Razões para a não utilização da informação genética no âmbito laboral

AutorRoberto Camilo Leles Viana
Ocupação do AutorAdvogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho
Páginas85-99

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8.1. Razões para a não utilização da informação genética no âmbito laboral

Após argumentação e exposição tanto dos fatos quanto dos fundamentos jurídicos que envolvem a utilização da informação genética pelas entidades patro nais na relação laboral, é indispensável demonstrar objetivamente as razões pelas quais se entende que o trabalhador não deve ser exposto em sua intimidade gené tica perante seu empregador.

8.1.1. Caráter meramente probabilístico das predisposições genéticas

O primeiro argumento contra a utilização da informação genética no âmbito da relação de trabalho está fundamentado na própria ciência e nas suas incerte zas. Nas predisposições genéticas, a interação entre os vários genes envolvidos e o ambiente ainda não foi suficientemente investigada, desse modo, não há a certeza absoluta de que a doença irá se manifestar251.

Nas doenças multifatoriais, a detecção de um gene reconhecidamente associado a uma enfermidade influenciada pelo meio ambiente não garante o surgimento da doença. Ademais, a heterogeneidade genética implica que a característica possa revelar se de maneira diferente de pessoa para pessoa, com influência ou não dos fatores ambientais252. O fator genético é importante, mas não absolutamente determinante. Faz se necessária a conjugação de diversos elementos para produzir se o resultado da afecção.

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A informação genética e sua influência quanto ao aparecimento de um mal são ainda altamente especulativas, apenas indicam a probabilidade de que o indi víduo venha a sofrer de certa doença. A possibilidade de esta nunca acontecer é real, pois parece depender igualmente de fatores ambientais para sua manifesta ção253. Restringir o acesso ao emprego devido a uma mera expectativa não é um argumento legítimo, pois condena se um indivíduo ainda saudável, e que poderá ser sempre assim, a um ostracismo laboral.

Ensina Guilherme De Oliveira que as previsões baseadas na observação de um gene defeituoso não são absolutas, visto que o mesmo pode nunca chegar a este se manifestar. Caso este gene se exteriorize, ou seja, origine uma doença, não se pode garantir quanto tempo levará para a manifestação dos sintomas. Além disso, é pouco previsível o grau de severidade com que a doença vai aparecer em cada caso254.

Os perigos da utilização dos testes genéticos não estão somente em seu significado real, mas também em seu alegado sentido de prognóstico, isto devido ao fato de que se podem extrair conclusões errôneas das características genéticas investigadas em relação ao desenvolvimento da saúde da pessoa. Como dito, o conhecimento de uma predisposição não significa uma predestinação biológica, já que a maioria das enfermidades não é monogênica, mas sim multifatorial, e, desse modo, se manifesta unicamente quando a uma susceptibilidade se juntam fatores ambientais. Acrescente se que não está claro que tipo de estrutura genética pode ser considerada defeituosa, pois o genoma de todo ser humano demonstra anor malidades255.

Logo, a realização de teste genético como requisito de contratação laboral ou como condição de permanência do contrato de trabalho pode levar à exclusão de indivíduos que são, no momento, capacitados e que podem conservar se assim por toda a vida profissional. O fato de possuir a predisposição genética não é garantia de que a doença se desenvolverá, e mesmo que ela se manifeste, não significa que gere a incapacidade laboral do trabalhador. Assim, não parece defensável negar emprego a pessoas portadoras de genes deficientes que poderão nunca chegar a se revelar256.

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8.1.2. Direito à intimidade genética

O direito à intimidade, enquanto direito de defesa, compreende não apenas uma perspectiva negativa, no sentido de impor um dever de abstenção a tercei ros, mas também, devido às crescentes possibilidades de ingerências nesta seara, abrange uma dimensão positiva de proteção da intimidade.257 Esta perspectiva inclui a faculdade ativa de controle sobre as informações de cunho íntimo, a fim de que, com isto, seja efetivamente garantida a sua proteção.

No que concerne aos dados genéticos preditivos, o direito à intimidade se apresenta em uma dimensão positiva que compreende o direito de determinar as condições de acesso à informação258, decidindo quem pode conhecê la e em que circunstâncias, um direito à autodeterminação informativa. Verifica se, aqui, o caráter dinâmico do entendimento da intimidade enquanto manifestação da própria autonomia individual, na medida em que esta se expressa por meio de procedimentos, como o aconselhamento genético e o consentimento informado, os quais visam também à proteção da intimidade.

