Espaços territoriais do patrimônio nacional

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas533-566
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ESPOS TERRITORIAIS DO
PATRIMÔNIO NACIONAL
34.1 CONCEITO DE PATRIMÔNIO NACIONAL
O § 4º do art. 225 da Constituição Federal estabelece que a Floresta Amazônica bra-
sileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são
patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que
assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
Ao eleger os espaços territoriais acima mencionados como patrimônio nacional, há
que verificar o alcance da norma e o sentido aplicado ao termo patrimônio.
Segundo Michel Prieur, o conceito de patrimônio diz respeito ao “legado das gerações
precedentes, que devemos transmitir intacto às gerações futuras. [...] Os bens ou espaços qua-
lificados como ‘patrimônio’ pelo direito ambiental são objeto de uma particular atenção, não
somente pelo proprietário jurídico mas também e principalmente pela coletividade”. 1
A interpretação a ser conferida ao § 4º do art. 225, dessa forma, é que, por sua impor-
tância e fragilidade ambiental, os espaços territoriais nele previstos merecem tratamento
especial e regras de utilização definidas em lei.
Não constituem áreas sob o domínio da União, nem necessariamente sua gestão deve
ser por ela efetuada. Tampouco esse dispositivo confere, especialmente, competência ju-
risdicional da União para solucionar conflitos.2 O sentido de patrimônio nacional refere-
se ao valor ambiental que esses espaços possuem por sua diversidade biológica, pelo fato
de constituírem biomas únicos e pela beleza paisagística, entre outros fatores.
A lista dos territórios mencionados que necessitam de proteção ambiental não se
encerra no § 4º do art. 225. Embora não integrem o texto constitucional, há outros biomas
importantes como o Cerrado, Caatinga, Domínio das Araucárias e os Pampas e Prada-
rias que deveriam ser inseridos nesse dispositivo constitucional, sobretudo pelo fato de
estarem ameaçados pelo avanço da fronteira agrícola.
34.2 MATA ATLÂNTICA
Após mais de uma década de tentativas, foi editada a Lei nº 11.428, de 22-12-2006,
que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica,
regulamentando parte do § 4º do art. 225 da CF/88. Antes vigorava o Decreto nº 750, de
10-2-1993,3 que, embora atacado por inconstitucionalidade, não deixou de prestar um
1. PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. 3. ed. Paris: Dalloz, 1996, p. 71-72.
2. RE 300.244-9 – Santa Catarina (STF), 20-11-2001; RE 134.297 (STF), 13-6-1995.
3. Revogado pelo Decreto nº 6.660, de 21-11-2008, que regulamenta a Lei nº 11.428/06.
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importante serviço à proteção desse patrimônio nacional, que vem sendo dilapidado des-
de o século XVI. A lei, pois, é o instrumento constitucionalmente previsto para tratar da
matéria.
Não há consenso acerca da cobertura vegetal remanescente do Bioma. Números en-
contrados variam entre 29% 4e 15,2% 5. Na Mata Atlântica existem 1.362 espécies da fauna
brasileira já catalogadas, com 270 espécies de mamíferos, 850 de aves, 200 de répteis e 370
de anfíbios, sendo que 567 espécies só ocorrem nesse bioma. Possui, ainda, cerca de 20 mil
espécies vegetais, equivalente a 35% das espécies existentes no Brasil.6
Todavia, à luz do fato de ser a Mata Atlântica um patrimônio nacional, cuja utilização
far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambien-
te, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais, nota-se que os instrumentos explicitados
pela lei estão mais voltados a como suprimir a vegetação do que a como recuperá-la. Cabe
lembrar que se trata também de área considerada Patrimônio Comum da Humanidade e
Reserva da Biosfera.
Cabe salientar, ainda, a falta de instrumentos econômicos claros, efetivos, consisten-
tes e passíveis de implementação sem grandes dificuldades. Se a lei demorou 18 anos para
ser aprovada, é de estranhar que toda a parte relativa às possibilidades de corte e supressão
da vegetação esteja claramente definida e os instrumentos econômicos que efetivamente
poderiam conferir o aumento das áreas providas de vegetação tenham sido apenas pre-
vistos na lei e relegados a uma regulamentação futura. Nessa linha, o Decreto nº 6.660/08
limita-se a mencionar que “os projetos de recuperação de vegetação nativa da Mata Atlân-
tica, inclusive em área de preservação permanente e reserva legal, são elegíveis para os fins
de incentivos econômicos eventualmente previstos na legislação nacional e nos acordos in-
ternacionais relacionados à proteção, conservação e uso sustentável da biodiversidade e de
florestas ou de mitigação de mudanças climáticas”. 7
34.2.1 Caracterização do objeto da lei
O Bioma Mata Atlântica é formado pelas seguintes formações florestais nativas e
ecossistemas associados: floresta ombrófila8 densa; floresta ombrófila mista, também de-
nominada de mata de araucárias; floresta ombrófila aberta; floresta estacional semideci-
dual e floresta estacional decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas,
campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.9 A delimitação
desses espaços é estabelecida em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).10
4. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE: Mata Atlântica
senvolvimento.html>. Acesso em: 10 set. 2018.
5. SOS MATA ATLÂNTICA. ATLAS DOS REMANESCENTES FLORESTAIS DA MATA ATLÂNTICA PERÍODO 2016-2017. RELA-
TÓRIO TÉCNICO. Disponível em: https://www.sosma.org.br/link/Atlas_Mata_Atlantica_2016-2017_relatorio_tecni-
co_2018_final.pdf Acesso em: 10 set. 2018.
6. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Mata Atlântica. Disponível em: -
C3%A2ntica_emdesenvolvimento.html>. Acesso em: 04 set. 2018.
7. Decreto nº 6.660/08, art. 46.
8. O termo ombrófila relaciona-se à compatibilidade com a chuva.
9. O Decreto nº 6.660/08 traz, em seu art. 1º, outras formações vegetais: refúgios vegetacionais e áreas de tensão ecoló-
gica.
10. Lei nº 11.428/06, art. 2º e Decreto nº 6.660/08, art 1º.
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As restingas, como fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues11 e os mangue-
zais, em toda sua extensão,12 encontram-se sob a proteção da Lei nº 12.651/12. Segundo
a referida norma, esses espaços caracterizam-se como Áreas de Preservação Permanente
(APP), o que significa que a sua proteção deve ser regida pela Lei mais restritiva. Dessa
forma, em cada caso concreto, tanto a Lei nº 11.428/06 como a Lei nº 12.651/12 devem
ser analisadas, verificando-se a disposição mais restritiva, a qual deverá, portanto, ser
adotada.
Para melhor compreensão do texto legal, cabe estabelecer algumas definições dos
termos por ela utilizados. Nativa é a vegetação natural, “aquela constituída por espécies au-
tóctones de determinado local que se desenvolvem sem interferência antrópica”.13 Esse con-
ceito refere-se à localização do desenvolvimento das espécies.
Vegetação primária é a que “evoluiu sob condições ambientais reinantes ou paleocli-
máticas sem ter sofrido interferência do homem”, 14 isto é, trata-se da vegetação no estado em
que o homem a encontrou. A vegetação secundária é a que “ocupa o lugar da vegetação
primária, face à interferência antrópica, quer dizer, “é a vegetação que vem substituir a pri-
mária, quando esta sofre cor te ou supressão”.15
A Lei da Mata Atlântica distingue a vegetação primária da secundária, para estabe-
lecer os procedimentos a serem observados no seu corte, supressão e exploração. No caso
da vegetação secundária, cabe ainda levar em conta o estágio de regeneração: avançado,
médio ou inicial.16 A regeneração refere-se à “renovação ou restauração das estruturas [...],
principalmente em caso de perda ou mutilação”.17 O nível de proteção imposto pela lei au-
menta gradativamente da vegetação secundária, em estágio inicial de regeneração, até a
vegetação primária, esta objeto de maior cuidado.
Tal classificação permanece em qualquer circunstância, independentemente de per-
da da vegetação em caso de desmatamento por incêndio ou qualquer outro tipo de inter-
venção não autorizada ou licenciada.18 Essa regra afasta a argumentação de que, não mais
existindo a cobertura vegetal, primária ou secundária, os espaços ficam liberados para
outros usos. Esse mecanismo legal impede que atividades criminosas ameacem o Bioma
Mata Atlântica.
Por outro lado, determina a lei que os novos empreendimentos que impliquem o
corte ou a supressão de vegetação do Bioma Mata Atlântica deverão ser implantados pre-
ferencialmente em áreas já substancialmente alteradas ou degradadas.19 Esse dispositivo
há que ser interpretado considerando-se apenas as áreas já degradadas anteriormente à
edição da Lei da Mata Atlântica, para garantir consonância com o tema abordado no pa-
rágrafo anterior.20
13. ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Glossário de ecologia. 2. ed. ACIESP, nº 183, 1997, p. 248.
14. ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Glossário de ecologia. 2. ed. ACIESP, nº 183, 1997, p. 248.
15. ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Glossário de ecologia. 2. ed. ACIESP, nº 183, 1997, p. 248.
16. Lei nº 11.428/06, art. 8º.
17. ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Glossário de ecologia. 2. ed. ACIESP, nº 183, 1997, p. 201.
19. Lei nº 11.428/06, art. 12.
20. Essa questão será abordada no item relativo à Localização de novos empreendimentos.
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34.2.2 Âmbito de aplicação da lei
A aplicabilidade da Lei nº 11.428/06 abrange as áreas de Mata Atlântica, com rema-
nescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio
e avançado de regeneração.
A definição das áreas de incidência da lei é iniciativa do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) que, por meio da Resolução nº 388, de 23-2-2007, convalidou as
resoluções que definem de modo específico a vegetação primária e secundária nos estágios
inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, nos diversos Estados brasi-
leiros.21
34.2.3 Objetivos e princípios
A Lei nº 11.428/06 dispõe sobre o uso e a proteção da Mata Atlântica, o que remete
ao princípio do desenvolvimento sustentável, mencionado como objetivo geral. Outros
21. (1) Resolução nº 10, de 1º-10-1993: estabelece os parâmetros para análise dos estágios de sucessão da Mata Atlântica;
(2) Resolução nº 1, de 31-1-1994: define vegetação primária e secundária nos estágios pioneiro, inicial, médio e avan-
çado de regeneração da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de exploração da vege-
tação nativa no Estado de São Paulo; (3) Resolução nº 2, de 18-3-1994: define formações vegetais primárias e estágios
sucessionais de vegetação secundária, com finalidade de orientar os procedimentos de licenciamento de exploração
da vegetação nativa no Estado do Paraná; (4) Resolução nº 4, de 4-5-1994: define vegetação primária e secundária nos
estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licencia-
mento de atividades florestais no Estado de Santa Catarina; (5) Resolução nº 5, de 4-5-1994: define vegetação primária e
secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos
de licenciamento de atividades florestais no Estado da Bahia; (6) Resolução nº 6, de 4-5-1994: estabelece definições e
parâmetros mensuráveis para análise de sucessão ecológica da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro; (7) Resolu-
ção nº 25, de 7-12-1994: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração
da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades florestais no Estado do Ceará;
(8) Resolução nº 26, de 7-12-1994: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de
regeneração da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades florestais no Estado
do Piauí; (9) Resolução nº 28, de 7-12-1994: Define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avan-
çado de regeneração da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades florestais
no Estado de Alagoas; (10) Resolução nº 29, de 7-12-1994: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial,
médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, considerando a necessidade de definir o corte, a exploração e a
supressão da vegetação secundária no estágio inicial de regeneração no Estado do Espírito Santo; (11) Resolução nº 30,
de 7-12-1994: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata
Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades florestais no Estado do Mato Grosso do Sul;
(12) Resolução nº 31, de 7-12-1994: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de re-
generação da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades florestais no Estado de
Pernambuco; (13) Resolução nº 32, de 7-12-1994: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e
avançado de regeneração da Mata Atlântica, a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades flores-
tais no Estado do Rio Grande do Norte; (14) Resolução nº 33, de 7-12-1994: define estágios sucessionais das formações
vegetais que ocorrem na região de Mata Atlântica no Estado do Rio Grande do Sul, visando viabilizar critérios, normas
e procedimentos para o manejo, utilização racional e conservação da vegetação natural; (15) Resolução nº 34, de 7-12-
1994: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica,
a fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades florestais no Estado de Sergipe; (16) Resolução nº
7, de 23-7-1996: aprova os parâmetros básicos para análise da vegetação de restingas no Estado de São Paulo; e (17)
Resolução nº 261, de 30-6-1999: aprova parâmetro básico para análise dos estágios sucessivos de vegetação de restin-
ga para o Estado de Santa Catarina; (18) Resolução nº 392, de 25-6-2007: define vegetação primária e secundária nos
estágios inicial, médio e avançado de regeneração de Mata Atlântica no Estado de Minas Gerais; (19) Resolução nº 391,
de 25-6-2007: define vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração no Estado
da Paraíba; (20) Resolução nº 388, de 23-2-2007: dispõe sobre a convalidação das Resoluções que definem a vegetação
primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração de Mata Atlântica, para fins do disposto
no art. 4º da Lei nº 11.428/06; (21) Resolução nº 417, de 23-11-2007: dispõe sobre parâmetros básicos para definição de
vegetação primária e dos estágios sucessionais secundários da vegetação de Restinga na Mata Atlântica e (22) Resolu-
ção nº 423, de 12-4-2010: dispõe sobre os parâmetros básicos para identificação e análise da vegetação primária e dos
estágios sucessionais da vegetação secundária nos campos de altitude associados ou abrangidos pela Mata Atlântica.
