Escondendo os '1%': crítica e lógica socioculturais

AutorRoberto Grün
CargoMestrado em Ciências Sociais pela PUC-SP (1985)
Páginas313-343
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v17n39p313/
313313 – 343
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Escondendo os “1%”:
crítica e lógica socioculturais
Roberto Grün1
Resumo
O Brasil é considerado como um dos países de distribuição de renda mais desigual no mundo
contemporâneo. Entretanto, nele não emerge nenhuma crítica social específica da assimetria de
recursos materiais. O artigo discute algumas hipóteses para explicar essa realidade aparentemente
ilógica. Responde fundamentalmente pela dependência de caminho da afirmação da crítica da
assimetria de recursos culturais e vincula esta última à emergência dos principais grupos políticos
que surgiram com a redemocratização de 1985 e cuja dinâmica de disputa política segue uma
lógica cultural. A disputa cultural subsome o potencial contencioso econômico, pois se instala
duravelmente como sistema de metáforas, dotado de “dureza simbólica”.
Palavras-chave: Sociologia dos intelectuais. Sociologia das finanças. Sociologia dos escândalos.
Sociologia da crítica. Desigualdades sociais.
Introdução
Nos últimos 30 anos, vimos se desenvolver uma sociologia da crítica
envolvendo a análise direta da construção de objetos para a crítica social,
ambiental, religiosa, de gênero e outras. Apoiando-se em Wittgenstein, ela
explora a diferença entre o “mundo” e a “realidade” (WITTGENSTEIN,
1961; BOUVERESSE; ROSAT, 2000). O primeiro sendo o enorme re-
pertório de possibilidades existentes para a construção de percepções so-
bre a sociedade e a segunda, as possibilidades efetivamente aproveitadas
1 Mestrado em Ciências Sociais pela PUC-SP (1985), Doutorado em Ciências Sociais pela UNICAMP (1990),
com estágio de complementação do doutoramento na Écoles des Hautes Études en Sciences Sociales (1989). Foi
“Directeur de Recherches” da Fondation Maison des Sciences de l’Homme, “Directeur d’Etudes” da École des Hautes
Études en Sciences Sociales e “Joaquim Nabuco Chairman in Brazilian Studies” na Universidade de Stanford.
Escondendo os “1%”: crítica e lógica socioculturais | Roberto Grün
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para a construção das congurações perceptíveis. Em seguida, a exploração
sistemática dos factíveis, justamente por meio da crítica, e o passo subse-
quente, a crítica de segundo grau, incidindo sobre essas operações cogniti-
vas e sociais que produzem a problematização da sociedade (BOLTANS
KI; CLAVERIE; OFFENSTADT, 2007; BOLTANSKI, 2009, 2012 ,
2014). Essa perspectiva pode ser útil para a sociologia dos intelectuais,
dirigindo a nossa atenção para a criação de objetos críticos e explicando
a não existência de outros, que seriam esperados em um espaço social e
cultural “racionais”, mas que não emergem na situação concreta do Brasil
contemporâneo.
Diversas desigualdades percebidas analiticamente pelos intelectuais
brasileiros não se transformam em objeto de debates na esfera política,
enquanto outras saliências o são, mesmo quando parecem “menos graves
dos que as primeiras. Há, portanto, uma dissociação entre a lógica que cria
a sensibilidade dos cientistas sociais envolvidos nas pesquisas cientícas e
agentes sociais e políticos que tentam patrocinar causas que consideram de
interesse público e as lógicas que emergem nos espaços cultural e político
da sociedade. Explorar essas divergências pode ser uma boa entrada para
o reconhecimento de algumas especicidades da sociedade brasileira con-
temporânea, uma vez que o que acontece nos dois últimos espaços reete
muito diretamente a dependência de caminho para as possibilidades e im-
possibilidades do presente e do futuro do País. E, implicitamente, também
convida a ciência social que se ocupa dele a levar em conta essa dimensão,
que chamamos provocativamente de “dureza da realidade simbólica”, para
dar conta das dinâmicas realmente existentes na sociedade brasileira.
Os 1% no Brasil: quem? Quais?
No início da segunda metade da década de 2010 houve uma grita
internacional contra os 1% privilegiados da atual ordem econômica. No
Brasil, mesmo na década de imensa polarização política e ideológica que
transcorreu durante os governos petistas, especialmente depois do mensa-
lão em 2004-2005, pouco ouvimos desse tipo de crítica e, muito menos,
achamos clamor popular próximo dessa formulação. Por exemplo, o Insti-
tuto Datafolha pergunta, pelo menos desde o início do primeiro governo
de Fernando Henrique Cardoso (FHC), quais são os principais problemas

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