As Escadas e as Rampas

AutorFlávio M. Dickson Ramos
CargoAdvogado - Bacharel em Direito pela UnB

Há duas maneirasde se passar de um nível para outro, quer se suba, quer se desça: por uma escada ou por uma rampa. São sistemas que funcionam baseados em filosofias completamente diversas, ainda que coincidentes no efeito: enquanto na rampa os pontos em sua dimensão horizontal vão se sucedendo sempre com o mesmo desnível um em relação ao outro, na escada eles não seguem nenhuma progressão constante - vão de enfiada todos exatamente na mesma altura e de repente o próximo ponto está muito mais alto do que o anterior.

O direito funciona como uma escada, com degraus e transições bruscas. Assim como as escadas, tem funcionado muito bem durante os séculos. Porém, a humanidade começa agora a despertar para a importância das rampas, pois há pessoas a quem as escadas não servem tão bem. Igualmente, há casos em que a intransigência do direito atende muito mal ao seu público demandante de justiça. Nossa intenção é a de evidenciar alguns destes casos, certos de que o leitor, mais bem informado, facilmente encontrará similares talvez até mais eloqüentes para ilustração da nossa tese, os quais em nossa ignorância, deixamos de perceber.

Antes disto, porém, um esclarecimento é importante. Como objeto deste trabalho, está o direito funcional, por assim dizer, não tanto o direito ético. Não pertence ao seu âmbito a indagação da possibilidade de haver uma terceira categoria ética assimilável pelo direito, ou de haver graus diferenciados de licitude das ações humanas. Em seu desenvolvimento, trabalhamos sempre sobre o postulado de que as condutas sempre serão ou jurídicas ou ilícitas, o que é o mais prático, se não for o mais correto, pois cremos que ainda que este nosso postulado não venha a ser verdadeiro, nossas conclusões hão de manter-se firmes.

De certas inflexibilidades do direito material

O processo de execução, concebido como meio de satisfação forçada dos direitos creditícios, tem sua maior conquista em sua limitação. O que antes era voltado apenas à proteção do crédito é agora também direcionado à proteção do devedor, expressando admiravelmente a prioridade que reconhece o ordenamento jurídico dos direitos humanos sobre os direitos patrimoniais; é mais importante que o indivíduo, ainda que seja um inadimplente, viva com dignidade, do que os credores recebam integralmente o que lhes é devido.

Duas impenhorabilidades traduzem à perfeição a valoração referida - a impenhorabilidade do imóvel doméstico e a impenhorabilidade dos salários e pensões, aquela instituída pela lei 8.009/90 e esta pelo CPC art. 649, IV.

Os salários, entendidos estes como a contraprestação recebida pelo empregado em decorrência de...

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