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objetivos consistem na salvaguarda da biodiversidade, da saúde humana, dos valores pai-
sagísticos, estéticos e turísticos, do regime hídrico e da estabilidade social.
Em face da importância desses bens ambientais, e considerando os níveis atuais de
destruição da Mata Atlântica, qualquer supressão na área de incidência da lei há que ser
cuidadosamente analisada, sob pena de, em alguns anos, ser desnecessário haver um di-
ploma legal de proteção, por não mais existir o seu objeto: o Bioma Mata Atlântica.
A Lei nº 11.428/06 estabelece, em seu bojo, a função socioambiental da propriedade,
fortalecendo, também aqui, o conceito de que esta deve considerar (1) o meio ambiente,
sobretudo em um bioma cuja biodiversidade é das mais ricas do mundo e se encontra em
perigo de extinção, e (2) as populações tradicionais que nele se localizam.22 Mais adiante é
tratada a questão do direito de propriedade.23
Nesse ponto, o art. 35, alterado pela Lei nº 12.651/12, merece reparo. Segundo esse
dispositivo, a conservação, em imóvel rural ou urbano, da vegetação primária ou da ve-
getação secundária em qualquer estágio de regeneração do Bioma Mata Atlântica cumpre
função social e é de interesse público,24 podendo, a critério do proprietário, as áreas sujei-
tas à restrição de que trata a Lei nº 11.428/06 ser computadas para efeito da Reserva Legal e
seu excedente utilizado para fins de compensação ambiental ou instituição de cota de que
trata o Código Florestal. Cabe lembrar que a Reserva Legal é instituto aplicável somente
à propriedade rural, não atingindo a de natureza urbana. Além disso, embora a lei não
mencione, caberá, sempre, autorização do órgão ambiental para a localização da Reserva
Legal, seja Mata Atlântica ou não.
Outros princípios mencionados na lei ensejam dúvidas, pois não estão articulados
entre si, dando a impressão de que foram simplesmente listados, sem uma real preocupa-
ção com a sua aplicabilidade e coerência.
A equidade intergeracional diz respeito à necessidade de garantir, às gerações futu-
ras, os mesmos direitos que as gerações atuais possuem, no que se refere ao meio ambiente.
Daí o uso do termo equidade, que somente é garantida na medida em que a aplicação da
Lei nº 11.428/06 efetivamente assegurar, no mínimo, a manutenção da área de Mata Atlân-
tica existente na data de sua publicação. Caso contrário, não haverá equidade com respeito
às próximas gerações.
A prevenção e a precaução, princípios ínsitos do Direito Ambiental, referem-se, res-
pectivamente, às possibilidades de (1) autorizar uma determinada atividade, mediante o
cumprimento das condicionantes – medidas mitigadoras e compensatórias definidas pelo
órgão ambiental –, que possam assegurar que ela não causará danos ambientais e (2) negar
a implantação de uma atividade, quando não houver certeza de que ela não causará danos
futuros ao meio ambiente. Esses princípios aplicam-se aos casos de pedido de supressão
de vegetação na Mata Atlântica, que somente devem ser autorizados mediante a sua estrita
observância.
O princípio do usuário-pagador é mencionado na lei, sem, contudo, explicitar-se
qual ou quais bens ambientais terão o uso passível de ser cobrado. Para que se possa cobrar
22. A função social da propriedade rural está detalhada no art. 186 da CF/88 e a da propriedade urbana deve ser definida
no Plano Diretor, conforme determina o art. 182, § 2º, da CF/88.
23. Lei nº 11.428/06, art. 6º, parágrafo único.
24. O interesse público corresponde à expressão patrimônio nacional, inscrita no art. 225, § 4º, da CF/88.
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pelo uso de um bem ambiental, não basta a menção ao princípio do usuário-pagador. É
necessário que se edite uma lei definindo as condições básicas dessa cobrança, as hipóteses
em que isso se aplica, as sanções e todas as demais condições que confiram a base legal
desse instrumento.
A gestão democr ática é outro princípio mencionado. Todavia, a Lei nº 11.428/06
não prevê nenhum mecanismo de participação social sistemática na gestão desse espaço
e nas decisões sobre a supressão de vegetação da Mata Atlântica, o que leva a crer que tal
participação não terá rebatimento expressivo na aplicação da norma. Pode-se apontar,
porém, como exceção, a participação pública assegurada nos conselhos de meio ambiente,
órgãos competentes para manifestar-se sobre os Estudos Prévios de Impacto Ambiental,
exigidos nos processos de supressão de vegetação com vistas a atividades efetiva ou poten-
cialmente causadoras de significativa degradação ambiental. Os conselhos das unidades
de conservação localizados na Mata Atlântica também constituem exceção.
A celeridade procedimental refere-se aos processos administrativos de licenciamen-
to ambiental e supressão de vegetação, que se regem, além das normas ambientais, pelas
leis relativas aos processos administrativos, sendo que a norma federal aplicável a essa
Ao tratar da gratuidade dos serviços administrativos prestados ao pequeno produtor
rural e às populações tradicionais, a lei não detalha a forma de identificação dessas pes-
soas, sobretudo no que diz respeito às últimas. Afinal, como um membro de população
tradicional deve identificar-se para obter os benefícios previstos na lei? É preciso criar
mecanismos atinentes a essa identificação, que garantam aos membros desses grupos o
acesso aos benefícios legalmente concedidos.
Antonio Roberto Sanches Jr. aponta a existência de um Cadastro Geral de Ocupantes
do Mosaico de Unidades de Conservação Jureia-Itatins,25 que descreve as localidades, o
número de famílias, o total de indivíduos e situação fundiária.26
34.2.4 Populações tradicionais, pequeno produtor rural e posseiros
Nota-se, na Lei nº 11.428/06, uma preocupação com a vertente social do meio am-
biente, tendo-se estabelecido o conceito de população tradicional como a “população vi-
vendo em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais
para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental”. 27
Registra-se um avanço na legislação ambiental, lembrando que o conceito fixado na Lei do
SNUC para essa expressão foi vetado.28
Cabe ainda salientar que o Decreto nº 6.040/07, que instituiu a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, fixou a seguinte de-
25. A Lei nº 12.406, de 12-12-2006, que criou o Mosaico Jureia-Itatins foi julgada inconstitucional em 10 de junho de
2007, data do acórdão que julgou procedente a ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 153.336 por proble-
mas formais em seu encaminhamento. O Mosaico foi reestabelecido pela Lei nº 14.982/2013.
26. SANCHES JR., Antonio Roberto. A tutela jurídica do mosaico de unidades de conservação de Jureia-Itatins. Dissertação
de Mestrado apresentada à Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), 2008, p. 35-41.
28. Lei nº 9.985/00, art. 2º, XV: dispositivo objeto de veto: população tradicional: grupos humanos culturalmente dife-
renciados, vivendo há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu
modo de vida, em estreita dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais de
forma sustentável.
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34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
finição para povos e comunidades tradicionais: “grupos culturalmente diferenciados e que
se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam
e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição”.29
O Decreto nº 6.660, de 21-11-2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica, esta-
belece as condições para o corte e a supressão de vegetação secundária em estágio médio
de regeneração para o exercício de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais
imprescindíveis à subsistência de pequeno produtor rural e populações tradicionais e de
suas famílias.30
Outro conceito fixado pela lei é o do pequeno produtor rural, definido como “aque-
le que, residindo na zona rural, detenha a posse de gleba rural não superior a 50 hectares,
explorando-a mediante o trabalho pessoal e de sua família, admitida a ajuda eventual de
terceiros, bem como as posses coletivas de terra considerando-se a fração individual não
superior a 50 hectares, cuja renda bruta seja proveniente de atividades ou usos agrícolas,
pecuários ou silviculturais ou do extrativismo rural em 80% no mínimo”.31 A área da gleba
ora mencionada – 50 ha – é a mesma definida no art. 191 da Constituição Federal, que
dispõe sobre o usucapião.
34.2.5 Regime jurídico de corte, supressão e exploração
Embora toda a principiologia da Lei nº 11.428/06 esteja substancialmente voltada à
proteção do Bioma Mata Atlântica, incluída aí a salvaguarda da biodiversidade, da saúde
humana, dos valores paisagísticos, estéticos e turísticos, do regime hídrico e da estabilida-
de social, a norma não impede a supressão da vegetação, desde que nas hipóteses e formas
autorizadas.
Como já foi dito, a Lei da Mata Atlântica estabelece uma série de regras para o corte,
a supressão e a exploração da vegetação primária e da secundária, esta última nos estágios
avançado, médio e inicial de regeneração. Uma vedação a destacar refere-se ao corte e à
supressão da vegetação primária e da secundária, nos estágios avançado e médio de rege-
neração, nas seguintes hipóteses:
1. quando a vegetação:32
a) abrigar espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção, em território nacional ou em
âmbito estadual, assim declaradas pela União ou pelos Estados, e a intervenção ou o parcelamento
puserem em risco a sobrevivência dessas espécies;
b) exercer a função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão;
c) formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou secundária em estágio avançado
de regeneração;
d) proteger o entorno das Unidades de Conservação; ou
e) possuir excepcional valor paisagístico, reconhecido pelos órgãos executivos competentes do Siste-
ma Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA);
29. Decreto nº 6.040/07, art. 3º I.
30. Decreto nº 6.660/08, art. 30.
32. Lei nº 11.428/06, art. 11, I.
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2. quando o proprietário ou posseiro não cumprir os dispositivos da legislação ambiental, em especial
as exigências do Código Florestal33 no que respeita às Áreas de Preservação Permanente (APP) e à
Reserva Legal.34
Em ambos os casos, a proteção parece ser menor do que deveria. As hipóteses des-
critas no item 1 constituem situações de risco ou de perigo a que se expõem os bens am-
bientais, seja uma espécie ameaçada de extinção, seja o entorno de uma unidade de con-
servação. Trata-se apenas de graus diferentes de perigo, que está sempre presente nessas
situações.
O fato de haver risco independe do grau de regeneração da vegetação, daí o entendi-
mento de que a regra deveria valer, também, para as áreas com vegetação em estágio inicial
de regeneração. Aliás, considerando os níveis de destruição da Mata Atlântica, a vegetação
secundária em estágio inicial de regeneração não é menos importante que as demais.
É louvável a regra do parágrafo único do art. 11, relativa à atuação do Poder Público,
na adoção das medidas necessárias para proteger as espécies ameaçadas de extinção, assim
como no fomento e apoio às ações dos proprietários de áreas que estejam mantendo ou
sustentando a sobrevivência dessas espécies. Faltou mencionar os posseiros, ou, em uma
expressão mais adequada, possuidores,35 que podem ter idêntica situação à dos proprietá-
rios em relação à proteção ambiental.
No que se refere ao item 2, que proíbe o corte e a supressão da vegetação quando
houver inobservância das regras aplicáveis às Áreas de Preservação Permanente (APP),
indaga-se se o proprietário que ignora as regras da Lei nº 12.651/12 estará preocupado em
preservar sua cobertura vegetal. A regra está correta, mas fica clara a necessidade de uma
fiscalização eficaz.
Além disso, em relação a esse tema, embora a lei cite expressamente a Lei nº 4.771/65,
revogada pela Lei nº 12.651/12,36 menciona a legislação ambiental como um todo. Nessa
linha, pode-se entender que o controle poderia ser feito por meio do Cadastro Ambiental
Rural (CAR). A seguir, será indicado o regime jurídico aplicável a corte e supressão da
vegetação primária e secundária, esta última nos três estágios de regeneração: avançado,
médio e inicial.
