os riscos organizacionais e os psicossociais estejam também bem parametrizados para facilitar o nosso trabalho e ancorar as nossas decisões técnicas.

2. Objetivos

• Compreender o conceito de carga e sobrecarga laboral de acordo com o critério técnico-legal;

• Conhecer a classificação dos tipos e subtipos de sobrecarga ergonômica;

• Conhecer as posturas inadequadas, a repetitividade, a força excessiva, a compressão mecânica e a vibração;

• Conhecer o conceito de estereotipia e a sua importância na definição do risco ergonômico;

• Compreender a UPR, ou seja, a Unidade Padrão de Repetição na medição instantânea da repetitividade e a sua importância em uma pré-avaliação ergonômica;

• Conhecer os tipos de funções das mãos e a sua relação com os riscos ergonômicos;

• Conhecer o sinergismo como resultado da combinação de mais de um risco ergonômico;

• Relacionar cada risco biomecânico a cada doença do grupo das LER-DORT;

• Identificar os riscos organizacionais e psicossociais no ambiente de trabalho.

3. Carga versus sobrecarga de trabalho versus risco ergonômico

Durante as últimas três décadas, e em particular na última, o contexto em que as empresas atuam apresentou mudanças radicais que as próprias empresas são obrigadas a enfrentar para continuar a existir e alcançar os objetivos de lucro que são a base de sua atuação econômica. Num âmbito de altíssima competitividade internacional e de rápida evolução das tecnologias da informação e da comunicação, também os métodos para projetar de forma eficiente um posto de trabalho devem se atualizar e manter o passo da rápida inovação.(29)

Não é uma tarefa fácil definir a carga ideal para cada trabalhador.

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De acordo com a NR-17, referente à ergonomia, a carga de trabalho ideal é aquela adequada às características psicofisiológicas dos trabalhadores, o que nem sempre acontece, seja por falta de um bom planejamento do trabalho a ser realizado, ou por não respeitar as particularidades de cada trabalhador, pois como já vimos, o risco ergonômico é operador-dependente, de tal forma que uma mesma carga laboral bem dimensionada para um, pode ser sub ou superdimensionada para outro trabalhador. Assim, podemos afirmar que o risco ergonômico é o resultado de uma sobrecarga ergonômica, ou seja, de uma carga de trabalho acima dos limites psicofisiológicos do trabalhador, o que só pode ser definido através de uma análise ergonômica do trabalho.

4. Funções das mãos (seis funções)

As mãos podem ser usadas em seis funções básicas. Conforme a imagem, são três pinças, sendo a lateral, a palmar e a pulpar; são duas compressões, a palmar e a digital e, por último a preensão, em que a mão por meio da oposição direta do polegar aos demais dedos envolve o objeto adquirindo a sua forma. De todas as funções, apenas essa última, ou seja, a preensão, pode ser usada com força sem risco de lesão.

Vale destacar a importância das pinças na espécie humana, em especial a pinça entre o polegar e o indicador, a chamada pinça lateral, utilizada em todas as atividades de extrema precisão como segurar agulha, fio de cabelo, de tal modo que é imprescindível em atividades que requerem destreza como pintar, tocar um instrumento, operar etc. Esta importância é reconhecida também por várias metodologias de quantificação do dano corporal, em especial para a previdência social, que concede o Auxílio-Acidente, como indenização, conforme art. 86 da Lei n. 8.213, em caso de perda de uma falange proximal do polegar ou indicador, conforme Decreto n. 3.048, Anexo III, quadro 5.

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Mais uma pinça foi observada em avaliações ergonômicas, a pinça ungueal, em ações como pegar um objeto minúsculo (como uma agulha ou uma haste fina) sobre uma superfície plana, sendo necessária a oposição dos dedos da mão, prendendo o objeto entre as unhas dos dedos.

5. Tipos de sobrecarga ergonômica

As sobrecargas ergonômicas, ou os riscos ergonômicos podem ser classificadas em: biomecânicos, organizacionais e psicossociais, conforme o diagrama abaixo.

5.1. Risco biomecânico (Sobrecarga biomecânica)

O risco biomecânico é decorrente de uma inadequação do trabalho à biomecânica do trabalhador, podendo ser gerado por uma postura inadequada, uma força excessiva, movimentos repetitivos, vibrações ou compressão mecânica.