Todo o processo, que vai desde o aconselhamento até o consentimento, é pautado pelo dever de confidencialidade daqueles que, de alguma forma, têm acesso às informações preditivas, como os médicos e demais profissionais de saú de, bem como o empregador. Este dever subsiste mesmo após a realização dos testes e da revelação dos resultados, eis que para a sua divulgação ou utilização deve haver necessariamente a concordância daquele a quem dizem respeito259.

O direito à intimidade genética é reconhecido em diversos textos normativos internacionais e nacionais, os quais afirmam a especialidade dos dados genéticos e o dever dos Estados em criarem mecanismos para a sua efetiva proteção. Nestes termos, a preservação da intimidade é sempre lembrada como estritamente neces sária ao recolhimento, tratamento e utilização dos dados genéticos260.

A proteção da intimidade abrange não apenas os resultados obtidos após a realização de testes genéticos, mas também o material biológico do qual se extrai esta informação261. Tal fato deve se à consideração de que o genoma se encontra

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nas células que, além de serem as menores partes que constituem o corpo huma no, estão presentes em todas as partes dele. Logo, qualquer parte do corpo pode revelar a informação genética. Além disso, os dados genéticos podem conter informações cuja importância não é necessariamente conhecida no momento em que são recolhidas as amostras biológicas"262, mas que posteriormente venham a ter papel de destaque. Faz se necessário, portanto, estender se a proteção da intimidade a qualquer material biológico humano263.

A necessidade de especial proteção e controle das informações genéticas preditivas deve se, principalmente, ao seu potencial lesivo enquanto conhecimento sobre a intimidade de cada indivíduo. Além de trazer informações, não só sobre o presente, mas também sobre o futuro, pode ser considerada como uma das esfe também sobre o futuro, pode ser considerada como uma das esfe ras mais íntimas do homem, já que o seu conhecimento por terceiros pode levar a estigmatizações e discriminações.

O simples interesse da entidade patronal em contratar o candidato mais ade quado não justifica, por si só, a intromissão na vida íntima do indivíduo sob a forma compulsiva de um teste genético. Esses exames constituem, sem dúvida, significativa ameaça à privacidade genômica264.

É dever do empregador e do trabalhador respeitar reciprocamente os direitos de personalidade da contraparte, em particular a reserva da intimidade e da vida privada. Este direito abrange não só o acesso, como a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal, designadamente os relacionados com a vida familiar, afetiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas265, bem como a informação genética.

A especificidade dos dados genéticos humanos pode ter um impacto signifi cativo também sobre a família do sujeito analisado, incluindo a descendência, ao longo de várias gerações, e, em certos casos, sobre todo o grupo a que pertence a pessoa em causa.

A intimidade do trabalhador e dos seus familiares pode ser vilipendiada com a banalização dos testes genéticos na seara laboral. Uma única célula pode revelar

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o genoma completo, não apenas do indivíduo em causa, mas também dos seus familiares, pois traz a herança genética daquela linhagem parental. Logo, as pes as pes soas que podem ser afetadas pela utilização dos testes genéticos no âmbito do contrato de trabalho não se restringem aos trabalhadores ou candidatos ao em prego, mas abrange também seus familiares, cuja intimidade é afetada266.

O trabalhador tem direito a preservar sua intimidade e a de seus familiares perante o empregador. Goza de uma proteção contra a ingerência indevida em seu patrimônio genético, assumindo que este não pertence apenas ao sujeito que labora, mas também à sua família. Isto é, a informação genética não se limita apenas ao trabalhador, mas o abrange como ser humano em sua vida e dignidade. Na integridade do patrimônio genético está a privacidade própria e alheia."267

As características genéticas possuem uma combinação única em cada indi víduo, conferindo à pessoa a sua singularidade, identificando o, daí falar se em identidade genética. Não são, assim, apenas características hereditárias escon didas no âmago das células, mas, sobretudo, o mais íntimo dos patrimônios, o genético. Qualquer intromissão no direito à intimidade genética é ofensiva, princi palmente aquela destinada a discriminar ou menosprezar o ser humano no âmbito laboral268.

A entidade patronal só poderá invadir a esfera pessoal do trabalhador, impondo lhe restrições ou exigindo lhe outras ações ou omissões, quando isso lhe seja especificamente permitido, o que não é o caso da informação genética. Sustenta se, assim, firmemente que a conduta do trabalhador que se recusa a submeter se a um dos exames referidos não legitima, de modo algum, o exercício do poder disciplinar para realizá lo.

Assim, vida...

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