34.2.5.1 Vegetação primária
A vegetação primária, como já se disse, é objeto de maior proteção pela Lei da Mata
Atlântica. Sua eliminação somente será autorizada em caráter excepcional, quando neces-
sária à realização de obras, projetos ou atividades de utilidade pública, pesquisas científi-
cas e práticas preservacionistas.37
Para o corte e a supressão de cobertura vegetal exige-se a realização do Estudo Pré-
vio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Entende-se que,
33. Embora a Lei nº 11.428/06 mencione a Lei nº 4.771/65, revogada pela Lei nº 12.651/12, deve-se considerar que o
sistema de proteção das APP e da Reserva Legal permanece em vigor, porém nos termos da nova Lei Florestal.
34. Lei nº 11.428/06, art. 11, II.
35. O termo correto seria possuidores, ou seja, aqueles que se encontram na posse de um imóvel, sem deter o domínio da
coisa.
36. Embora a Lei nº 4.771/65 tenha sido revogada pela Lei nº 12.651/12, deve-se considerar que o sistema de proteção
das APP permanece em vigor, porém nos termos da nova Lei Florestal.
37. Lei nº 11.428/06, art. 20.
519
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
pela regra estabelecida, qualquer supressão dessa categoria de vegetação implica, poten-
cialmente, uma significativa degradação do meio ambiente. Ou seja, o EIA/RIMA será
sempre exigível, além das condições previstas no art. 14, dispositivo expressamente citado
no parágrafo único do art. 20.
Os casos de interesse social não podem ensejar a eliminação da vegetação primária.
Essa regra confere maior segurança jurídica à proteção do Bioma, pois as hipóteses de
utilidade pública que estão aptas a iniciar um processo de autorização para a supressão da
cobertura vegetal estão expressamente definidas no art. 20 da lei. E os casos de interesse
social dependem, ainda, de regulamentação do CONAMA.
Na proposta de declaração de utilidade pública para obras essenciais de infraestru-
tura de interesse nacional, destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e
energia, declaradas pelo Poder Público federal ou dos Estados, caberá ao proponente indi-
car de forma detalhada a alta relevância e o interesse nacional.
Cabe lembrar que são vedados o corte e a supressão da vegetação nas hipóteses rela-
cionadas no art. 11, relativas à exposição de bens ambientais a risco, inclusive de extinção
das espécies e descumprimento do Código Florestal, no que se reporta às áreas de Preser-
vação Permanente e à Reserva Legal.
É vedada, ainda, a supressão de vegetação primária do Bioma Mata Atlântica para
fins de loteamento ou edificação, nas regiões metropolitanas e áreas urbanas consideradas
como tal em lei específica.38
34.2.5.2 Vegetação secundária em estágio avançado de regeneração
Para a vegetação secundária em estágio avançado de regeneração, o corte, a supres-
são e a exploração do Bioma Mata Atlântica somente serão autorizados em caráter ex-
cepcional, quando necessários à execução de obras, atividades ou projetos de utilidade
pública, pesquisa científica e práticas preservacionistas.39
A lei menciona expressamente a aplicabilidade do art. 14, que impõe as condições
para a respectiva autorização, para os casos de corte e supressão e a obrigatoriedade da
realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental.
Nos perímetros urbanos aprovados após a data de início de vigência da Lei nº
11.428/06, seja em áreas urbanas, seja em regiões metropolitanas, é vedada a supressão de
vegetação secundária em estágio avançado de regeneração do Bioma Mata Atlântica para
fins de loteamento ou edificação.40
Já nos perímetros urbanos aprovados anteriormente à data de início de vigência da
Lei, a supressão dependerá de prévia autorização do órgão estadual competente e somente
será admitida, para fins de loteamento ou edificação, no caso de empreendimentos que
garantam a preservação de vegetação nativa em estágio avançado de regeneração em no
mínimo 50% da área total coberta por esta vegetação, atendidos o disposto no Plano Dire-
tor do Município e demais normas urbanísticas e ambientais aplicáveis.41
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
520
Nesse caso, aplicam-se também:
a compensação ambiental, prevista no art. 17;
as vedações do art. 11, relativas às situações de risco já mencionadas; e
a regra do art. 12, aplicável ao corte ou supressão de qualquer categoria de vegetação do Bioma Mata
Atlântica.
Os novos empreendimentos deverão ser implantados preferencialmente em áreas já
substancialmente alteradas ou degradadas.
Permite-se também o corte eventual para fins de práticas preservacionistas e de pes-
quisa científica, conforme regulamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e auto-
rização do órgão competente do SISNAMA.42
A supressão de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração para fins
de atividades minerárias somente será admitida mediante:
licenciamento ambiental, condicionado à apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Rela-
tório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), pelo empreendedor, e desde que demonstrada a inexistência
de alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto;
adoção de medida compensatória que inclua a recuperação de área equivalente à área do empreendi-
mento, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica e sempre que possível
na mesma microbacia hidrográfica, independentemente do pagamento da compensação ambiental
prevista no art. 36 da Lei do SNUC.43
A bem da verdade, a redação do art. 32 é desnecessária, pois as exigências ali esta-
belecidas já constam de outros diplomas legais e da própria lei da Mata Atlântica, como
é o caso da obrigação de demonstrar a inexistência de alternativa técnica e locacional
ao empreendimento proposto e a adoção de medida compensatória que inclua a recu-
peração de área equivalente à área do empreendimento, com as mesmas características
ecológicas, na mesma bacia hidrográfica e, sempre que possível, na mesma microbacia
hidrográfica.
O licenciamento ambiental é instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente;
o EIA/RIMA é não só instrumento da política ambiental, como também é previsto na
Constituição Federal. E a compensação ambiental prevista na Lei do SNUC é exigível nos
casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambien-
tal, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de
impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA –, independentemente da localiza-
ção do empreendimento – se em área de Mata Atlântica ou não.
Estranho notar que, já que se pretendeu relacionar as obrigações de cunho ambiental
inerentes à mineração, faltou o instrumento específico dessa atividade, que é o Plano de
Recuperação de Área Degradada (PRAD).44
43. Lei nº 11.428/06, art. 32.
44. O Decreto federal nº 97.632/89, que regulamentou o art. 2º, VIII, da Lei nº 6.938/81 (recuperação de áreas degrada-
das), exige, em seu art. 1º, que os empreendimentos que se destinam à exploração de recursos minerais deverão,
quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), subme-
ter à aprovação do órgão ambiental competente o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD).
521
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
34.2.5.3 Vegetação secundária em estágio médio de regeneração
As autorizações para corte, supressão e exploração da vegetação secundária em es-
tágio médio de regeneração somente serão obtidas:
em caráter excepcional, quando necessárias à execução de obras, atividades ou projetos de utilidade
pública ou de interesse social, pesquisa científica e práticas preservacionistas;
quando necessárias ao pequeno produtor rural e populações tradicionais para o exercício de ati-
vidades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais imprescindíveis à sua subsistência e de sua
família, ressalvadas as áreas de preservação permanente e, quando for o caso, após averbação da
reserva legal.45
Nas regiões metropolitanas e áreas urbanas, a Lei nº 11.428/06 determina que o par-
celamento do solo para fins de loteamento ou qualquer edificação em área de vegetação
secundária, em estágio médio de regeneração, deve obedecer ao disposto no Plano Diretor
do Município e a demais normas aplicáveis, e dependerá de prévia autorização do órgão
estadual competente.
Aplicam-se ainda a essa hipótese as regras dos arts. 11, 12 e 17, já mencionadas no
item anterior, relativo à vegetação secundária em estágio avançado de regeneração.
A lei estabelece tratamentos jurídicos distintos em perímetros urbanos aprovados
antes e depois da data de início de sua vigência. Antes da vigência da lei, para fins de lo-
teamento ou edificação, os empreendimentos devem garantir a preservação de vegetação
nativa em no mínimo 30% da área total coberta por essa vegetação.
Já nos perímetros urbanos delimitados após o início de vigência da Lei, a supressão
fica condicionada à manutenção de vegetação em estágio médio de regeneração em no
mínimo 50% da área total coberta por esta vegetação.
Assim como já mencionado e comentado no item anterior, a lei permite a atividade
minerária nas áreas cobertas pela vegetação secundária em estágio médio de regeneração,
nas mesmas condições em que se permite a mineração em qualquer área não tutelada pela
proteção especial, sem qualquer restrição adicional.
34.2.5.4 Vegetação secundária em estágio inicial de regeneração
No que se refere à vegetação secundária em estágio inicial de regeneração, o corte, a su-
pressão e a exploração serão autorizados pelo órgão estadual competente, sem que a lei tenha
fixado condições específicas. Cabe acentuar que prevalecem as disposições do art. 14, relativas
ao processo administrativo de autorização da supressão de cobertura vegetal, ainda que não
expressamente citado, e a realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na hipótese de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.46
Será admitida a prática agrícola do pousio47 nos Estados da Federação onde tal proce-
dimento é utilizado tradicionalmente, de acordo com o regulamento instituído no Decreto
nº 6.660/08. A compensação ambiental não se aplica aos casos previstos no inciso III do
art. 23 da Lei nº 11.428/06 ou de corte ou supressão ilegais.
47. Nos termos da Lei nº 11.428/06, art. 3º, III, pousio constitui a prática que prevê a interrupção de atividades ou usos
agrícolas, pecuários ou silviculturais do solo por até dez anos para possibilitar a recuperação de sua fertilidade.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
522
34.2.6 Utilidade pública e interesse social
Assim como a Lei nº 12.651/12 procedeu em relação às Áreas de Preservação Per-
manente, a Lei da Mata Atlântica introduz a possibilidade de autorizar, para as categorias
de vegetação definidas na lei, a sua supressão nos casos de utilidade pública e interesse
social,48 assim conceituados:
utilidade pública:49
a) atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infraestrutura de interesse nacional destinadas aos serviços públicos de trans-
porte, saneamento e energia, declaradas pelo Poder Público federal ou dos Estados.
interesse social:50
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção,
combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com
espécies nativas, conforme resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA);
b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse
rural familiar que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da
área;
c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do Conselho Nacional do Meio
Ambiente.
A lista de empreendimentos não é taxativa para os casos de interesse social, pois a
norma admite que o Conselho Nacional do Meio Ambiente defina as demais obras, planos,
atividades ou projetos e as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação
nativa, da mesma forma que ocorre com a Lei nº 12.651/1251. Nesse caso, uma resolução
específica deverá estabelecer os casos de interesse social mencionados na lei.
34.2.7 A regra do art. 14
O art. 14 da Lei da Mata Atlântica estabelece as condições a serem observadas em
qualquer caso de supressão de vegetação. A primeira delas consiste na comprovação de
inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, situação
a ser devidamente caracterizada e motivada no processo de licenciamento ambiental.52
Também devem ser caracterizados e comprovados a utilidade pública e/ou o interesse
social,53 quando aplicável.
Importa mencionar que, além dos critérios da utilidade pública e interesse social,
há outras regras específicas para o corte e a supressão de cada categoria de vegetação –
primária ou secundária –, assim como para os três estágios de regeneração desta última
– avançado, médio e inicial.
48. A atividade de baixo impacto ambiental, prevista na Lei nº 12.651/12, art. 3º, X, não foi contemplada na Lei da Mata
Atlântica, para fins de supressão de vegetação em APP.
51. Art. 3º - Para os efeitos desta Lei, entende-se por: IX - interesse social: g) outras atividades similares devidamente ca-
racterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional
à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal”.
52. Decreto nº 6.660/08, art. 48.
53. A supressão de vegetação por motivo de interesse social é vedada para a vegetação primária e para a secundária em
estágio avançado de regeneração.
523
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
A supressão de cobertura vegetal dependerá de autorização do órgão ambiental esta-
dual competente, em procedimento administrativo próprio. É prevista a anuência prévia,
quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente. A Lei da Mata Atlântica
avançou em relação à Medida Provisória nº 2.166-67/01,54 no que se refere à supressão de
vegetação em APP, na medida em que exige expressamente a elaboração de Estudo Prévio
de Impacto Ambiental (EPIA) na hipótese de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, documento ao qual se dará publicidade,
assegurada a participação pública.55 A Lei da Mata Atlântica, dessa forma, segue com mais
fidelidade a CF/88 e a Lei nº 6.938/81, que exigem o EPIA para atividade efetiva ou poten-
cialmente causadora de significativo impacto sobre o meio ambiente.
34.2.8 Áreas urbanas
A supressão de vegetação em área urbana dependerá de autorização do órgão am-
biental municipal competente, desde que o Município possua conselho de meio ambiente,
com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental
estadual, fundamentada em parecer técnico.
