A Escola como Canal de Mídia e de Consumo

AutorIsabel Farinha
CargoProfessora Assistente no IADE-U Instituto de Arte, Design e Empresa ? Universitário
Páginas185-205

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“Nessa nova ‘organização’, o próprio ‘mundo’ parece aproveitar o poder simbólico da escola e arranjar um ‘lugar’ para ela”

(Costa & Momo, 2009:525).

Especificamente, o objetivo central deste paper foca-se no modo como se articulam as ações de marketing e comunicação escolar (utilizamos a classificação de oito ações de de Molnar & Garcia, 2005, e Molnar, 20061) com a responsabilidade social empresarial por parte de organizações do Estado, mercado e sociedade civil no espaço escolar, entendido este como canal de mídia e de consumo. Admitimos assim – suportado por um eixo analítico (fruto da adaptação e aplicação do diagrama tridimensional de Feuerstein, 2001) – ter uma construção de parcerias caracterizada, num dos polos, por uma comunicação educativa responsável que, assente em guias de conduta, atua positivamente como suporte de ensino-aprendizagem e, negativamente em contraponto, uma comunicação comercial desprovida de quaisquer códigos de ética, alicerçada a politicas de rendibilidade e de publicitação de produtos e serviços na escola.

Para o efeito, erguemos um edifício analítico alimentado simultaneamente por um enquadramento teórico multirreferencial das ciências sociais e humanas e por uma pesquisa empírica. Esta última recorreu, por um lado, a inquéritos por questionário aos órgãos de direção com funções de administração e gestão escolar há mais de cinco anos (8,3%) dos agrupamentos de escolas de ensino básico de 2º e 3º ciclos com e sem ensino secundário em Portugal continental (referente a alunos com idades entre os 10 e os 15 anos), e, por outro lado, a 29 entrevistados direta ou indiretamente envolvidos em ações de marketing e comunicação escolar de 25 organismos públicos e privados. Note-se que destes organismos foram analisadas as representações sociais de sete atores sociais, pertencentes aos órgãos do Estado (regulação, gestão e implementação na escola), de nove do mercado (concepção, produção e execução de projetos de apoio ao sistema educativo) e de treze da sociedade civil (organismos de autorregulação da publicidade, associações de defesa do consumidor e de pais e encarregados de educação e federações).

Assim, e partindo da percepção de que a educação e a comunicação traduzem processos sociais histórico-culturais singulares que, na contemporaneidade, tendem a entrelaçar-se e a interagir num cenário propulsor comum (Stuart, 2006), sustentamos que a globalização da economia, a proliferação de redes de comunicação e de informação, as marcas globais e os modos padronizados de consumo acarretam consequentemente uma expansão de produtos educativos estandardizada. Mais, cabe a esta padronização possibilitar que um dado

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tipo de ação pedagógica de uma organização exógena, inscrita numa “global business community” (Mattelart, 2000a:326), possa ser consumido em qualquer parte do mundo, num desafio constante de procura de argumentos capazes de persuadir consumidores em distintos contextos culturais. É justamente esta cultura global que particularmente ambiciona “identificar os «universais» ou «coeficientes de aproximação das audiências»” (idem:324), assente numa “confluência das atitudes e de comportamentos para um «estilo de vida global»” (ibidem:324), o que, seguramente, não invalida que redes publicitárias globais, ao atuarem unificada e estrategicamente, consigam também, paralelamente, fomentar “modalidades tácticas duma autonomia capaz de refletir os cantos e recantos dos territórios e contextos particulares” (ibidem:325). No entanto, e apesar do entendimento de que as sociedades são exponencialmente mais complexas, “o discurso dos seus operadores continua a ser classificativo e unidimensional” (ibidem:324) em torno de uma identidade cultural centrada no “parâmetro único da medição de audiência” (ibidem:336). Em síntese, apoiamo-nos numa abordagem que aponta para indicadores de homogeneidade que segmentam estilos de vida em “consumption communities” (ibidem:329), fruto de investimentos que têm tido, nos produtos das indústrias culturais norte-americanas, os “suportes naturais da universalidade” (ibidem:324), o que curiosamente gerou uma alcunhada cultura “mcdonaldizada” (Ritzer, 1993).

Concomitantemente, vivemos numa “época de transição” (Caraça, 2005), certamente não imune ao papel tridimensional da criança e do jovem consumidor num espaço público-privado mediatizado e particularmente segmentado, contextualizada histórico-socialmente por profundas alterações na estrutura e na vida quotidiana das famílias (Buckingham, 2009a; Rosa & Chitas, 2010). Com efeito, os dados apurados traduzem uma aposta extensiva na segmentação da população-alvo enquanto modo de penetração corporativo que, embutido de uma dada performance, se assume como cool, direcionando-se estrategicamente para um dado target (Klein, 2002), além de ser acompanhado por um momento de configuração cultural em que distintos modelos familiares e novas propostas pedagógicas tendem a contribuir para a constituição de “uma pluralidade de projetos educativos” (Setton, 2005:346) e em que a influência persuasiva publicitária tem, necessariamente, de ser ponderada face a um conjunto de indicadores sociodemográficos como idade, género, meio social e familiar. Na verdade, e apesar da inerente dicotomia entre publifilia e publifobia, esta persuasão comunicacional não pode, de todo, descurar ainda questões como a discussão em ambiente familiar e entre pares das mensagens veiculadas (Kapferer, 1989; Gunter & Furnham, 2001; Alves, 2002; Cardoso, 2004).