5.1.1. Tipos de riscos biomecânicos

Os riscos biomecânicos podem ser classificados em postura inadequada, força excessiva, repetitividade, vibração e compressão mecânica.

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5.1.1.1. Postura inadequada

Na verdade, a postura ergonômica adequada ideal é aquela em que o trabalhador pode flexibilizar os segmentos corporais com total liberdade de movimentos, buscando o conforto, de tal maneira a não gerar riscos biomecânicos, o que nem sempre é possível no trabalho.

Uma boa referência para a postura ergonômica adequada é semelhante àquela adotada pelo militar, conforme a imagem, sem a necessidade de sustentação dos segmentos corporais contra a gravidade, com o corpo e pescoço eretos, membros superiores juntos ao corpo, com as palmas das mãos junto às coxas, pernas fechadas, mantendo assim os segmentos corporais em posição neutra, com direção paralela à força de gravidade.

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As mudanças na posição de um segmento corporal, saindo da postura neutra (adequada), resultará em uma postura inadequada, assim como a elevação de um braço, a flexão da coluna vertebral ou do pescoço que, após algum tempo de sustentação do segmento corporal contra a gravidade, acaba gerando desconforto e dor. Uma forma de postura inadequada é a postura estática, ou seja, a manutenção de um segmento corporal, ou mesmo todo o corpo na mesma postura durante um longo período de permanência, de tal forma que, mesma a postura neutra (adequada) mantida de forma estática por longos períodos, como a guarda real inglesa, acaba também sendo uma postura inadequada, por ser uma contração estática.

Posturas Inadequadas: Intensidade e estereotipia

Assim como o agente ambiental ruído, o agente ambiental “postura inadequada” também depende de dois fatores para ser considerado um risco: da sua intensidade e do tempo de exposição, ou seja, depende da dose de exposição.

A intensidade do desvio da postura neutra pode ser de 15, 45, 90 ou mais do que 90 graus, assim como o tempo que permanece nessa postura inadequada, que pode ser um segundo, uma hora, ou mesmo toda a jornada.

O grau de desvio da postura define a intensidade do desvio, ou seja, quanto maior o grau de desvio, maior a sua intensidade e o tempo de permanência nessa postura inadequada define a estereotipia, ou seja, quanto maior a permanência, maior a estereotipia. Assim, se uma postura inadequada é de longa permanência, dizemos ser de alta estereotipia ou, ao contrário, se permanece na postura inadequada por pouco tempo de duração, dizemos ser de baixa estereotipia. A determinação do padrão da estereotipia, ou seja, o tempo de exposição ao risco deve ser considerado em todos os demais riscos biomecânicos.

Concluindo, assim como a simples presença do ruído não é suficiente para afirmar que existe o risco ruído, para ser um risco ergonômico não basta uma postura inadequada, mas também a intensidade do desvio postural e o tempo de duração nessa postura inadequada.

Portanto, as posturas inadequadas dos segmentos corporais adotadas por um curto espaço de tempo, ou seja, com baixa estereotipia, não resultam em riscos biomecânicos. Mas, se estas posturas permanecerem por um período prolongado, resultarão em fadiga, dor, podendo resultar em doença osteomuscular.

Assim, a dose de exposição ao risco é o resultado da interação entre a intensidade do risco e estereotipia, ou seja, o tempo de permanência de exposição ao risco.

No caso da postura inadequada, a intensidade é avaliada pelo grau de desvio da postura neutra do segmento corporal, como será ainda estudado em ferramentas de biomecânica na próxima aula, conforme abaixo, apenas para ilustrar:

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Posturas inadequadas: Tipos e doenças relacionadas

Postura estática

Pescoço excessivamente estendido

Pescoço excessivamente fletido

Pescoço lateralizado

Pescoço torcido

Tronco estendido

Tronco fletido

Tronco torcido

Tronco lateralizado

Braços elevados

Ombro elevado

Ombro deprimido

Ombro retraído

Ombro protraído

Desvio ulnar do punho

Desvio radial do punho

Flexão do punho

Extensão do punho

Pronação

Supinação

A identificação da postura inadequada (postura neutra) pode ser facilitada tendo como referência a postura semelhante àquela adotada pelo militar, conforme imagem supracitada. Assim, qualquer mudança na posição de um segmento corporal, saindo da postura neutra (adequada), resultará em uma postura inadequada. Vale reforçar que, qualquer postura, mesmo a chamada postura adequada, se for mantida por período prolongado é uma postura inadequada...

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