34.2.9 Compensação ambiental
A lei estabelece ainda o instrumento da compensação ambiental para a supressão de
vegetação primária ou secundária, em estágios médio ou avançado de regeneração. Essa
compensação deve ser feita mediante a destinação de uma área equivalente à extensão da
área desmatada, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica,
sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica.56 Em áreas urbanas, a compen-
sação deve ocorrer no mesmo Município ou em uma região metropolitana, quer dizer, no
mesmo Estado. Há, portanto, que considerar: (1) a possibilidade de recuperação de área de
Mata Atlântica degradada ou (2) a transformação de área não incluída na Lei nº 11.428/06
em área de Mata Atlântica.
Segundo o Decreto nº 6.660/08, a área destinada a título de compensação ambiental
poderá constituir Reserva Particular do Patrimônio Natural, prevista na Lei do SNUC ou
servidão florestal em caráter permanente, conforme previsto no Código F lorestal.57
Verificada pelo órgão ambiental a impossibilidade da compensação ambiental, será
exigida a reposição florestal, com espécies nativas, em área equivalente à desmatada, na
mesma bacia hidrográfica, e, sempre que possível, na mesma microbacia hidrográfica.58
As microbacias são unidades geográficas naturais onde os fatores ambientais, econômicos
e sociais encontram-se em condições homogêneas e, por isso, mais apropriadas para o
estabelecimento de planos de uso e manejo, monitoramento e avaliação das interferências
54. Revogada pela Lei nº 12.651/12.
57. Decreto nº 6.660/08, art. 27. Apesar de o Decreto mencionar a Lei nº 4.771/65, revogada pela Lei nº 12.651/12, o re-
gime de servidão florestal ainda permanece vigente, sob a denominação servidão ambiental, em decorrência do art.
78, da Lei nº 12.651/12, que altera o art. 9º-A da Lei nº 6.938/81 estabelecendo, em seu § 7º, que as áreas que tenham
sido instituídas na forma de servidão florestal, nos termos do art. 44-A da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, pas-
sam a ser consideradas, pelo efeito desta Lei, como de servidão ambiental.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
524
humanas no meio ambiente. Representam “unidades sistêmicas que permitem a identifica-
ção e o conhecimento das inter-relações dos fluxos de energia e dos demais fatores envolvidos
no processo produtivo, com vistas a compatibilizar as atividades humanas com a preservação
ambiental”. 59
O pequeno produtor rural e as populações tradicionais ficam dispensados da com-
pensação ambiental para o exercício de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silvi-
culturais imprescindíveis à sua subsistência e de sua família. Todavia, permanecem obri-
gatórias as regras vigentes para as Áreas de Preservação Permanente e, quando for o caso,
para o registro da Reserva Legal, no órgão ambiental competente, por meio de inscrição
no Cadastro Ambiental Rural (CAR),60 nos termos da Lei nº 12.651/12, ou ainda a cele-
bração de um Termo de Compromisso, firmado pelo possuidor, com o órgão competente
do SISNAMA.61, 62
A compensação ambiental tampouco se aplica aos casos de corte ou supressão ile-
gais,63 que se encontram sob a responsabilização civil, administrativa e penal, conforme
disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais que
regem a matéria. Não é, portanto, instrumento de reparação de dano ambiental.
34.2.10 Coleta de subprodutos florestais
No Bioma Mata Atlântica, é livre a coleta de subprodutos florestais como frutos, fo-
lhas ou sementes, bem como as atividades de uso indireto, desde que não coloquem em
risco as espécies da fauna e flora. A lei determina que devem ainda ser observadas as
limitações legais específicas e em particular as relativas ao acesso ao patrimônio genético,
à proteção e ao acesso ao conhecimento tradicional associado e à biossegurança,64 temas
tratados pela Lei nº 11.105, de 24-3-2005.65 O Decreto nº 6.660/08 instituiu a regulamen-
tação da coleta em seu art. 2º.
34.2.11 Pesquisa científica e práticas preservacionistas
O corte eventual de vegetação primária ou secundária nos estágios médio e avançado
de regeneração do bioma, para fins de práticas preservacionistas e de pesquisa científica, é
admitido, devendo essa matéria ser regulamentada pelo Conselho Nacional do Meio Am-
biente. Essa atividade fica submetida à autorização do órgão competente do SISNAMA.66
34.2.12 Áreas urbanas e regiões metropolitanas
Entre as condições de proteção e uso da Mata Atlântica, voltadas a assegurar o equi-
líbrio do meio ambiente, cumpre destacar o disciplinamento da ocupação rural e urbana,
59. ROCHA, J. S. M. da. Manual de Manejo Integrado de Bacias Hidrográficas. Santa Maria: UFSM, 1997.
65. Essa norma estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos
geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), reestrutura
a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança (PNB).
Ver capítulo sobre Biodiversidade.
525
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
de forma a harmonizar o crescimento econômico com a manutenção do equilíbrio ecoló-
gico.67
Nas áreas urbanas e regiões metropolitanas localizadas na Mata Atlântica, é proibida
a supressão de vegetação primária para fins de loteamento ou edificação. A definição e
localização das áreas urbanas é feita por meio dos Planos Diretores e leis de zoneamento, e
a das regiões metropolitanas, por leis estaduais. Dessa forma, depende de cada Município,
na elaboração de seu Plano Diretor, estabelecer os limites de suas áreas urbanas, e o conse-
quente congelamento das mesmas para a expansão urbana nas áreas de Mata Atlântica. De
qualquer modo, os termos da Lei nº 11.428/06 sobrepõem-se aos Planos Diretores e outras
normas urbanísticas em sentido contrário.
Segundo a Lei nº 11.428/06, os projetos que envolvam conservação de remanescen-
tes de vegetação nativa, pesquisa científica ou áreas a serem restauradas, implementados
em Municípios que possuam plano municipal de conservação e recuperação da Mata
Atlântica, devidamente aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, serão be-
neficiados com recursos do Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica.68
A supressão de vegetação no estágio médio de regeneração situada em área urbana
dependerá de autorização do órgão ambiental municipal competente, desde que o Municí-
pio possua conselho de meio ambiente, com caráter deliberativo e Plano Diretor, median-
te anuência prévia do órgão ambiental estadual competente, fundamentada em parecer
técnico.69 Evidentemente, a decisão do órgão ambiental municipal deve coadunar-se com
as normas de uso e ocupação do solo e do Plano Diretor, quando existente, sob pena de
nulidade do ato. Inexistindo estrutura administrativa municipal para tratar das questões
ambientais, cabe ao órgão ou entidade estadual proceder à autorização.
34.2.13 Localização de novos empreendimentos
O art. 12 da Lei determina que os novos empreendimentos que impliquem o corte
ou a supressão de vegetação do Bioma Mata Atlântica deverão ser implantados preferen-
cialmente em áreas já substancialmente alteradas ou degradadas. Essa regra, cujo objetivo
seria a preservação das áreas providas de cobertura vegetal, não atingirá os propósitos
protecionistas, se mantida a redação ora em vigor.
Os termos preferencialmente e substancialmente são conceitos jurídicos indetermina-
dos, na medida em que necessitam de uma explicação, de um esclarecimento adicional.
O que significa, objetivamente, a palavra preferencialmente? Qual o limite da preferência?
Quando um empreendimento não deve obter a licença ambiental por não estar localizado
em área substancialmente alterada ou degradada?
A norma jurídica há que ser precisa. No mínimo, deveriam ter sido fixados os crité-
rios de aferição daquilo que é preferencial70 e substancial,71 para instruir o administrador
público no exercício do poder discricionário. Na forma como está, qualquer justificativa,
para aprovar ou proibir um novo empreendimento pode ser, em princípio, utilizada. Isso
70. Que têm precedência, primazia.
71. Impor tante, considerável.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
526
gera insegurança jurídica e não protege nem o meio ambiente nem os interesses empresa-
riais, não garantindo, dessa forma, o desenvolvimento sustentável. Cabe, pois, explicitar
esses conceitos em regulamento, para que a regra possa ter a efetividade necessária. O
Decreto nº 6.660/08 não trouxe essa complementação.
34.2.14 Incentivos econômicos
As regras vigentes para o corte e a supressão da vegetação da Mata Atlântica, abran-
gidas pela Lei nº 11.428/06, são bastante detalhadas. Todavia, não há clareza quanto aos
mecanismos econômicos que garantirão a proteção e o uso sustentável da Mata Atlân-
tica.
O art. 33 apenas prevê que o Poder Público estimulará, com incentivos econômicos,
a proteção e o uso sustentável do Bioma Mata Atlântica. E menciona que tais instrumentos
não desoneram os proprietários e posseiros das normas estabelecidas na legislação am-
biental, como se essa menção fosse necessária.
A lei prevê que, na regulamentação dos incentivos econômicos ambientais, serão ob-
servadas as seguintes características da área beneficiada:
a importância e representatividade ambientais do ecossistema e da gleba;
a existência de espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção;
a relevância dos recursos hídricos;
o valor paisagístico, estético e turístico;
o respeito às obrigações impostas pela legislação ambiental;
a capacidade de uso real e sua produtividade atual.72
Além disso, os incentivos não excluem ou restringem outros benefícios, abatimentos
e deduções em vigor, em especial as doações a entidades de utilidade pública efetuadas por
pessoas físicas ou jurídicas.
O proprietário ou posseiro que tenha vegetação primária ou secundária em estágios
avançado e médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica receberá das instituições fi-
nanceiras benefícios creditícios, entre os quais prioridade na concessão de crédito agrí-
cola, para os pequenos produtores rurais e populações tradicionais. Será necessário, na
regulamentação da lei, explicitar o modo de identificar, formalmente, os representantes
desses grupos.
Os critérios, condições e mecanismos de controle dos benefícios serão definidos,
anualmente, sob pena de responsabilidade, pelo órgão competente do Poder Executivo,
após anuência do órgão competente do Ministério da Fazenda.73
Trata-se de mais um mecanismo econômico não explicitado na norma, ficando a
cargo do Poder Executivo a definição de critérios, condições e mecanismos de controle
dos benefícios, o que reforça a ideia de que não houve a preocupação do legislador na
formulação de mecanismos concretos, que possam efetivamente propiciar, no mínimo, a
manutenção dos percentuais de Mata Atlântica existentes.
73. Lei nº 11.428/06, art. 41, parágrafo único.
527
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
O dispositivo que trata dos incentivos creditícios tampouco é completo, dispondo
apenas que o proprietário ou posseiro que tenha vegetação primária ou secundária em
estágios avançado e médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica receberá das insti-
tuições financeiras o benefício creditício da prioridade na concessão de crédito agrícola,
para os pequenos produtores rurais e populações tradicionais. Mais uma vez, tem-se um
conceito jurídico indeterminado. O termo prioridade não fornece indicações seguras para
que se aplique o dispositivo legal.
34.2.15 Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica
O Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica destina-se ao financiamento de
projetos de restauração ambiental e de pesquisa científica. São recursos do Fundo:74
dotações orçamentárias da União;
recursos resultantes de doações, contribuições em dinheiro, valores, bens móveis e imóveis, que ve-
nham a receber de pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou internacionais;
rendimentos de qualquer natureza, que venham a auferir como remuneração decorrente de aplica-
ções do seu patrimônio;
outros, destinados em lei.
Serão beneficiados com recursos do Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica
os projetos que envolvam conservação de remanescentes de vegetação nativa, pesquisa
científica ou áreas a serem restauradas, implementados em Municípios que possuam pla-
no municipal de conservação e recuperação da Mata Atlântica, devidamente aprovado
pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente.75
Tem-se então, pela norma mencionada, que recursos federais serão aplicados de
acordo com decisão dos conselhos municipais de meio ambiente de Municípios que pos-
suam plano municipal de conservação e recuperação da Mata Atlântica, que foi objeto
de regulamentação pelo Decreto nº 6.660/08. Entretanto, não explicita como se dariam
as decisões do conselho municipal, o que leva a crer que se trata de um fundo com sério
risco de não sair do papel se não for regulamentado, o que reforça a ideia de que a Lei da
Mata Atlântica não busca a proteção do Bioma, mas apenas define, processualmente, as
condições de corte e supressão da vegetação.
A lei confere prioridade ao apoio a projetos destinados à conservação e recuperação
das Áreas de Preservação Permanente (APP), Reservas Legais, Reservas Particulares do Pa-
trimônio Natural e áreas do entorno de Unidades de Conservação. O termo prioridade, mais
uma vez utilizado, é conceito jurídico indeterminado, cabendo um esclarecimento adicional.
