Esboços para uma desjudicialização executiva imediata no Brasil

AutorMarcos Youji Minami
Páginas601-616
ESBOÇOS PARA UMA DESJUDICIALIZAÇÃO
EXECUTIVA IMEDIATA NO BRASIL
Marcos Youji Minami
Pós-doutorando (USP). Doutor e Mestre em Direito Público (UFBA). Bacharel em
Direito (UFC). Professor da Universidade Regional do Cariri (URCA). Email: marcos.
minami@urca.br.
1. INTRODUÇÃO
A proposta mais difundida atualmente para a desjudicialização da execução
parte da premissa de que todo o procedimento executivo deve ser operacionalizado
fora do judiciário, seguindo exemplos de outros países. Este escrito pretende analisar
uma alternativa a essa ideia apresentando uma forma de aplicá-la em curto espaço
de tempo e sem a necessidade de alteração legislativa.
São duas as premissas básicas para as conclusões pretendidas.
A primeira foi lançada em encontros do grupo de pesquisa “Observatório da exe-
cução judicial e desjudicializada”, vinculado ao Departamento de Direito Processual
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Em um desses encontros, o
idealizador e coordenador do grupo, professor Heitor Sica, sugeriu uma alternativa
à completa desjudicialização da execução: a desjudicialização de atos executivos.
Dessa forma, o processo executivo manteria a litispendência como ocorre atualmente,
mas um terceiro, não integrante da estrutura estatal jurisdicional, assumiria os atos
executivos fazendo as vezes do of‌icial de justiça e, eventualmente, do magistrado.
Trata-se do agente de execução.
A segunda premissa é o uso de atos de cooperação judiciária nacional, a partir
do Código de Processo Civil e da Resolução 350/2020, do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), para a implantação de experiências controladas de desjudicialização,
nos moldes acima. Propõe-se, a partir dos trabalhos de Fredie Didier e Maria Gabriela
Campos sobre o tema, repetir iniciativas do passado que se valeram de projeto piloto
para melhoras no sistema de justiça, a partir de um repertório normativo atual, para
realizar o que aqui se chamou de cooperação prognóstica.
Como metodologia, buscou-se fundamentar as conclusões em legislação vigente
e doutrina com pesquisa responsável, não se desprezando a necessidade de respostas
factíveis aos problemas elencados e a partir de experiências passadas em casos reais.
As ideias aqui apresentadas também foram discutidas entre algumas pessoas
com atuação prática, dentre as quais destaca-se conversa com o professor Nilsiton
Aragão, estudioso da execução e da cooperação judiciária. Ele indicou acontecimento
que poderia corroborar com o que se queria propor: a experiência de um projeto
piloto que mais tarde resultaria na Res. 125/2010, do CNJ, realizada nas comarcas
de Patrocínio Paulista e Serra Negra, em São Paulo. A contribuição, por telefone, do
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MARCOS YOUJI MINAMI
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professor Fernando Gajardoni, um dos realizadores desse projeto, na condição de
magistrado em Patrocínio Paulista, também foi essencial.
Este artigo não irá analisar a constitucionalidade da execução realizada por
agentes não pertencentes ao Judiciário ou outros aspectos polêmicos relacionados
ao tema. O ponto de partida é o seguinte: caso se pretenda implantar a desjudiciali-
zação da execução no Brasil, qual caminho preliminar poderia ser adotado para que
isso acontecesse a partir de experiências reais? O convite ao debate começa a seguir.
2. A DESJUDICIALIZAÇÃO E A REALIDADE BRASILEIRA
A desjudicialização1, a execução extrajudicial2 e mesmo a autotutela3 não são
fenômenos desconhecidos no Brasil. O que ganha relevo, atualmente, é o debate
sobre uma implantação de um modelo de execução desjudicializada próximo àquele
implantado em Portugal4. Em resumo, o que muitos pretendem é a realização do
procedimento executivo, fundado em título executivo judicial ou extrajudicial, fora
do judiciário, em maior ou menor medida.
O modelo mais famoso ora em discussão talvez seja aquele veiculado no Projeto
de Lei 6.204/20195. Por ele, pretende-se retirar toda a execução do judiciário para
entregá-la às serventias extrajudiciais, notadamente aos tabelionatos de protesto.
Outra possibilidade já ventilada é aquela consistente na manutenção da execução
no judiciário com a entrega apenas dos atos executivos ao agente de execução.
O agente de execução é uma f‌igura central no debate da desjudicialização. Tra-
ta-se de alguém não integrante dos quadros jurisdicionais estatais que assumiria a
realização dos atos executivos. A depender do modelo que se defenda, esse agente
poderia experimentar um protagonismo maior ou menor no procedimento execu-
tivo6. Eis um exemplo de maior protagonismo: responsabilidade pelo recebimento
e análise inicial do título executivo e presidência, com alguma autonomia, de todo
1. Para o leitor que queira um bom panorama sobre o tema: CILURZO, Luiz Fernando. A desjudicialização na
execução por quantia. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2016; RIBEIRO, Flávia
Pereira. Desjudicialização da execução civil. 2. ed. Curitiba, Juruá, 2019; a série de três artigos do professor
Márcio Faria publicada sequencialmente na Revista de Processo a partir do número 313, de março de 2021;
HILL, Flávia Pereira. Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais: pela concepção de um devido
processo legal extrajudicial. Revista Eletrônica de Direito Processual. v. 22. Rio de Janeiro, jan.-abr. 2021.
2. Com um contraponto do tema, concluindo pela inconstitucionalidade da execução extrajudicial no Brasil,
f‌icou conhecida a monograf‌ia de Eduardo Yoshikawa: YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Execução
extrajudicial e devido processo legal. São Paulo: Atlas, 2010.
3. Com vários exemplos de autotutela no Brasil e tratamento rigoroso sobre o tema: SALLES, Raquel Bellini
de Oliveira. Autotutela nas relações contratuais. Rio de Janeiro: Processo, 2019.
4. Sobre o modelo portugês: FREITAS, José Lebre de. A ação executiva depois da reforma da reforma. Coimbra:
Coimbra Editora, 2009.
5. BRASIL. Senado. Projeto de Lei 6.204/2019. Iniciativa: Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS). Disponível
em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139971. Acesso em: 26 maio 2021.
6. Lebre de Freitas apresenta vários exemplos no Direito Comparado sobre o papel de maior ou menor
protagonismo do agente de execução, mas sempre com possibilidade de controle de suas atividades. FREITAS,
José Lebre de. A ação executiva depois da reforma da reforma. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 24.
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