A escolha por uma morte digna

AutorMariana Cristina Galhardo Frasson
CargoAdvogada em TOLEDO/PR
Páginas6-6
TRIBUNA LIVRE
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
TRIBUNA LIVRE
8REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
Mariana Cristina Galhardo FrassonADVOGADA EM TOLEDO/PR
A ESCOLHA POR UMA MORTE DIGNA
“A vida é viver”
Ferreira Goulart
Que a morte uma hora
chega, a gente sabe. E
que na vida, embora
não estejamos prepa-
rados, temos que dizer adeus
num momento cercado de
muita dor, sofrimento e luta.
Também é impossível prever
uma doença, uma fase ruim,
um estado terminal. Mas, por
outro lado, podemos deixar
por escrito como desejamos
ser tratados durante uma en-
fermidade, quando, devido ao
estado de saúde, não for pos-
sível que nossa vontade seja
expressa.
Nesse sentido, apresenta-
mos o testamento vital, um
documento público realiza-
do por uma pessoa no pleno
gozo de suas faculdades men-
tais, que tem como objetivo
dispor acerca dos cuidados,
tratamentos e procedimentos
médicos a que deseja ou não
ser submetida enquanto esti-
ver adoecida.
Pouco utilizado no Brasil,
este modelo de documento é
tratado no ordenamento ju-
rídico como uma espécie de
“diretivas antecipadas de von-
tade – ”, gênero de docu-
mentos sobre manifestações
de vontade para fins de saúde.
Teve origem nos Estados Uni-
dos, no início da década de
1960, onde atualmente é mui-
to utilizado, em especial pelas
celebridades de Hollywood.
Em 2012, o Conselho Fede-
ral de Medicina publicou a
Resolução  1.995, em que
aceita as diretivas antecipa-
das de vontade dos pacientes,
popularmente conhecidas
como “testamento vital”. É
a forma legal de expressar
aquilo que o paciente deseja
para si.
O enunciado “diretivas an-
tecipadas de vontade” ou “tes-
tamento vital” soa complica-
do e nos parece burocrático.
Contudo, o que sabemos é
que além de ser pouco conhe-
cido no Brasil, ele é simples de
ser elaborado, podendo inclu-
sive ser escrito à mão.
O documento consiste no
desejo de o paciente “esco-
lher” se deseja falecer numa
cama de hospital, num leito
de  ou em casa. Escolher a
qual tratamento médico não
se quer ser submetido no
final da vida. Escolher,
inclusive, na companhia
de quem se quer estar
quando chegar o mo-
mento da despedida.
Ressalva-se que o re-
ferido instituto não se
confunde com as ou-
tras formas de morte
digna, como a eutaná-
sia, a ortotanásia e a
distanásia.
Logo, caso o tes-
ta men to vital dei-
xado pelo enfermo trate de
alguma das formas de ante-
cipação de morte acima cita-
das, ele será tido por não es-
crito e será desconsiderado.
Nesse sentido, a advogada e
doutora em ciências da saú-
de Luciana Dadalto narra em
seu artigo “Testamento Vital”:
Deve-se ter em mente que não
é o fato de o paciente pedir para
manter ou suspender um trata-
mento que define se isso é euta-
násia, ortotanásia ou distanásia,
mas sim a análise diante do caso
concreto, da importância desse
tratamento para o quadro clínico
do paciente, que permitirá dizer se
o desejo do paciente é lícito ou não.
Como exemplo, podemos
citar o testamento vital do
poeta Ferreira Goulart, que
escolheu morrer em paz, lon-
ge de uma UTI médica. José
Ferreira optou por não ser en-
tubado e não sofrer interven-
ções que prolongassem sua
agonia. Ele morreu em casa.
Para saber mais sobre os
tratamentos disponíveis, o in-
teressado pode procurar um
médico de sua confiança, que
informará a melhor alternati-
va médica para cada tipo de
doença, caso a pessoa tenha
alguma predisposição gené-
tica. Assim irá redigir seu tes-
tamento vital com o auxílio
de um advogado. Em seguida,
deverá registrar no cartório
notarial, por meio de uma es-
critura pública.
O documento também é
encaminhado ao sítio eletrô-
nico do R – Registro
Nacional de Testamento Vital,
onde será armazenado, sem
nenhum custo financeiro.
O número de adeptos a
esta forma de testamento
vem crescendo a cada dia, o
que preocupa, por um lado,
os profissionais da área, uma
vez que não há legislação es-
pecífica que trate do assunto,
gerando insegurança jurídica.
Porém, o documento encon-
tra amparo jurídico nos prin-
cípios constitucionais da dig-
nidade da pessoa humana, da
autonomia da vontade e do
não tratamento desumano.
É dicil de imaginar os
brasileiros aderindo a esta
forma de “despedida”, em um
país onde o sistema de saúde
se opera como um caos. Pa-
rece que o testamento vital
privilegia uma classe imune
a doenças causadas pela fal-
ta de saneamento básico, por
exemplo. Falar sobre o direi-
to de morrer com dignidade
parece uma utopia. Por outro
lado, concluímos que o proce-
dimento é simples e barato,
sendo que qualquer pessoa
pode fazer uso dele.
Seja qual for a vontade de
cada um, ela deve ser respei-
tada. Livre, embora limitado,
temos o direito de escolher a
melhor forma de dizer adeus
e a que cause menos sofri-
mento, inclusive para os fami-
liares, que nos acompanham
no final da vida. E de decidir
por eles a melhor forma de
partir.
Morrer com dignidade, sem
esperar empatia daqueles que
nos cercam, mas respeito às
leis naturais da vida.n
Mariana Cristina Galhardo Frasson
é advogada e pós-graduanda em direi-
to Civil e Processo Civil pela .
Antenor Demeterco JúniorDESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJPR
JOSÉ DIRCEU E O STF
José Dirceu nos brindou
com o primeiro volume
de suas memórias1 escri-
tas no cárcere.
Escreveu, segundo con-
ta, para que sua filha de sete
anos e meio conhecesse sua
história de vida, e para que o
leitor o julgue2.
Aproveitou a sua prisão que
considera “injusta e ilegal” para
ler e estudar: leu 100 livros na
tranquilidade de sua cela.
Dirceu, já julgado por quem
de direito, em seu texto julga
seus contemporâneos com
punho de aço, em especial os
seus julgadores.
Em mais de uma oportu-
nidade, esquiva-se do stali-
nismo, ou seja, do aspecto
brutalmente criminal de sua
própria ideologia.
Juiz de juízes critica acida-
mente os ministros nomea-
dos em sua época para o Su-
premo Tribunal Federal e que
não militam de acordo com
seus interesses.
A nomeação de Luiz Fux foi,
para Dirceu, um erro feio, “ao
ponto de sermos enganados
por um charlatão togado3.
Fachin “se fazia amigo alia-
do de todos os movimentos
sociais”4, “um engodo”5.
Barroso “é um caso típico
de como a cadeira de ministro,
a vaidade e ânsia de poder mu-

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