Os projetos poderão beneficiar áreas públicas e privadas e serão executados por ór-
gãos públicos, instituições acadêmicas públicas e organizações da sociedade civil de in-
teresse público que atuem na conservação, restauração ou pesquisa científica no Bioma
Mata Atlântica. Há que definir a forma de comprovar essa atuação: basta que conste do
estatuto social da entidade ou deve ser apresentado um atestado de realização de atividade
nessa área? Caberá ao regulamento definir a sistemática a ser adotada, considerando a
necessidade de as regras serem objetivas. O Decreto nº 6.660/08 não tratou da matéria.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
528
Como se vê, há muito o que detalhar na questão dos incentivos econômicos, para que
sua aplicação venha a ser, de fato, um diferencial da Lei nº 11.428/06.
34.2.16 Aspectos tributários
A Lei da Mata Atlântica alterou o art. 10 da Lei nº 9.393/96,76 que dispõe sobre o
Imposto Territorial Rural (ITR), isentando da tributação as áreas: (1) sob regime de servi-
dão ambiental77 e (2) cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio
médio ou avançado de regeneração.
Além disso, o mesmo art. 10, ao determinar a área tributável78 como a que for passível
de exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou florestal, exclui as áreas:
de preservação permanente e de reserva legal;
de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão
competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior;
comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou
florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;
sob regime de servidão ou ambiental; e
cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio médio ou avançado de regenera-
ção.
alagadas para fins de constituição de reservatório de usinas hidrelétricas autorizada pelo poder pú-
blico.
34.2.17 Infrações
Embora a Lei nº 11.428/06 não seja nada clara quanto aos mecanismos econômicos,
que ficaram para regulamentação, as penalidades para as infrações dos dispositivos que
regem os benefícios econômicos ambientais foram instituídas, sem prejuízo das sanções
penais e administrativas cabíveis.
A sanção consiste na multa civil de três vezes o valor atualizado recebido, ou do
imposto devido em relação a cada exercício financeiro, além das penalidades e demais
acréscimos previstos na legislação fiscal.79
A pessoa física ou jurídica doadora ou propositora de projeto ou proposta de benefí-
cio é considerada responsável solidária pela inadimplência ou irregularidade. A existência
de pendências ou irregularidades na execução de projetos de proponentes no órgão com-
petente do SISNAMA suspenderá a análise ou concessão de novos incentivos, até a efetiva
regularização.
34.2.18 Aspectos criminais
A Lei da Mata Atlântica, em seu art. 42, dispõe que a ação ou omissão das pessoas
físicas ou jurídicas que importem inobservância aos preceitos da Lei da Mata Atlântica
e a seus regulamentos ou resultem em dano à flora, à fauna e aos demais atributos natu-
76. O ar t. 10 da Lei nº 9.393/96 também foi alterado pela Lei nº 12.651/12, com redação dada pela Lei nº 12.844/13.
77. Alterado pela Lei nº 12.651/12, que suprimiu a expressão servidão florestal.
78. A IN SRF nº 256 confere a essas áreas a denominação de aproveitáveis.
529
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
rais sujeitam os infratores às sanções previstas em lei, em especial as dispostas na Lei nº
9.605/98 e seus decretos regulamentadores. O dispositivo não criou nenhum tipo penal.
Apenas, pedagogicamente, lembra que atos lesivos ao meio ambiente, ocorridos na área de
abrangência da lei, remetem à responsabilidade criminal, conforme os tipos previstos na
Lei de Crimes Ambientais.
Já o art. 43 da Lei nº 11.428/06 incluiu, efetivamente, na Lei nº 9.605/98, um crime
ambiental no art. 38-A, com a seguinte redação:
Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de
regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
O art. 38-A praticamente inseriu a Mata Atlântica no regime jurídico penal que já
tutelava as florestas de preservação permanente. O elemento subjetivo consiste no dolo,
ou seja, a intenção de eliminar a vegetação ou causar dano. Releva notar que a vegetação
secundária em estágio inicial de regeneração não é incluída no tipo. A forma culposa é
prevista, reduzindo a pena à metade.
34.3 ZONA COSTEIRA
Como a Mata Atlântica, a Zona Costeira integra o patrimônio nacional, definido no
§ 4º do art. 225 da CF/88. Segundo Paulo Affonso Leme Machado, “a regra geral constitu-
cional [de patrimônio nacional] tem sua importância não só por indicar ao administrador
público, aos particulares e ao juiz que o desenvolvimento econômico não deve ser predatório,
como torna claro que a gestão do litoral não interessa somente a seus ocupantes diretos mas
a todo brasileiro, esteja ele onde estiver, pois se trata de ‘patrimônio nacional’”. 80
Não é de estranhar essa regra, já que a história do Brasil, considerados os últimos
500 anos, tem sua origem no litoral desde o Descobrimento, e nele foram desenvolvidas as
atividades econômicas, sociais e políticas que traçaram os contornos da nação brasileira.
A conquista do interior ocorreu posteriormente, como uma aventura cheia de riscos, que
poucos ousaram enfrentar, no início.
34.3.1 Caracterização da Zona Costeira
O espaço litorâneo do Brasil – faixa de aproximadamente 8.500 km – é onde se en-
contram as maiores aglomerações urbanas – 25% da população brasileira, corresponden-
do a um contingente aproximado de 42 milhões de habitantes, em uma área de 324.000
km².81Os variados ecossistemas localizados nesse espaço caracterizam-se pela abundância
80. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 1.120.
81. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação Federal da Zona Costeira do Brasil (PAF-ZC). Disponível em:
. Acesso em: 04 set. 2018. O PAF-ZC (II PAF-
ZC) foi estabelecido em 2005, a revisão do referido instrumento foi aprovada na 45ª sessão do GI-GERCO, em 4-4-
2013. Sua atualização com a efetiva participação dos setores tornou-se prioritária e iniciou-se em maio de 2014 sob
a coordenação do Departamento de Zoneamento Territorial do Ministério do Meio Ambiente e apoio da Secretaria
de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento. Disponível em:
gov.br/gestao-territorial/gerenciamento-costeiro/item/8962-plano-de-ação-federal-para-a-zona-costeira-paf_zc>.
Acesso em: 04 set. 2018. Atualmente foi lançado o IV Plano de Ação Federal para a Zona Costeira (IV PAF-ZC) para
o período de 2017-2019. Disponível em: AF-ZC%202017-2019.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
530
de recursos naturais renováveis, os quais são responsáveis pela sobrevivência de populações
humanas, pela reprodução de diferentes espécies de animais e pela conservação da vegetação
nativa”. 82
Pelo litoral escoam-se as riquezas brasileiras através de estradas e portos. As ativida-
des de extração de petróleo e gás se intensificam na costa brasileira, muitas vezes próximo
ao litoral. Da mesma forma, muitos polos petroquímicos83 e cloroquímicos84 situam-se
próximos do mar, além das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2.
Nessa área, muitas pessoas buscam o lazer, propiciado pelas praias e paisagens notá-
veis. Nos meses de verão, as populações urbanas se multiplicam, gerando uma demanda de
serviços de saneamento – coleta de lixo, água e esgoto – nem sempre atendida, causando
a poluição das praias por coliformes fecais e atraindo vetores de doenças em função do
esgoto não tratado e do lixo não recolhido.
A pressão de condomínios de casas de lazer, ao longo de toda a costa brasileira, é uma
das causas de degradação ambiental. Paralelamente, as invasões de populações de baixa
renda em áreas de preservação ou de risco é outra realidade, que, embora seja consequên-
cia de problemas de cunho social, não deixa de causar danos ao ambiente.85
Na Zona Costeira encontram-se outros biomas e espaços que compõem o patrimô-
nio nacional86 – a Mata Atlântica e a Serra do Mar –, florescem os mangues, localizam-se
importantes complexos estuarinos-lagunares que são fonte de biodiversidade. Essa situa-
ção de antagonismos entre fragilidades ambientais e atividades poluidoras, somada à pres-
são urbana, torna a Zona Costeira um espaço de extrema importância no que se refere à
garantia de um uso sustentável, que proporcione um equilíbrio entre as forças e os valores
ali existentes.
Em termos de delimitação espacial, a zona costeira brasileira corresponde ao espaço
geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou
não, abrangendo uma faixa marítima e uma faixa terrestre, com os seguintes limites:87
faixa marítima: espaço que se estende por 12 milhas náuticas, medidas a partir das linhas de base
estabelecidas de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a partir das quais
se mede a largura do mar territorial88 –, compreendendo, dessa forma, a totalidade do mar territorial;
faixa terrestre: espaço compreendido pelos limites dos Municípios que sofrem influência direta dos
fenômenos ocorrentes na Zona Costeira.
34.3.2 Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC)
A Constituição Federal, ao determinar que a utilização do patrimônio nacional, em
que se inclui a Zona Costeira, seja feita, na forma da lei, dentro de condições que asse-
pdf>. Acesso em: 04 set. 2018.
82. São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente. Zoneamento ecológico econômico do litoral norte. Disponível em: -
quivos.ambiente.sp.gov.br/cpla/2011/05/Zoneamento-Ecologico-Economico_Litoral-Norte.pdf>. Acesso em: 04 set.
2018.
83. Como Cubatão, em São Paulo, e Camaçari, na Bahia.
84. Como o Polo Cloroquímico de Maceió, em Alagoas.
85. Ver capítulo sobre Meio Ambiente Urbano.
86. CF/88, ar t. 225, § 4º.
87. Lei nº 7.661, de 16-5-1988, art. 2º, parágrafo único, e Decreto nº 5.300/04, art. 3º.
88. Decreto nº 5.300/04, art. 2º, VI.
531
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
gurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais,
ensejou a formulação de uma norma que regulamentasse o uso desse extenso e complexo
espaço.
Antes da promulgação do texto constitucional, a estratégia do Governo foi editar
uma lei que tratasse de forma genérica o espaço litorâneo do país, como parte integrante
da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) e da Política Nacional do Meio
Ambiente (PNMA). Nesse nicho regulatório foi instituído o Plano Nacional de Gerencia-
mento Costeiro (PNGC),89 em 1988.
O objetivo específico do PNGC consiste em orientar a utilização racional dos recur-
sos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade da vida de sua popu-
lação e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural. A vocação desse
plano é orientada para a proteção da qualidade de vida, assim como do meio ambiente,
entendido de forma abrangente, na medida em que menciona os recursos ambientais e o
patrimônio cultural e histórico.
Saliente-se que a norma menciona, também, o patrimônio étnico, expressão cujo sig-
nificado deve ser compreendido. Etnia é “comunidade ou grupo de pessoas caracterizadas
por uma homogeneidade sociocultural com língua, religião e modo de agir próprios; grupo
étnico”. 90. Ao incidir a ideia de cultura no significado de etnia, o objeto a ser protegido
consiste no patrimônio cultural dos grupos humanos. Pode-se inferir, da norma, que o que
se pretende proteger são, em verdade, as populações tradicionais e seus conhecimentos an-
cestrais. Sendo que várias dessas populações encontram-se localizadas na Zona Costeira,
parece ser esse o sentido da expressão patrimônio étnico.
Segundo a Lei nº 7.661/88, o principal instrumento de proteção da Zona Costeira é
o zoneamento91 de usos e atividades, dando-se prioridade para conservação e a proteção92
dos bens ambientais, cuja lista fixada na lei é exemplificativa, pois a norma, ao citá-los,
utiliza a expressão entre outros.
Os recursos naturais, renováveis e não renováveis, expressamente citados na nor-
ma, consistem nos recifes, parcéis e bancos de algas, nas ilhas costeiras e oceânicas, nos
sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, nas baías e enseadas, nas praias, nos promontó-
rios, costões e grutas marinhas, nas restingas e nas dunas. Também as florestas litorâneas,
manguezais e pradarias submersas93 fazem parte do conjunto a ser protegido. Note-se que
os bens protegidos estendem da área terrestre à área marinha, considerando a interdepen-
dência existente entre esses dois espaços, no que se refere à biodiversidade e ao desenvol-
vimento dos ecossistemas.
Além dos bens naturais, a lei expressamente menciona, como objetos cuja proteção
deve ser considerada no zoneamento, os “tios ecológicos de relevância cultural e demais
unidades naturais de preservação permanente”. 94 As expressões utilizadas na redação desse
dispositivo não são adotadas pela legislação ambiental brasileira, que se vale das Unidades
de Conservação – objeto basicamente da Lei nº 9.985/00 – e das Áreas de Preservação Per-
89. Lei nº 7.661/88, art. 1º.
90. Michaelis Online. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Melhoramentos, 2018.
91. Ver capítulo sobre Zoneamento.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
532
manente (APP), previstas na Lei nº 12.651/12. Esse fato não retira, contudo, a aplicabilida-
de do dispositivo, já que as normas citadas são bastante específicas ao tratar da proteção
desses espaços.
