Considerações finais

AutorJosé Antônio Ribeiro de Oliveira Silva
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho, Titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), Gestor Regional (1º grau) do Programa de Prevenção de Acidentes do Trabalho instituído pelo Tribunal Superior do Trabalho
Páginas245-254

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Analisados os temas propostos, podem ser apresentadas algumas conclusões do estudo levado a efeito nesta pequena obra, sobre a limitação da jornada de trabalho e sua relação com a proteção à saúde do trabalhador e outros direitos fundamentais inter-relacionados.

  1. A limitação efetiva da jornada de trabalho possibilita ao trabalhador o gozo de seus direitos fundamentais.

    O tempo de trabalho sempre ocupou uma posição de centralidade na normatização do Direito do Trabalho. Não se deve olvidar de que o trabalhador não deixa de ser pessoa quando entrega parte de seu tempo de vida ao empregador em troca de salário. É dizer, o trabalhador trabalha para ganhar a vida e não para adoecer ou morrer no local de trabalho, ou seja, o trabalhador não perde sua condição humana ao desenvolver a prestação de serviços, de modo que o trabalho não pode lhe impedir o desenvolvimento de sua personalidade e o gozo dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Em síntese, há de se trabalhar para viver e não viver para trabalhar.

    Por isso, a doutrina sustenta que o trabalho desempenha nítida influência no projeto vital da pessoa trabalhadora, desenhando seu modus vivendi, pois a pessoa organiza todo o seu tempo de vida levando em conta a jornada de trabalho pactuada com o empregador, em sua vertente quantitativa e também qualitativa. Há uma relação inegável entre tempo de trabalho e tempo de vida. De modo que o trabalho, em sua dimensão temporal, constitui-se elemento primordial do projeto de vida de todo trabalhador. É o tempo de trabalho que determina o quantum de tempo livre da pessoa, que lhe possibilita o desenvolvimento de atividades pessoais, familiares, sociais etc. Daí ser imprescindível uma limitação efetiva da jornada de trabalho.

    Não obstante, no mundo globalizado do fim do século XX e início do novo milênio, parece que essa inegável assertiva perdeu sua consistência, tornando necessário reavivar os aspectos históricos da luta pela limitação do tempo de trabalho. Nessa regressão histórica se verifica que a Revolução Industrial agravou a situação dos trabalhadores, que passaram a trabalhar em jornadas muito mais extensas do que as do período anterior, desencadeando uma luta humana pela imposição de limites de jornada, para a proteção da saúde e da própria vida dos trabalhadores. Por isso, a doutrina aponta que a limitação da jornada de trabalho tem sido historicamente uma reivindicação chave dos trabalhadores e dos sindicatos.

    Há que se recordar que ainda no século XIX os trabalhadores empreenderam a luta pelas oito horas de trabalho diárias, a fim de que lhes restasse oito horas para o descanso e oito horas para a educação ou o ócio, enfim, para o desenvolvimento de sua personalidade e a convivência familiar. E, com a criação da OIT, em 1919, um marco na proteção dos direitos trabalhistas, verifica-se que já a Convenção n. 1, há quase um século, fixou a jornada máxima de oito horas diárias e 48 horas semanais, com sérias restrições ao trabalho extraordinário, o que foi uma resposta sistêmica à gravíssima questão social, que ameaçava destruir o próprio sistema capitalista.

    Na sequência se deu a positivação de limites ao tempo de trabalho nos ordenamentos de cada país, num ritmo progressivo que culminou com a positivação constitucional de direitos relacionados ao tema. De modo que atualmente se pode defender a ideia de haver um direito fundamental à limitação da jornada de trabalho tanto na Constituição espanhola (art. 40.2) quanto na Constituição brasileira (art. 7º, XIII e XIV). Com efeito, é assegurado ao trabalhador um direito fundamental ao descanso necessário, a fim de que possa usufruir seus direitos enquanto pessoa, ou seja, os direitos fundamentais à saúde, ao desenvolvimento da personalidade e outros conexos.

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    Sem embargo, não se deve compreender os direitos fundamentais - inclusive os relacionados ao tempo de trabalho - como direitos humanos abstratos, pois a positivação constitucional lhes assegura o reconhecimento, não o efetivo desfrute. De modo que se deve preferir as teses realistas ou materialistas - em detrimento das positivista e jusnaturalista -, pois não é suficiente a positivação constitucional destes direitos, sendo necessário lutar, sempre, para que eles sejam, de fato, desfrutados por todas as pessoas, tornando-se reais, alcançando-se a prometida emancipação humana, ou seja, o efetivo respeito à dignidade ontológica do ser humano, jamais olvidando-se de que os direitos humanos fundamentais sejam um resultado das lutas sociais por dignidade.

