Considerações sobre tag along e direito societário brasileiro

AutorFrederico Augusto Monte Simionato
Páginas25-35

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1. Introdução

Este artigo vem escrito por questões atinentes aos processos de oferta pública de aquisição e da alienação de controle de companhia aberta e dos interesses que lhes são próprios. Em perspectiva recorrente na melhor doutrina, a nossa Lei 6.404/1976 constitui aquilo que verdadeiramente se poderia chamar de código societário brasileiro, diante das infinitas interpretações que decorrem do seu texto legal, da profundidade dogmática da matéria atinente aos órgãos societários, sua disciplina específica, bem como dos direitos dos sócios, a figura do controlador etc. Por seu turno, a riqueza do direito societário está também na redação dos contratos e estatutos sociais. O Código Civil de 2002, neste passo, não foi razoável na regulação das sociedades.1 O que se quer dizer é que a fonte riquíssima de interpretação está na própria Lei das S/A, num sistema de completude incontrastável.2 Quando se escreve qual-quer linha sobre direito empresarial a realidade tem que ser, ao mesmo tempo, o ponto de partida e de chegada.

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Nas palavras do Mestre italiano, "não é somente necessário, ao lado da lei, considerar a jurisprudência e a doutrina; cumpre atender também à prática contratual. As diversas leis levam em conta determinadas praxes contratuais; assim, o alcance das leis será diferente consoante for diversa a prática contratual seguida e, com muita frequência, conforme a diferente reação contratual perante a lei; seja a primeira, seja a segunda, devem ser levadas em conta. A norma legal torna-se, com frequência, um corpo morto e quase desprovido de significação para os que não têm presente a sua aplicação prática. Como seria possível, por exemplo, sem o estudo dos estatutos sociais, compreender o real alcance das leis das sociedades anônimas?".3

Seria inócuo falar sobre pretensões, vontades ou interesses que a prática da ati-vidade empresarial - aqui, expressa em sentido amplíssimo - não contempla ou que não lhe dizem respeito etc.

Desde tempos idos, naquelas tardes ensolaradas nas cidades italianas no período medieval, tais como, Milão, Florença, Bolonha, Pisa, Gênova, Siena etc., precisamente nos séculos XII-XIV, quando se consolidou o direito estatutário naquele momento histórico e inesquecível, quando os mercadores se reuniam, nas suas próprias corporações, e escreviam suas leis e seus estatutos, o que, mais modernamente, se compendiou em denominar como a época das societas mercatorum,4 nas quais os mercadores fizeram florescer os títulos de créditos, os bancos, a figura do comerciante, a escrituração contábil, a sociedade em nome coletivo, os institutos falimentares, bem como as infindáveis relações jurídicas próprias e específicas da realidade do comércio, todos na perfeita e rigorosa confluência das várias estradas que levavam sempre ao bom caminho e direção do ius mercatorum.5

São os mercadores e rendeiros que continuam redigindo seus contratos, suas leis, seus estatutos.

O sistema do novo mercado na Bolsa de Valores de São Paulo, como forma de incentivar novas posturas administrativas nas grandes companhias, é a nova realidade que se intensifica, na prática acionária brasileira, na elaboração dos estatutos sociais, de tal sorte que as vicissitudes corriqueiras devem ceder espaço aos postulados de uma convergência de interesses que levem em consideração novos aspectos, objetivos e subjetivos, ao trilharem a estrada do ius mercatorum em direção aos seus rendimentos e ganhos financeiros.

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O tag along, como regra geral, seria a compreensão que o legislador teve diante dos incontáveis abusos praticados em sede acionária contra os interesses dos acionis-tas ordinários minoritários. "Interesse" não tem, necessariamente, o sentido ou conotação de direitos. O termo "interesse" trata apenas da conotação que lhe é implícita de pretensão, desejo, algo que se espera ser aceitável ou equânime do ponto de vista econômico. Tal pretensão, desejo, pode se transformar em norma jurídica - como ocorreu com a reforma de outubro/2001.

Uma das perguntas que se faz é como funcionaria, do ponto de vista do aumento da liquidez, a relação entre os investimentos em longo prazo e a prática do novo mercado. Esta não é a sede, ao menos para o momento, para discutir liquidez e rentabilidade das ações e demais valores mobiliários. Porém, por via reflexa, o novo mercado acerta em cheio o postulado do tag along nas ordinárias - o que é obvio -, mas trouxe uma enorme discussão sobre se o art. 254-A também poderia ser aplicado, em interpretação extensiva, em favor dos titulares das ações preferenciais contempladas com voto restrito.