A lei prevê a criação de unidades de conservação permanente, com vistas a evitar a
degradação ou o uso indevido dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da
Zona Costeira, na forma da legislação em vigor.95 Aqui também a terminologia utilizada
não é a corrente no ordenamento jurídico. Se for cabível criar uma unidade de conserva-
ção, a norma aplicável é a Lei do SNUC.
Devem ser também protegidos os monumentos que integrem o patrimônio natural,
histórico, paleontológico, espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.96
O detalhamento da Lei de Gerenciamento Costeiro e as regras de operacionalização
foram estabelecidos pelo PNGC I, objeto da Resolução nº 1/90 da Comissão Interminis-
terial para os Recursos do Mar (CIRM) de 21-11-1990, ouvido o Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA). Nesse documento predominava uma visão “descentralizado-
ra, de modo que todas as ações eram repassadas aos agentes executivos, principalmente aos
governos estaduais, não restando ao governo federal nenhum campo de atuação específico, a
não ser o estabelecimento de diretrizes muito gerais”. 97
34.3.2.1 Atribuições da administração
A elaboração e a atualização do PNGC são atribuídas ao Grupo de Coordenação,
dirigido pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM),
cuja composição e forma de atuação são objeto de decreto do Poder Executivo.98
A Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), instituída pelo De-
creto nº 74.557, de 12-9-1974, revogado pelo Decreto nº 3.939, de 26-9-2001, que o subs-
tituiu, deve apreciar o PNGC, a ela encaminhado pelo Grupo de Coordenação, com au-
diência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA),99 o que insere o Plano
no âmbito do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), com a participação da
sociedade civil organizada.
A implantação do PNGC deve ser efetuada com a participação da União, dos Esta-
dos, dos Territórios e dos Municípios, por meio de órgãos e entidades integradas ao SIS-
NAMA.100 Salienta-se aqui a necessidade de uma articulação institucional sistematizada,
de longa duração, considerando que o Plano é um processo dinâmico e sofre alterações e
correções ao longo do tempo.
O Decreto nº 5.300, de 7-12-2004, que regulamentou a Lei nº 7.661/88, define as
competências do Ministério do Meio Ambiente,101 do Instituto Brasileiro do Meio Am-
biente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)102 e do Poder Público Estadual e Munici-
97. São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente. Zoneamento ecológico econômico do litoral norte. Disponível em: -
quivos.ambiente.sp.gov.br/cpla/2011/05/Zoneamento-Ecologico-Economico_Litoral-Norte.pdf>. Acesso em: 04 set.
2018.
100. Lei nº 7.661/88, art. 4º, § 2º.
101. Decreto nº 5.300/04, art. 11.
102. Decreto nº 5.300/04, art. 12.
533
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
pal no tocante às atividades relativas ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.
Ao Poder Público Estadual, na esfera de suas competências e nas áreas de sua juris-
dição, cabe planejar e executar as atividades de gestão da Zona Costeira em articulação
com os Municípios e com a sociedade.103 A norma é clara ao estabelecer a necessidade de
articulação com os Municípios.
O Poder Público municipal deverá observar as normas e os padrões federais e esta-
duais, e planejará e executará suas atividades de gestão da zona costeira em articulação
com os órgãos estaduais, federais e com a sociedade.104
Embora um decreto do Executivo federal não tenha o condão de estabelecer compe-
tências para os Estados e Municípios, a norma serve para indicar as ações a serem desen-
volvidas pelos Entes Federados. O princípio da cooperação pode ser invocado, nesse caso,
para que se incorporem atribuições dos Estados e Municípios nessa matéria, já que os
objetivos da Lei nº 7.661/88 referem-se à organização do uso e da proteção da Zona Cos-
teira, patrimônio constitucionalmente reconhecido como de âmbito e interesse nacional.
34.3.2.2 Planos Municipais e Estaduais de Gerenciamento Costeiro
A Lei nº 7.661/88 constitui, no que se refere às competências legislativas concorrentes
da União e dos Estados e Distrito Federal, previstas no art. 24 da CF/88 e do Município,
fixadas no art. 30 da CF/88, uma norma geral, embora essa figura jurídica esteja prevista
no § 1º do art. 24 e não abranja expressamente o art. 30. Nessa linha, é prevista a elabora-
ção, por lei, de Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, observadas as
normas e diretrizes do Plano Nacional e o disposto na Lei nº 7.661/88.
As normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como as li-
mitações à utilização de imóveis, poderão ser estabelecidas nos Planos de Gerenciamento
Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de natureza
mais restritiva. Essa regra explicita o princípio que vigora em matéria de competência
legislativa ambiental, de se adotar a norma que melhor proteja o meio ambiente, que é a
finalidade precípua. No caso da Lei nº 7.661/88, a própria norma estabelece esse enten-
dimento, de que a regra mais restritiva é a que melhor protege o ambiente, configurando
essa, no caso específico, uma presunção legal.
Os Planos Estaduais e Municipais de Gerenciamento Costeiro105 devem estabelecer:
os princípios, objetivos e diretrizes da política de gestão da Zona Costeira da sua área de atuação;
o Sistema de Gestão Costeira na sua área de atuação;
os instrumentos de gestão;
as infrações e penalidades previstas em lei;
os mecanismos econômicos que garantam a sua aplicação.
O conteúdo dos Planos, sejam eles estaduais ou municipais, remete ao princípio da
cooperação e à articulação técnica e política. Mesmo considerando as dimensões da Zona
Costeira brasileira, é praticamente impossível implementar planos não coordenados, que
103. Decreto nº 5.300/04, art. 13.
104. Decreto nº 5.300/04, art. 14.
105. Decreto nº 5.300/04, art. 8º.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
534
não tenham passado por uma instância de análises técnicas conjuntas e que não tenham
sido objeto de um acordo político.
O planejamento de um espaço tão disputado para as atividades econômicas e para
a instalação de cidades, com valores ambientais tão importantes, enfrenta naturalmente
uma situação de conflito. Talvez a Zona Costeira seja uma das regiões brasileiras em
que o princípio do desenvolvimento sustentável encontre maiores dificuldades em ser
aplicado.
É preciso, pois, que os aspectos técnicos do planejamento e os riscos ambientais
sejam muito bem explicitados e a população cobre sistematicamente, da classe política,
decisões voltadas não ao imediatismo dos empreendimentos imobiliários ou industriais,
mas à perenidade de valores que, uma vez destruídos, perdem-se para sempre, alijando
as futuras gerações de sua fruição e pondo em risco a permanência da vida nessa região.
Estabelecendo os Estados e Municípios os respectivos Planos de Gerenciamento Cos-
teiro, a eles cabe designar ou instituir órgãos ou entidades competentes para executá-los,106
como medida de efetividade da lei. Todavia, a formulação dos planos é atividade nevrál-
gica para assegurar que a sua implementação garanta o direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.107 O plano há que ser realista e factível, proporcionalmente,
inclusive, à capacidade do Poder Público para implementar suas diretrizes e fiscalizar as
ações desenvolvidas no espaço. O instrumento desconectado com o cenário que vigora
tem muito menos chances de tornar-se exequível.
34.3.2.3 Compatibilização das normas em vigor
Tanto na elaboração como na execução do Plano Nacional de Gerenciamento Costei-
ro (PNGC) devem ser observados as normas, os critérios e os padrões relativos ao controle
e à manutenção da qualidade do meio ambiente estabelecidos pelo CONAMA.
Importa ressaltar que os padrões mencionados não estão, necessariamente, definidos
nas resoluções do CONAMA, mas se encontram também em leis e decretos federais, es-
taduais e municipais.
Nessa linha, a urbanização, a ocupação e uso do solo, parcelamento e remembramento
do solo são matéria do Estatuto da Cidade, como norma geral, e das normas municipais,
incluindo as leis de uso e ocupação do solo e o plano diretor. As atividades relacionadas
à exploração e proteção do subsolo encontram-se em regras próprias, como é o caso do
As águas doces, salinas e salobras localizadas no interior do continente têm como
marco regulatório a Lei nº 9.433/97 e as leis estaduais sobre políticas e sistemas de geren-
ciamento de recursos hídricos. Para as águas interiores, consideradas as contidas no mar
territorial, que por sua vez compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura,
medidas a partir da linha de baixa mar do litoral continental e insular brasileiro, conforme
dispõe a Lei nº 8.617, de 4-1-1993, no que se refere à poluição por óleo, vigora o Decreto
nº 83.540, de 4-6-1979, que regulamenta a aplicação da Convenção Internacional sobre
Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969.
107. CF/88, art. 225.
535
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
As normas que regulam a transmissão e a distribuição de energia são editadas pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). A habitação é objeto de políticas federais,
estaduais e municipais e as diretrizes do saneamento básico foram estabelecidas pela Lei nº
11.445/07. O patrimônio natural, étnico108 e paisagístico é protegido pelas normas ambien-
tais. O patrimônio histórico e artístico é regido pelo Decreto-lei nº 25/37.
O sistema viário e de transporte, o sistema de produção, o turismo, a recreação e o
lazer são objetos de políticas públicas específicas, nem sempre estabelecidas por norma
legal.109
Ainda há que se considerar a relação entre o PNGC e outros instrumentos para a pro-
teção da Zona Costeira, como o Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro e o Plano de
Gestão Costeira,110 que serão detalhados no item sobre os instrumentos da gestão costeira.
Nas palavras de Marcelo Sodré, em resumo, o Plano de Gerenciamento é o Documento que
estabelece os princípios da política pública; o Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro é o
documento que baliza o processo de ordenamento territorial para cumprir as metas da polí-
tica pública estabelecida; e o Plano de gestão é o documento pelo qual organizam-se as ações
concretas para a obtenção de metas.111
Como se pode verificar, na simples indicação das normas que incidem sobre qual-
quer tipo de zoneamento que se pretenda efetuar, inclusive o costeiro, há uma complexa
rede normativa a ser observada e principalmente interpretada da maneira que for mais
adequada à proteção ambiental.
Muitas dessas normas, como o Estatuto da Cidade, a Lei do SNUC e a Lei de Águas,
incluem, nos processos decisórios, a participação da sociedade em conselhos de recursos
hídricos, de Unidades de Conservação, comitês de bacia hidrográfica e audiências públi-
cas. Em cada órgão colegiado há um determinado tipo de organização e representativida-
de, poderes deliberativos ou apenas consultivos, cuidando de temas específicos, mas que
devem manter um olhar para o todo, quando inseridos na Zona Costeira.
Aqui também se apresenta uma clara necessidade não apenas de articulação institu-
cional, mas também de uma verdadeira coordenação, a cargo do órgão responsável pela
formulação do PNGC – Grupo de Coordenação, dirigido pela Secretaria da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM). Ainda que esse órgão não participe
diretamente dos órgãos do SISNAMA e dos colegiados, é necessária uma comunicação
institucional sistemática e direta entre todos os atores envolvidos com o PNGC.
Não é difícil imaginar quão complexa é a gestão da Zona Costeira, que possui inter-
faces com setores distintos, com políticas próprias, cabendo um esforço considerável de
articulação institucional, inclusive entre os Estados e Municípios envolvidos, para estabe-
lecer procedimentos comuns, com vistas a assegurar a preservação dos ecossistemas, da
saúde pública e do meio ambiente.
108. Note-se que aqui se repete o termo étnico.
110. Previsto no item 4.7 do PNGC II. Disponível em: .
Acesso em: 04 set. 2018.
111. SODRÉ, Marcelo Gomes. Zoneamento Ecológico-Econômico na Zona Costeira. In: GRANZIERA, Maria Luiza Machado;
GONÇALVES, Alcindo; MORE, Rodrigo (Org). Desafios ambientais da zona costeira. São Paulo: Essential Idea, 2014, p.
90-91.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
536
34.3.3 Licenciamento de atividades na Zona Costeira
A Lei nº 7.661/88 estabeleceu regras específicas de licenciamento para parcelamento
e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de ativida-
des, com alterações das características naturais da Zona Costeira.112 Essas regras devem ser
observadas pelos Municípios localizados na Zona Costeira, quando da formulação de suas
leis sobre uso e ocupação do solo e Plano Diretor.
O licenciamento ambiental das atividades acima mencionadas condiciona-se à ela-
boração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e à apresentação do respectivo Relatório
de Impacto Ambiental (RIMA), devidamente aprovado, na forma da lei.113 Além disso, é
obrigatória a observância das demais normas específicas federais, estaduais e municipais,
respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.
