Escorço Histórico sobre o ensino do Direito: das Escolas da Grécia às Escolas do Século XXI

AutorAndré Gonçalves Fernandes
CargoBacharel e mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP)
Páginas87-154
Escorço Histórico sobre o ensino do Direito:
das Escolas da Grécia às Escolas do Século XXI
André Gonçalves Fernandes
Bacharel e mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP).
Atualmente é juiz de direito titular de entrância final e professor do CEU-IICS Escola de Direito.
Membro da Escola do Pensamento do IFE (www.ife.org.br). Coordenador do IFE-Campinas.
É pós-graduando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP e pesquisador do grupo
Paideia, na linha de ética, política e educação (FE/UNICAMP). Articulista da Escola Paulista
da Magistratura e do Correio Popular de Campinas, com especialidade na área de Filosofia
do Direito, Deontologia Jurídica, Estado e Sociedade. Tem experiência profissional na área
de Direito, com especialidade em Direito Civil, Direito de Família, Direito Constitucional,
Deontologia Jurídica, Filosofia do Direito e Hermenêutica Jurídica. Membro do Comitê
Científico do CCFT Working Group (Diálogos entre Cultura, Ciência, Filosofia e Teologia), da
União dos Juristas Católicos de São Paulo e da Comissão de Bioética da Arquidiocese de
Campinas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas. Autor de livros
publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas.
Pela educação jurídica é que uma sociedade assegura o predomínio dos valores
éticos perenes na conduta dos indivíduos e, sobretudo, dos órgãos do Poder Público.
(San Tiago Dantas, 1955:452)
Homines dum docent discunt1
(Sêneca)
São inúmeras as críticas que são formuladas ao modelo de ensino
jurídico dominante no país. A crise do ensino do direito é assunto de
1 In Epistulae ad Lucilium, 7, 8. Em tradução livre, “ensinando, os homens aprendem”.
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muitas discussões, tanto no âmbito acadêmico2-3, quanto no seio da opi-
nião pública4, há, pelo menos, uma década. A área jurídica corresponde
2 “Ensino jurídico na berlinda: MEC congela a criação de 100 novos cursos de Direito
e estuda, em conjunto com a OAB, uma nova política regulatória para o ensino jurí-
dico no país” (Jornal do Advogado da OAB/SP, São Paulo, abril de 2013, p.16-17).
3 Direito USP debate reforma curricular dos cursos. Disponível em: http://www.
estadao.com.br/noticias/vidae,medicina-e-direito-da-usp-debatem-reforma-
curricular-dos-cursos,1027077,0.htm. Acesso em 30 de abril de 2013. MEC inter-
rompe abertura de novos cursos de direito para mudar regras. Disponível em:
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/03/mec-interrompe-abertura-de-
novos-cursos-de-direito-para-mudar-regras.html. Acesso em 03 de maio de 2013.
4Ensinar direito. Editorial. Folha de São Paulo. São Paulo, 18 mar 2013, p. A2.
Sem contar com uma proposta acabada sobre o tema, o Ministério da Educação
pôs em circulação nas últimas semanas algumas ideias para melhorar a qualidade
das faculdades de direito no Brasil. O MEC divulgara, em fevereiro, que estudava
alterar as regras para abertura de cursos jurídicos, limitando a expansão de vagas
e direcionando novas instituições para regiões carentes de advogados, tal como
pretende fazer com faculdades de medicina. Na semana passada, o ministro da
Educação, Aloizio Mercadante, anunciou que os estudantes de direito precisarão
passar por estágio obrigatório, a ser cumprido em órgãos públicos, como o Judi-
ciário, o Ministério Público e a Defensoria. É preciso, sem dúvida, buscar soluções
para as deciências dos cursos de direito, um problema que persiste no país, sem
sinais de melhora, há pelo menos uma década. Já em 2002, Carlos Miguel Aidar,
então presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP),
escreveu artigo nesta Folha no qual dizia haver correlação entre a expansão de-
senfreada de vagas e a piora da instrução superior. ‘O futuro do ensino jurídico
não nos parece claro ou promissor. O número de escolas é excessivo, a formação
dos alunos é precária’, dizia. Naquele ano, 81% dos candidatos foram reprovados
no exame da OAB-SP. O pior resultado desde a instituição da prova, em 1973.