  2. Não há dignidade da pessoa humana trabalhadora se não se lhe concede o tempo livre necessário ao desfrute dos direitos fundamentais.

    Há que se recordar que o princípio da dignidade da pessoa humana - ápice da construção jusfilosófica na evolução cultural da humanidade - é um princípio que envolve uma carga de valores não esculpida no direito positivo. A dignidade ontológica significa dizer que a pessoa humana é dotada de direitos essenciais sem cuja realização não terá forças suficientes para a conformação de sua personalidade e seu pleno desenvolvimento enquanto pessoa. E, na teoria do mínimo existencial, faz-se referência à satisfação das necessidades básicas das pessoas como uma maneira de se alcançar a referida dignidade, havendo certo consenso sobre os bens jurídicos que compõem seu conteúdo mínimo, como a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade e a saúde. De modo que, definitivamente, a saúde do trabalhador - para cujo respeito se faz imprescindível a limitação da jornada de trabalho - compõe o chamado conteúdo essencial da dignidade humana.

    Com efeito, há alguns direitos fundamentais ontológicos nesta temática que devem ser garantidos em qualquer circunstância. De se assinalar que o primeiro direito dos trabalhadores é o direito ao próprio trabalho - ou ao pleno emprego, garantido pelas constituições do pós-guerra -, direito que é considerado pela doutrina a pedra angular da construção de uma verdadeira sociedade democrática, considerando-se que o trabalho constitui uma fonte originária de realização do ser social. É o trabalho que confere identidade, sentido de pertencimento e de utilidade sociais às pessoas, que se tornam cidadãs plenas quando podem exercer seu direito fundamental ao trabalho. Pois bem, há uma inolvidável relação entre limitação ou redução da jornada de trabalho e distribuição do trabalho, de modo que uma das maneiras mais eficazes - ainda que contestada - de se criar empregos é a exigibilidade de que os limites legais de jornada sejam efetivamente observados, principalmente com a proibição do recurso às horas extraordinárias habituais ou estruturais.

    Também o direito à saúde do trabalhador deve ser considerado um direito humano fundamental, porque referida saúde tem estreita relação com o direito à vida. De modo que proteger a saúde do trabalhador significa tutelar seu direito humano à vida e à incolumidade física e psíquica, o que pode ser verificado na interpretação sistemática tanto da Constituição brasileira (arts. 1º, III, , , 7º, XXII e XXVIII, 196 a 200 e 225) quanto da Constituição espanhola (arts. 15, 40.2, 41, 43.1 e 2, 45.1 e 3, e 49). Ora, não há vida digna em sua inteireza se o trabalhador perde sua saúde, especialmente se isso ocorre pela aquisição de doenças ocupacionais. Por suposto, não há muito sentido em proteger os direitos trabalhistas ou os direitos de liberdade da esfera laboral quando se verifica que o trabalhador já não tem mais saúde para continuar a prestação de serviços ou inclusive para a busca de um novo emprego. Portanto, de se enfatizar que a saúde do trabalhador se trata de um direito humano fundamental, sendo um dos valores fundamentais dos sistemas jurídicos, sem o qual a dignidade da pessoa humana estará seriamente ameaçada.

    Ademais, como o trabalhador não perde sua condição humana na prestação de serviços, há que se respeitar seus direitos de personalidade no local de trabalho. Outrossim, o trabalhador tem o direito fundamental ao desenvolvimento de sua personalidade, para cuja realização se faz absolutamente necessária a limitação de sua jornada de trabalho, a fim de que ele tenha o tempo livre suficiente para tanto. Por isso, tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto o PIDESC asseguram

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    ao trabalhador o direito ao descanso necessário, bem como ao ócio. Em definitivo, o direito ao ócio (lazer) é essencial para o pleno desenvolvimento da personalidade humana, sob o prisma social, como uma necessidade psíquica de desconexão com o trabalho e também para que o trabalhador encontre seu sentido existencial, valorizando sua subjetividade.

    Igualmente, o trabalhador tem um direito fundamental à conciliação de sua vida pessoal, familiar e laboral, direito também garantido em nível constitucional, tanto na Espanha quanto no Brasil. O trabalho não pode interferir na vida extralaboral do trabalhador, que precisa atender às necessidades familiares, educar os filhos, prepará-los para uma vida independente, sendo a convivência familiar necessária à formação dos filhos e à própria satisfação do papel de pai ou mãe no mundo contemporâneo.

    Sem embargo, não há como desfrutar estes direitos fundamentais...

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