Como sanção para a falta ou o descumprimento, ainda que parcial, das normas fixa-
das para o licenciamento, a lei prevê a interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da
cominação de outras penalidades previstas em lei.114
34.3.4 Responsabilidade por dano ambiental causado na Zona Costeira
O princípio da reparação integral encontra-se expresso na Lei. Qualquer atividade
que provoque a degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da
Zona Costeira gerará, para seu autor, a obrigação de reparar o dano cau sado.
Além da reparação do dano, a lei prevê ainda que o agente fica sujeito às penalidades
previstas no art. 14 da Lei nº 6.938/81, elevado o limite máximo da multa ao valor cor-
respondente a 100.000 Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
34.3.5 Praias
A praia, definida pela lei como “a área coberta e descoberta periodicamente pelas
águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, sei-
xos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde
comece um outro ecossistema,115 teve sua natureza jurídica alterada, passando a constituir,
a partir da edição da Lei nº 7.661/88, um “bem público de uso comum do povo, assegurado,
sempre, livre e franco acesso a ela e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os
trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por
legislação específica”. 116
Essa regra mudou a ordem da ocupação do litoral, pois havia vastas áreas de praia de
acesso proibido pelos proprietários de imóveis localizados junto a esses espaços, privando
a população de ter contato com o mar pela praia. Como medida de assegurar o acesso às
praias, o Decreto nº 5.300/04 determina ao Poder Público Municipal que, em conjunto
com o órgão ambiental, assegure no âmbito do planejamento urbano o acesso às praias e
113. Lei nº 7.661/88, art. 6º, § 2º.
114. Lei nº 7.661/88, art. 6º, § 1º.
115. Lei nº 7.661/88, art. 10, § 3º.
537
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
ao mar, ressalvadas as áreas de segurança nacional ou áreas protegidas por legislação espe-
cífica. Os critérios117 a serem considerados são:
nas áreas a serem loteadas, o projeto do loteamento deve identificar os locais de acesso à praia;
nas áreas já ocupadas por loteamentos à beira-mar, sem acesso à praia, o Poder Público Municipal, em
conjunto com o órgão ambiental, definirá as áreas de servidão de passagem, responsabilizando-se por
sua implantação;
nos imóveis rurais, condomínios e quaisquer outros empreendimentos à beira-mar, o proprietário será
notificado pelo Poder Público Municipal, para prover os acessos à praia, com prazo determinado, se-
gundo condições estabelecidas em conjunto com o órgão ambiental.
34.3.5.1 Impedimento do acesso às praias
O impedimento do acesso às praias é objeto, como fator de aumento de pena,118 da
Lei nº 9.605/98, que estabelece, para o crime de “causar poluição de qualquer natureza em
níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a
mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, a pena de reclusão, de um a
quatro anos, e multa. Para esse tipo penal, é prevista a forma culposa, em que o agente se
sujeita à pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa.
A menção específica sobre a garantia do uso público e acesso às praias, que aumenta
a pena acima fixada para a reclusão de um a cinco anos, mas que de resto não configura
necessariamente a ocorrência de poluição, é específica para o tipo referido no § 2º, inciso
IV do art. 54, relativo a dificultar ou impedir o uso público das praias.
34.3.6 Gerenciamento costeiro
34.3.6.1 Princípios
Os princípios fundamentais da gestão da Zona Costeira119 são aqueles estabelecidos
na Política Nacional de Meio Ambiente, na Política Nacional para os Recursos do Mar e na
Política Nacional de Recursos Hídricos. Além disso, o gerenciamento costeiro deve garan-
tir a observância dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na matéria e dos
direitos de liberdade de navegação, além da utilização sustentável dos recursos costeiros.
No que toca aos aspectos técnicos e políticos, vigora o princípio da integração da
gestão dos ambientes terrestres e marinhos da Zona Costeira, com a construção e manuten-
ção de mecanismos participativos e na compatibilidade das políticas públicas, em todas
as esferas de atuação.120 Este dispositivo contém elementos que compõem a articulação
técnica sobre as ações atinentes à gestão, à participação social nos processos decisórios e à
compatibilização das políticas públicas quando de sua formulação.
Em termos ecológicos, dois princípios devem ser citados, ambos voltados à manu-
tenção dos meios físicos e bióticos, cuja fragmentação administrativa, nos processos de
gerenciamento, pode gerar danos efetivos ou deixar de propiciar benefícios. Dessa forma,
cabe:
117. Decreto nº 5.300/04, art. 21.
118. Lei nº 9.605/98, art. 54, § 2º, IV.
119. Decreto nº 5.300/04, art. 5º.
120. Decreto nº 5.300/04, art. 5º, IV.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
538
considerar, na faixa marítima, a área de ocorrência de processos de transporte sedimentar e modifi-
cação topográfica do fundo marinho e aquela onde o efeito dos aportes terrestres sobre os ecossiste-
mas marinhos é mais significativo;121
não fragmentar, na faixa terrestre, a unidade natural dos ecossistemas costeiros, de forma a permitir
a regulamentação do uso de seus recursos, respeitando sua integridade.122
Ainda sob o aspecto ecológico, destaca-se o princípio da preservação, conservação e
controle de áreas que sejam representativas dos ecossistemas da Zona Costeira, com recu-
peração e reabilitação das áreas degradadas ou descaracterizadas.123 Embora o texto não
mencione expressamente, trata-se da criação de espaços protegidos, conforme a Lei do
SNUC, pois de outro modo fica ainda mais frágil a efetividade da proteção.
No que diz respeito aos aspectos da socioeconomia, caberá considerar, na faixa ter-
restre, as áreas marcadas por atividade socioeconômica-cultural de características costei-
ras e sua área de influência imediata, em função dos efeitos dessas atividades sobre a con-
formação do território costeiro.124
Não se poderia deixar de tratar da atenção a ser conferida aos limites municipais, em
face da operacionalidade das articulações necessárias ao processo de gestão.125 Todavia, há
que ficar sempre claro que, não obstante a autonomia municipal, a Zona Costeira é espaço
a ser gerido de modo integrado, mediante ações voltadas sistematicamente à articulação
político-institucional.
O princípio da precaução é expressamente mencionado, cabendo a adoção de medidas
eficazes para impedir ou minimizar a degradação do meio ambiente, sempre que houver perigo
de dano grave ou irreversível, mesmo na falta de dados científicos completos e atualizados.126
Cabe um elogio à regra que estabelece, como princípio aplicável ao gerenciamento
costeiro, o comprometimento e a cooperação entre as esferas de governo, e dessas com
a sociedade, no estabelecimento de políticas, planos e programas federais, estaduais e mu-
nicipais. O texto é bastante claro e revela a responsabilidade daqueles que exercem funções
públicas perante a sociedade, na organização de uma vida melhor, tanto sob os aspectos
econômicos e sociais, mas com respeito aos valores ambientais e culturais.
Nessa linha, dispõe o decreto que o estabelecimento do processo de gestão das ativi-
dades socioeconômicas na Zona Costeira seja feito de forma integrada, descentralizada e
participativa, de modo a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a
proteção de seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.127
Outro ponto de fundamental importância refere-se ao princípio que determina a in-
corporação da dimensão ambiental nas políticas setoriais voltadas à gestão integrada dos
ambientes costeiros e marinhos, compatibilizando-as com o Plano Nacional de Gerencia-
mento Costeiro (PNGC).128 Já foi ressaltada, no Capítulo sobre o Conceito de Direito Am-
biental, a interdependência que vigora entre os ecossistemas e espécies. Daí o conceito de
121. Decreto nº 5.300/04, art. 5º, V.
122. Decreto nº 5.300/04, art. 5º, VI.
123. Decreto nº 5.300/04, art. 5º, IX.
124. Decreto nº 5.300/04, art. 5º, VII.
125. Decreto nº 5.300/04, art. 5º, VIII.
126. Decreto nº 5.300/04, art. 5º, X.
127. Decreto nº 5.300/04, art. 6º, II.
128. Decreto nº 5.300/04, art. 6º, III.
539
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
meio ambiente reportar-se, em verdade, a uma situação de equilíbrio entre os meios físico
e biótico. A regra ora estabelecida impõe que a formulação das políticas de gerenciamento
costeiro seja feita de modo que considere as demais, ou melhor, que a construção das vá-
rias políticas públicas seja feita de maneira integrada com a política ambiental.
O decreto em tela menciona ainda que o gerenciamento costeiro tem por objetivo o
controle sobre os agentes causadores de poluição ou degradação ambiental que ameacem a
qualidade de vida na zona costeira”, 129 atividade relativa ao exercício do poder de polícia.
34.3.6.2 Instrumentos da gestão da Zona Costeira
O Decreto nº 5.300/04 determina que a gestão da Zona Costeira deve utilizar os ins-
trumentos ali estabelecidos, de forma articulada e integrada. Revela-se, no teor do decreto,
uma ênfase à integração e à articulação, seja da atuação dos órgãos e entidades gestoras,
seja na formulação das políticas públicas. A cada dispositivo o tema volta à baila, deixando
clara a tendência a se estabelecer, em norma jurídica, e de modo claro e preciso, a neces-
sidade de os Entes Federativos, por intermédio de suas estruturas administrativas, viabili-
zarem um pacto, na busca da melhoria da qualidade de vida de uma parte substancial da
população brasileira, que habita a Zona Costeira.
O único ponto a lamentar é que essas regras tenham sido baixadas por Decreto, e não
pelo processo legislativo, o que tornaria muito mais efetivas as normas. Sendo o funda-
mento de tais ações um decreto e não uma lei, há que se contar com a boa-fé das autorida-
des para fazer valer os preceitos ali fixados.
O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) consiste no “conjunto de
diretrizes gerais aplicáveis nas diferentes esferas de governo e escalas de atuação, orientando
a implementação de políticas, planos e programas voltados ao desenvolvimento sustentável
da zona costeira”. 130
O Plano de Ação Federal da Zona Costeira (PAF) deve conter o “planejamento de
ações estratégicas para a integração de políticas públicas incidentes na zona costeira, buscan-
do responsabilidades compartilhadas de atuação”.131
O Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (PEGC)implementa a Política Es-
tadual de Gerenciamento Costeiro, define responsabilidades e procedimentos institucionais
para a sua execução, tendo como base o PNGC”. 132
O Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro (PMGC) deve implementar “a Política
Municipal de Gerenciamento Costeiro, define responsabilidades e procedimentos institucionais
para a sua execução, tendo como base o PNGC e o PEGC, devendo observar, ainda, os demais
planos de uso e ocupação territorial ou outros instrumentos de planejamento municipal”. 133
O Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro (SIGERCO) é “componente
do Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente – (SINIMA), que integra informa-
ções georreferenciadas sobre a zona costeira.134
129. Decreto nº 5.300/04, art. 6º, IV.
130. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, I.
131. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, II.
132. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, III.
133. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, IV.
134. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, V.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
540
O Sistema de Monitoramento Ambiental da Zona Costeira (SMA) consiste em
uma “estrutura operacional de coleta contínua de dados e informações, para o acompanha-
mento da dinâmica de uso e ocupação da zona costeira e avaliação das metas de qualidade
socioambiental”. 135
O Relatório de Qualidade Ambiental da Zona Costeira (RQA-ZC)consolida, pe-
riodicamente, os resultados produzidos pelo monitoramento ambiental e avalia a eficiência e
eficácia das ações da gestão”.136
O Zoneamento Ecológico-Econômico C osteiro (ZEEC)orienta o processo de or-
denamento territorial, necessário para a obtenção das condições de sustentabilidade do de-
senvolvimento da zona costeira, em consonância com as diretrizes do Zoneamento Ecológi-
co-Econômico do território nacional, como mecanismo de apoio às ações de monitoramento,
licenciamento, fiscalização e gestão”. 137 O ZEEC deve abranger as interações entre as faixas
terrestre e marítima da zona costeira, considerando as orientações contidas no Anexo I do
Decreto. Um ponto a destacar, entre os instrumentos de gestão, é a participação social na
elaboração do ZEEC.138
O macrodiagnóstico da Zona Costeira reúne informações, em escala nacional, so-
bre as características físico-naturais e socioeconômicas da Zona Costeira, com a finalidade
de orientar ações de preservação, conservação, regulamentação e fiscalização dos patrimô-
nios naturais e culturais.139
34.3.7 Orla marítima
O Decreto nº 5.300/04 dispõe ainda sobre a orla marítima, definida como a “faixa
contida na Zona Costeira, de largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra
terrestre, caracterizada pela interface entre a terra e o mar”. 140
Os limites da orla marítima fixados pela norma obedecem aos seguintes critérios,
podendo sofrer alterações, em função de características geomorfológicas, devidamente
justificadas:141
marítimo: isóbata de dez metros, profundidade na qual a ação das ondas passa a sofrer influência da
variabilidade topográfica do fundo marinho, promovendo o transporte de sedimentos;
terrestre: cinquenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas não urbanizadas, de-
marcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, tais
como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas, falésias, costões rochosos, res-
tingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde
estão situados os terrenos de marinha e seus acrescidos.