De lá para cá, o número de cursos jurídicos mais que dobrou, chegando a cerca
de 1.200 em 2011. No último exame da OAB (hoje unicado em todo o país),
83% foram incapazes de acertar metade das 80 questões e passar à segunda fase.
Ante desempenho tão constrangedor, não surpreende que a OAB só recomende
90 cursos de direito no Brasil, menos de 8% do total. Tudo leva a crer que o maior
problema é mesmo o crescimento desabalado de faculdades. Faria melhor o MEC
se atuasse com mais rigor para frear a expansão dos cursos precários e descre-
denciar instituições ineptas. Tais medidas teriam impacto positivo na qualidade
do ensino e evitariam que jovens desperdiçassem tempo e dinheiro na busca do
diploma. Iniciativas polêmicas e de ecácia duvidosa, como o direcionamento
de novas escolas e o estágio obrigatório, poderiam ser postas em discussão num
segundo momento. Por enquanto, tais ideias mirabolantes servirão apenas para
tirar o foco da questão principal”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.
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à segunda maior demanda acadêmica nacional e responde por 15%
das matrículas do ensino superior. Nesse ano, chegamos à impressio-
nante marca de 1.260 cursos espalhados pelo país, com uma oferta de
215 mil vagas, das quais mais da metade está concentrada na Região
Sudeste5.
São números superlativos e que demonstram o peso do prossio-
nal do direito na realidade institucional. É sabido que bacharéis mal
formados multiplicam-se e a grande maioria dos diplomados jamais
exercerá uma prossão jurídica, como professor-pesquisador, magis-
trado, advogado, promotor, delegado, procurador ou defensor. Eles
irão engrossar as estatísticas do desemprego ou seguirão outros ru-
mos prossionais. A disseminação e massicação das escolas de di-
reito no cenário nacional contribuíram em muito para o desprestígio
das leis e das prossões jurídicas, agravado ainda pelo academicismo,
pedantismo verbal e apego ritualístico à noção de lei. Um retrato pro-
ssional muito preocupante.
Platão, nas cidades-estado gregas e, mais tarde, Cícero, na Repú-
blica Romana, pregavam um “governo de leis” no lugar de um “go-
verno de homens”. E foi sob o “império da lei”, de alguns séculos
para cá, depois dos movimentos constitucionalistas europeus, que o
Estado de Direito teve seu complexo e pesado edifício construído.
Se justamente são os prossionais do direito as pessoas capacita-
das a protagonizar os destinos de uma cidade assentada no império
br/opiniao/1247649-editorial-ensinar-direito.shtml. Acesso em 29 de abril de
2013. O recente editorial, em pese sua brevidade, acerta num ponto em concreto:
sobram prossionais de direito e falta qualicação prossional, porque a imensa
maioria dos cursos de direito foi autorizada sem critério e ensina precariamente.
5 Segundo os dados do artigo “Proliferação indiscriminada”, publicado no “Jornal
do Advogado da OAB/SP” (São Paulo, abril de 2013, p.17), o qual relata que, “em
1960, o Brasil possuía 69 escolas de Direito. Em 1997, esse número sobre para 270.
Em 2008, já eram 1.091. Em 2013, chegamos à impressionante marca dos 1.260
cursos. (...) Há, hoje, no Brasil, mais de 730 mil advogados, existindo ao lado,
aproximadamente, 1 milhão de bacharéis reprovados no exame de estado ou não
submetidos a tal aferição” (grifos nossos).
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