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Vivenciamos, portanto, um processo de convergência em que as práticas educacionais, espelho de significados construídos do quotidiano escolar, se desdobram numa série de ícones, símbolos, mitos e ritos, pontuados por valores, princípios éticos e estéticos pertences de uma sociedade de consumo (Baudrillard, 1981). Coabitamos, nesta medida, numa sociedade pautada por uma determinada cidadania de consumo, passível de ser traduzida numa cultura mercadológica de bens e serviços susceptíveis de serem simbolicamente consumidos (Lipovetsky, 2007). E que se diferencia pela valorização da comunicação interceptada pela cultura como
instrumento fundamental no âmbito das
relações sociais (Mattelart, 2000a), envolvendo
uma amplitude de formas de expressão que
compreendem desde códigos e linguagens verbais
até não verbais. Linguagens decerto também
do corpo que, enquanto elementos geracionais
identitários (Giddens, 2001; Giddens, 2002),
apontam a comunicação como um processo de
interação humana revelador de um conjunto de
crenças, valores, atitudes e saberes inscritos em
dadas relações sociais. É, pois, precisamente neste
sentido que as práticas culturais acabam por
motivar uma dada vinculação identitária, visto a cultura poder ser portadora de um fator decisivo quanto à “combinação de sucesso económico e coesão social, a longo prazo” (Hall, 1997).

Em linha com estes considerandos, a comunicação e a educação, enquanto cerne de construção e de significação da vida social (Sousa, 1999), ao agregarem uma pluralidade de mediações e de mecanismos identitários num mundo simbólico em que os meios tecnológicos potenciam parcerias entre objetos midiáticos e educativos (Belloni, 2005; Costa & Momo, 2009), destabilizam fronteiras conceituais, gerando periclitantes condições de construção e participação entre “esfera pública e privada, entre infância e idade adulta” (Belloni, 2007:77). Daí que, ao valorizarmos estes modos de promoção de um capital simbólico, tenhamos que, necessariamente, entendê-lo à luz da sociedade de consumidores (Bauman cit in Porcheddu, 2009) que caracteriza a modernidade tardia em que vivemos. Não obstante, e em sintonia com Buckingham (2009a:3), embora haja riscos e, por conseguinte, a necessidade de salvaguardas éticas adequadas e concertadas, o mundo comercial e os meios de comunicação oferecem às crianças e jovens oportunidades de entretenimento, aprendizagem, criatividade a par de demais

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experiências culturais. Com efeito, um dos argumentos mais consensuais dos discursos dos órgãos do Estado, do mercado e da sociedade civil apurados na pesquisa empírica encetada remete para o fato destas técnicas comunicacionais no espaço escolar poderem constituir um fator potenciador de acesso e uso de dados produtos e serviços, que, de outro modo, estariam porventura por completo vedados e inacessíveis à comunidade escolar.

Neste sentido, atente-se no caso do marketing desportivo que agrega estratégias comunicacionais tidas como mais eficazes, quando comparadas com investimentos em meios tradicionais, ao potenciarem um maior envolvimento emocional e um maior grau de interatividade entre patrocinador e público-alvo (Mattelart, 2000b). Daí poderem resultar parcerias, como são as ações de patrocínio de programas e/ou de atividades escolares (Molnar & Garcia, 2005; Molnar, 2006) como aquela que a seguir ilustramos, e que essencialmente consistem numa parceria em triangulação, que compreende um órgão do Estado, ou seja da Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação (DGIDC, 2009); outro da sociedade civil, representada por uma dada federação desportiva; e por último, uma organização do mercado.

Porquanto é certamente este contexto sociocultural contemporâneo que fomenta a necessidade de se dotar os pais de competências em matéria de consumo e mídia, tanto em casa como nas escolas (Buckingham, 2009a:4). Com efeito, a alfabetização e a literacia constituem uma variável fundamental para um melhor entendimento e descodificação em matéria de consumo, dada a comercialização junto do target infantil não apresentar sinais de diminuição quer nos meios tradicionais, quer nos novos canais de mídia, entre os quais a escola. Esta forma de se entender a educação pressupõe, pois, a aquisição de renovadas habilidades cognitivas e distintas competências sociais e pessoais, visando a integração de uma...

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