A importância da gestão da orla marítima é indiscutível. Segundo o art. 24 do decreto
em tela, seu objetivo é planejar e implementar ações nas áreas que apresentem maior deman-
da por intervenções na zona costeira, a fim de disciplinar o uso e ocupação do território.
135. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, VI.
136. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, VII.
137. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, VIII.
138. Decreto nº 5.300/04, art. 9º.
139. Decreto nº 5.300/04, art. 7º, IX.
140. Decreto nº 5.300/04, art. 22.
141. Decreto nº 5.300/04, art. 23.
541
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
Nessa linha, a norma condiciona a realização ou a implantação de obras e serviços de
interesse público à sua compatibilidade com o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) e
outros instrumentos similares de ordenamento do uso do território.142
Além disso, institui-se um instrumento de gestão da orla marítima – Plano de In-
tervenção –, com base no reconhecimento das características naturais, nos tipos de uso e
ocupação existentes e projetados, contemplando as seguintes informações:
caracterização socioambiental: diagnóstico dos atributos naturais e paisagísticos, formas de uso e
ocupação existentes, com avaliação das principais atividades e potencialidades socioeconômicas;
classificação: análise integrada dos atributos naturais com as tendências de uso, de ocupação ou pre-
servação, conduzindo ao enquadramento em classes genéricas e à construção de cenários compatí-
veis com o padrão de qualidade da classe a ser alcançada ou mantida;
estabelecimento de diretrizes para intervenção: definição do conjunto de ações articuladas, ela-
boradas de forma participativa, a partir da construção de cenários prospectivos de uso e ocupação,
podendo ter caráter normativo, gerencial ou executivo.
É de se ressaltar que o Plano de Intervenção será elaborado “em conformidade com
o planejamento federal, estadual e municipal da zona costeira”.143 Já em áreas não contem-
pladas por Plano de Intervenção, o órgão ambiental requisitará estudos que permitam a
caracterização e classificação da orla marítima para o licenciamento ambiental de em-
preendimentos ou atividades.144
34.3.8 Zona Costeira e a Lei nº 12.651/12
A Lei nº 12.651/12, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, aborda recursos
da Zona Costeira, ao tratar dos apicuns e salgados e o uso antrópico desses espaços, bem
como da restinga e do mangue. A lei determina que a Zona Costeira é patrimônio nacional,
[...], devendo sua ocupação e exploração dar-se de modo ecologicamente sustentável.145
De acordo com a lei, apicuns são áreas de solos hipersalinos situadas nas regiões en-
tremarés superiores, inundadas apenas pelas marés de sizígias, que apresentam salinidade
superior a 150 partes por 1.000, desprovidas de vegetação vascular.146 Salgados ou marismas
tropicais hipersalinos são definidos como áreas situadas em regiões com frequências de
inundações intermediárias entre marés de sizígias e de quadratura, com solos cuja salinidade
varia entre 100 e 150 partes por 1.000, onde pode ocorrer a presença de vegetação herbácea
específica.147
A restinga consiste no depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente
alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comu-
nidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada
em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio su-
cessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizada.148 Por fim,
142. Decreto nº 5.300/04, art. 33.
143. Decreto nº 5.300/04, art. 25, parágrafo único.
144. Decreto nº 5.300/04, art. 34.
145. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, incluído pela Lei nº 12.727/12.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
542
o manguezal, segundo a lei, consiste no ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos bai-
xos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se
associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência
fluviomarinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao
longo da costa brasileira, entre os Estados do Amapá e de Santa Catarina.149
Colocados os conceitos legais, que de resto possuem complexidade razoável para um
entendimento por parte dos juristas não iniciados na biologia, cabe verificar o contexto
em que foram inseridas essas áreas na lei protetora da vegetação nativa.
O art. 11-A, que menciona a Zona Costeira como patrimônio nacional, permite a uti-
lização dos apicuns e salgados em atividades de carcinicultura150 e salinas.151 Para tanto,
exige a observância dos requisitos fixados na lei.152
Em primeiro lugar, a lei determina que a área total ocupada em cada Estado não pode
ser superior a 10% dessa modalidade de fitofisionomia no bioma amazônico e a 35% no
restante do país. Em um primeiro momento, assim, verifica-se que a lei está impondo um
limite para a ocupação das áreas de apicuns e salgados, revelando, assim, o reconhecimen-
to da necessidade de protegê-los de um uso excessivo.
Todavia, a norma exclui desse cômputo as áreas de ocupação consolidada mencio-
nada no §6º do mesmo dispositivo legal, que assegura a regularização das atividades e
empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenham ocor-
rido antes de 22 de julho de 2008, desde que o empreendedor, pessoa física ou jurídica,
comprove sua localização em apicum ou salgado e se obrigue, por termo de compromisso,
a proteger a integridade dos manguezais arbustivos adjacentes.153
Isso significa que com base no princípio da prevenção, a lei estabeleceu um limite
para a proteção dos apicuns e salgados a partir de um critério lógico, valendo os percen-
tuais fixados. Assim, se é possível ocupar 35% dessas áreas com atividades de carcinicul-
tura e salinas, isso deveria significar que 65% dessas áreas estariam destinadas à proteção
dos espaços em questão. Porém, não é essa a regra imposta pela lei, pois não se estabelece
qualquer limite para o que foi degradado ilegalmente antes da data de 22-7-2008. Somente
um diagnóstico da extensão das áreas consolidadas por meio, por exemplo, do Zonea-
mento Ecológico-Econômico, de que trata o § 5º, mostrará o real percentual de áreas que
efetivamente permanecem protegidas. Aqui se repete a técnica legislativa de anunciar a
proteção para, em seguida, desconstruir qualquer possibilidade de efetivar essa proteção.
Retorna-se ao ponto: a data de edição de um decreto sobre sanções administrativas não
pode ser utilizada como critério para definir uma política florestal, pois fere o princípio da
isonomia em que deve se assentar o Estado brasileiro.
Em segundo lugar, a lei exige, como condição para que as atividades de carcinicultura
e salinas sejam viabilizadas, a salvaguarda da absoluta integridade dos manguezais arbus-
tivos e dos processos ecológicos essenciais a eles associados, bem como da sua produtividade
biológica e condição de berçário de recursos pesqueiros.154
150. Cultura de camarão.
151. Produção de sal.
152. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 1º, incluído pela Lei nº 12.727/12.
153. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 1º, I, incluído pela Lei nº 12.727/12.
154. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 1º, II, incluído pela Lei nº 12.727/12.
543
34 • ESPAÇOS tErrItOrIAIS DO PAtrIMÔNIO NACIONAl
Em terceiro lugar, o licenciamento da atividade e das instalações deve ser feito pelo ór-
gão ambiental estadual, cientificado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) e, no caso de uso de terrenos de marinha ou outros bens da
União, realizada regularização prévia da titulação perante a União.155
Em quarto lugar, uma condição óbvia: o recolhimento, tratamento e disposição ade-
quados dos efluentes e resíduos.156 Essas obrigações devem fazer parte do conjunto de con-
dicionantes em qualquer procedimento de licenciamento ambiental.
A lei impõe a garantia da manutenção da qualidade da água e do solo, respeitadas as
Áreas de Preservação Permanente.157 Essa obrigação tampouco é específica de empreendi-
mentos relacionados com salina e carcinicultura. A manutenção da qualidade dos recursos
naturais, nomeadamente água e solo, faz parte do licenciamento ambiental, da mesma
forma que as ações relacionadas aos recursos hídricos. A lei em nada acrescenta no que se
refere à proteção da Zona Costeira.
Por fim, a lei exige respeito às atividades tradicionais de sobrevivência das comunida-
des locais.158 Há de se convir que não haveria necessidade de inserir também essa regra,
já que o Decreto nº 6.040, de 7-1-2007, instituiu uma política pública de âmbito nacional
sobre o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. De acordo
com esse diploma, as ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais deverão
ocorrer de forma intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observar uma série de
princípios ali estabelecidos.
Um desses princípios consiste no reconhecimento, na valorização e no respeito à diver-
sidade socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, levando-se em conta,
dentre outros aspectos, os recortes etnia, raça, gênero, idade, religiosidade, ancestralidade,
orientação sexual e atividades laborais, entre outros, bem como a relação desses em cada
comunidade ou povo, de modo a não desrespeitar, subsumir ou negligenciar as diferenças dos
mesmos grupos, comunidades ou povos ou, ainda, instaurar ou reforçar qualquer relação de
desigualdade.159 Parece clara a disposição do Governo a proteção dessas populações.
Em um licenciamento ambiental, procedimento administrativo que tramita no âm-
bito da Administração Pública, independentemente do tipo de empreendimento a ser
licenciado, o órgão ou entidade competente não poderia deixar de observar o decreto
mencionado. Cada vez mais, os aspectos socioambientais fazem parte intrínseca das con-
dicionantes ambientais. Não haveria, pois, necessidade de inserir essa obrigação na lei que
trata da vegetação nativa.
A lei estabelece ainda prazo e condições de renovação para as licenças ambientais,160
as hipóteses em que será obrigatória a apresentação de Estudo Prévio de Impacto Am-
biental (EPIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)161 e prevê a possibilidade de
alteração dos condicionantes ambientais e as medidas de controle e adequação nos casos
155. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 1º, III, incluído pela Lei nº 12.727/12.
156. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 1º, IV, incluído pela Lei nº 12.727/12.
157. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 1º, V, incluído pela Lei nº 12.727/12.
159. Decreto nº 6.040/07, Anexo, art. 1º, I.
160. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 2º, incluído pela Lei nº 12.727/12.
161. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 3º, incluído pela Lei nº 12.727/12.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
544
mencionados.162 Tais regras, claramente de natureza regulamentar, encontram-se na Reso-
lução CONAMA 237/97, e se referem ao licenciamento em geral, sem especificar qualquer
atividade ou empreendimento.
Ou seja, o Capítulo III – Do Uso Ecologicamente Sustentável dos Apicuns e Salga-
dos estabelece apenas uma regra de proteção, que são os limites de percentuais de áreas a
serem ocupadas por atividades, e que valem para o futuro. Além disso, fixou-se uma série
de regras óbvias e já constantes de outros diplomas legais, sobre os apicuns e salgados, sem
nenhuma serventia adicional. Assim, da análise dos dispositivos verificados, pode-se con-
cluir que o real objetivo do capítulo foi conceder anistia, utilizando-se o critério de data,
qual seja, 22-7-2008, para excluir da responsabilização por dano ambiental aqueles que
ocuparam indiscriminadamente as áreas de apicuns e salgados.
A lei veda a manutenção, licenciamento ou regularização, em qualquer hipótese ou
forma, de ocupação ou exploração irregular em apicum ou salgado, ressalvadas as exceções
ali previstas.163 Se não eram espaços protegidos, embora haja uma discussão técnica a res-
peito da necessária interação entre apicuns, salgados e mangues, não haveria empecilho
para que os empreendimentos de carcinicultura e salinas fossem regularmente instalados,
inclusive com as devidas licenças ambientais. Dessa forma, se existe irregularidade, talvez
seja porque não foram cumpridas obrigações relativas ao licenciamento, como o tratamen-
to adequado de efluentes, a implantação de medidas mitigadoras e compensatórias, entre
outras.
Ora, então porque a lei estabelece de plano a possibilidade de manutenção, licencia-
mento ou regularização dessas áreas, sem exigir ao menos um compromisso de ajuste com
o órgão ou entidade ambiental? Resta uma pergunta: como ficaria um Estado da Federa-
ção com mais de 35% das áreas de salgados e apicuns já ocupadas anteriormente à data
fatídica de 22-7-2008?
Essa anistia, concedida a atividades poluidoras e degradadoras como é o caso da car-
cinicultura, em situação irregular, sem que ao menos a lei estabeleça uma condição mais
esclarecedora acerca da irregularidade, transfere o custo social da poluição e da degrada-
ção da Zona Costeira para a sociedade como um todo, ignorando, entre outros, o princípio
do poluidor pagador, que dá fundamento à responsabilidade civil, administrativa e crimi-
nal, previsto no § 3º do art. 225, da CF.
162. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 4º, incluído pela Lei nº 12.727/12.
163. Lei nº 12.651/12, art. 11-A, § 7º, incluído pela Lei nº 12.727/12.

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