Quando escrevi, nos anos de 1999, o texto "A lei e a vontade do Estado" (RDM 116/180) comentando a Lei 9.547/1997, suas consequências para o processo de pri-vatização e seus reflexos sobre os processos de reorganização societária, acreditei que uma interpretação rigorosa e literal do texto normativo poderia provocar confusão jurídica sobre o tema, e que a fusão, incorporação e a cisão são institutos e meios de reorganização financeira que se complementam no meio empresarial, e a separação que a Lei 9.457/1997fez quanto ao direito de recesso, art. 137, II, "a" e "b", contraria o princípio da igualdade nas decisões dos órgãos sociais, em prejuízo para o acionista. Igualdade em sentido amplíssimo, como direito subjetivo, alcançável por conta de uma norma de efetividade duvidosa, e por tal norma contrariar o sistema jurí-dico societário reinante no País. Parecia que seria uma norma casuística, ferindo de morte sua própria aceitação pelo ordenamento jurídico, cedendo espaço ao mundo da interpretação justa, equânime e que leva em consideração a teoria dos valores, ou seja, dos princípios fundamentais de interpretação sobre a esfera dogmática e da natureza das coisas. A referência como direito subjetivo - algo um pouco em desuso - tem a função de entender como a prerrogativa da consolidação destes vários interesses metajurídicos poderia - e muitas vezes pode realmente - alavancar pretensões bem determinadas.

Contudo, a Lei 9.547/1997 é matéria já vencida. A referência se faz pelo seu casuísmo, mas principalmente pelos interesses que congregava, e do método de interpretação corretivo aplicado, sobre os direitos de sócio (art. 109 da Lei 6.404/1976).

A reforma de outubro/2001 foi muito bem-vinda em sede acionária, trouxe novos direitos, disciplinou o funcionamento do Conselho Fiscal, seguindo, neste passo, inteiramente aquilo que nos ensinou o Mestre dos Mestres, querido professor Waldirio Bulgarelli, no seu magistral Conselho Fiscal nas Companhias Brasileiras.

Mas cabe tratar, aqui, exclusivamente do tag along, arts. 17, § 1o, III, e 254-A da Lei das S/A, em interpretação sistemática e conforme o espírito do texto normativo acionário, e também da vontade das partes na redação das regras que são recorrentes nos estatutos sociais, mesmo nas companhias abertas.

2. Do poder de controle nas sociedades anônimas

Nossa melhor doutrina já elaborou aquilo que é o estado da arte sobre a matéria da definição de poder de controle, suas atribuições, poderes, abusos, deveres

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e responsabilidades.6 O livro do Professor Comparato é um divisor de águas na literatura jurídica brasileira, pelas suas lições determinantes sobre a análise do poder de controle acionário na sua forma mais completa - lições fundamentais, estas, decisivas e de extremo rigor metodológico, que cumprem sua função essencial de ensinar a várias gerações - e ainda ensinarão outras tantas - como se portar juridicamente diante do fenômeno econômico do poder de controle nas companhias.

O art. 116 da Lei Acionária diz que se entende por "acionista controlador" a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: (a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações sociais da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; (b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

É evidente que, no uso desta sua prerrogativa, que é jurídica e econômica, o interesse do controlador fica balizado pelo parágrafo único do art. 116 da lei, ao estipular, de maneira categórica, que o acionista controlador deve usar o poder de controle com o fim de fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Como já afirmei alhures, o que se infere é que a defesa do interesse social como proteção do interesse individual esbarra numa série de restrições, que dificultam sua justificação na administração empresa-rial contemporânea, e a comunione di inte-ressi não é o limite para salvaguardar a empresa e os sócios, porque cada um pode perseguir seu interesse pessoal, e a soma algébrica dos interesses dos sócios não pode ser entendida unicamente como a expressão do interesse social, salvo para a defesa do princípio majoritário, ou seja, da vontade social. O voto deve perseguir interesses que não se resumem no interesse imediato daquele que tem a prerrogativa do exercício deste poder. Pode, sim, alcançá-lo, desde que não contrarie o interesse da própria companhia.

3. Tag along e ações ordinárias - Os minoritários

Sempre acreditei que uma lei acionária não pode ser vista como boa ou ruim unicamente por conter normas que estabeleçam sistemas ditos de proteção ao acionista minoritário, em comparação com as prerrogativas que tem o acionista controlador. É evidente, também, que tal situação vai...

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